Quando mandaram o condutor abrir as portas de trás da carrinha, na última sexta-feira, em Lisboa, os inspetores da Autoridade para a Segurança Alimentar e Económica (ASAE) sabiam ao que iam. Ainda assim, o produto acondicionado no interior não deixou de impressionar, pela quantidade e pelo valor de mercado que ali estava em causa: 1700 garrafas de vinho Pêra Manca, que rondariam cerca de 250 mil euros quando colocadas à venda. Seriam comercializadas a 350 euros cada, depois de custarem 150 euros a produzir. O problema era só um: todas as garrafas tinham os rótulos, contra rótulos e cápsulas contrafeitos.
As autoridades estão a apertar o cerco ao comércio ilegal de bebidas alcoólicas em Portugal. A operação desencadeada na semana passada pela ASAE – o principal organismo no controlo de irregularidades envolvendo estes produtos – traduziu-se na maior ação individual de combate à contrafação de vinhos. Desde o início do ano, chega quase aos 2,5 milhões de euros o valor de mercado dos produtos ilegais detetados nas operações desencadeadas pela ASAE e pela GNR.
Milhões de litros apreendidos no combate ao contrabando
Nos dados da ASAE, a que o SOL teve acesso, é possível perceber que a quantidade de bebidas alcoólicas apreendidas só este ano (entre vinho, aguardente e outras bebidas) chega aos 600 mil litros. No mercado, esses produtos valeriam aos contrabandistas qualquer coisa como 2,2 milhões de euros. Estes resultados colocam a ASAE na liderança do combate a este tipo de ilegalidades.
Além da contrafação, estiveram em causa nas apreensões conduzidas pela ASAE «irregularidades no âmbito da rotulagem dos produtos atribuindo características ou informação falsa que induz o consumidor em erro».
No caso da GNR, as irregularidades são outras. «As apreensões efetuadas encontram-se todas relacionadas com os crimes de introdução fraudulenta no consumo e com contraordenações de introdução irregular no consumo das bebidas, ambos previsto no Regime Geral das Infrações Tributárias», refere ao SOL fonte da Guarda.
Assim, até ao mês de junho tinham sido apreendidas pelos militares da GNR (com principal para os elementos da Unidade de Ação Fiscal, o organismo mais vocacionado para este tipo de situações) muito perto de 18 mil litros das diversas bebidas alcoólicas.
Um valor que facilmente se poderá aproximar do total de 2014 (ano em que foram apreendidos cerca de 27,6 mil litros de produto). Mas ainda bastante longe dos resultados conseguidos com as operações desenvolvidas no ano passado, em que foram apreendidos 78,5 mil litros de bebidas.
Fica claro – com os dados da GNR enviados ao SOL – que a quantidade de bebidas apreendidas varia consideravelmente de ano para ano. Em 2013, por exemplo, os militares chegaram aos 48,5 mil litros de produto em que foram detetadas irregularidades.
E quanto é que este produto poderia render, se chegasse a ser colocado no mercado? Os valores variam não apenas em função da quantidade apreendidas mas também do tipo de bebida em causa. De qualquer forma, este ano, a GNR já conseguiu impedir que mais de 250 mil litros de bebidas chegassem aos cafés, bares e restaurantes do país ou que acabassem exportados para Espanha – o mercado ibérico é a porta de entrada dos produtos irregulares apanhados em território nacional, já que, esclarece a GNR, «as situações detetadas tinham todas como destino a sua introdução em Portugal e Espanha».
Em termos de valor de mercado, no ano passado, a comercialização das garrafas apreendidas poderia ter superado os 706 mil euros em proveitos para os autores das fraudes em causa; em 2014 foram mais de 248 mil e, há três anos (2013), o valor superou os 436 mil euros.
Legislação mais apertada para combater o crime
No caso da megaoperação da ASAE, na semana passada, estavam em causa 1700 garrafas do vinho Pêra Manca. Em termos mundiais há uma espécie de lista negra que varia de país para país e que incluiu alguns dos vinhos mais raros.
Um Château Petrus, um Domaine de la Romanee Conti ou ainda um Château Lafite Rothschild são algumas das raridades de que, de acordo com as revistas da especialidade, um apreciador de vinho deve suspeitar, caso lhe chegue às mãos com demasiada facilidade.
O top três ou mesmo um top 10 dos vinhos contrafeitos em maior número varia com regularidade, diz ao SOL David Wainwright, um especialista em contrafações que no ano passado fundou em Hong Kong uma consultora na área. Ainda assim, há dois tipos de bebidas que dificilmente escapam a uma listagem do género: «São quase sempre vinhos franceses de alta qualidade e o uísque single malt».
Questionado sobre a dúvida de um milhão de euros – por onde deve passar o combate a estas imitações de vinhos? -, Wainwright responde que essa tarefa é «muito difícil» e que «as leis têm de ser simplificadas e mudadas», uma vez que «a contrafação de vários produtos [entre os quais os vinhos] está a tornar-se cada vez muito mais grave». Para o especialista em contrafação, «os governos não têm à sua disposição legislação [adequada] que lhes permita combater este tipo de crimes». Essa mudança legislativa é, por isso, «urgente».
David Wainwright conhece este mercado como poucos, a nível mundial. É esse conhecimento de décadas que o leva a estimar que a contrafação dos mais raros vinhos franceses não é das atividades que mais dinheiro movimento anualmente, em todo o mundo. De qualquer modo, o especialista em vinhos considera que «para as falsificações mais raras e de melhor qualidade», esse valor rondará entre os 100 e os 200 milhões de dólares anuais – sensivelmente entre os 90 e os 180 milhões de euros.