O calendário marcava o dia dez de outubro de 1999 quando a SIC passou o primeiro episódio da série Pokémon. Na altura, os 36 anos de Cristina Mesquita já não a faziam sentar-se em frente à televisão com o filho Guilherme que, tal como todas as crianças de onze anos, era um verdadeiro fã da série de anime. Longe do imaginário dos dois estaria o cenário de 2016, no qual mãe e filho, de 53 e 28 anos respetivamente, aparecem juntos a caçar aquilo que, naquele tempo, era tarefa restrita aos protagonistas da história. «Já fui com ele a ginásios apanhar Pokémons», conta ao SOL, com a terminologia na ponta da língua, e que apenas pode soar estranho para os poucos que ainda não entraram neste universo virtual. Isto porque um ginásio no mundo Pokémon não é mais do que um local onde os treinadores medem forças para ver quem é o melhor. «Há muitos no Parque das Nações», explica Cristina, até porque nesta zona de Lisboa já deve haver poucas espécies que escapem à coleção que a levou a atingir o nível 17 – número considerado já de algum gabarito.
Ir e vir do trabalho ou as caminhadas que costumava fazer ao sábado de manhã deixaram de ser rotineiras. «Sempre andei muito a pé. A diferença é que agora ando com um objetivo». Objetivo esse que já a fez desviar dos percursos habituais ou escolher outros restaurantes para almoçar só para passar em sítios onde sabe que há novas espécies para caçar.
Já José Ribeiro, 45 anos, diz que o jogo o está a fazer olhar para a cidade de outra forma. «Reparo em pormenores que nunca me tinha apercebido», revela. «Noutro dia, reparei num azulejo com uma aguadeira em Carnide que nunca tinha visto apesar de passar por lá imensas vezes. Ou como agora, por exemplo. Esta estátua de D. João I», aponta. «Nunca tinha olhado para ela».
Estamos no jardim do Campo Grande e podemos dizer que foi o SOL quem apresentou José à estátua: tudo porque para encontrarmos jogadores mais velhos lançámos um lure – uma espécie de incenso que atrai Pokémons e, consequentemente, outros jogadores – neste local e ficámos à espera.
E o resultado foi surpreendente: de um momento para o outro, parou gente que passeava no jardim de bicicleta, outros que corriam e alguns grupos de amigos. Todos mais jovens, até que surgiu José acompanhado do filho Leonardo, 12, atraídos pela nossa ‘armadilha’. Funcionário do aeroporto, José conta que começou a jogar Pokémon Go há uma semana, influenciado por colegas do trabalho – mas admite que é o mais o velho de todos, entre risos. «Há umas pessoas que acham normal, outras que nem por isso». Até porque nem pai nem filho viram os desenhos animados. Ainda assim, José admite que está a gostar bastante do desafio mas que não está viciado no jogo. «Hoje não vim de propósito ao jardim do Campo Grande caçar Pokémons, tinha umas coisas a tratar na zona», conta. Mas, já que aqui estava, veio de propósito ao nosso ‘lure’, confessa a rir.
Leonardo corrobora: tem sido o companheiro do pai nestas andanças. «Estamos no nível 7», respondem em uníssono quando perguntamos. E, ao contrário do expectável, neste caso houve mesmo uma inversão geracional. «Foi o meu pai quem me mostrou o jogo», explica Leonardo.
Do Campo Grande a Belém há muitos Pokémons de distância
Continuamos em Lisboa, quinta-feira à noite, desta vez noutro jardim. As noites tropicais prometidas para este fim de semana ainda eram só uma miragem e, apesar do friozinho de verão que se fazia sentir, resolvemos repetir a brincadeira.
Lançamos mais um lure de engodo na esperança de ‘caçar os predadores’. E rapidamente surge mais um pai, também acompanhado do filho de 13 anos e do sobrinho, 11, de smartphone em punho. Dizem que estão a ficar sem bateria – queixa, aliás, recorrente dos jogadores. Hugo Silva, 41 anos, é funcionário público e durante esta semana já caminhou durante três noites seguidas até ao relvado em frente à Torre de Belém. O trio é, afinal, uma quadra: é que para além dos jogadores de Pokémon Go desta família também a mãe de Hugo, de 69 anos, se tem juntado à família nas caçadas noturnas.
Apesar de não jogar, diz que acha piada ao jogo porque «tem posto toda a gente a mexer». É este, aliás, o que Hugo mais gosta no jogo. Confessa que instalou a aplicação no telemóvel por causa do filho e do sobrinho e que não está de todo viciado – apesar do ecrã mostrar que já estão no nível 18. Ainda assim, é mesmo o exercício físico que Hugo aponta como a mais valia desta moda. «O meu filho andou provavelmente mais nesta semana do que no ano inteiro. Antes só queria estar em casa a agarrado ao computador», conta.
E das caminhadas não têm só levado mais saúde – à semelhança de José, que encontrámos no Campo Grande, também este pai tem aproveitado para reparar de novo na sua cidade. «Conheço muito bem esta zona e para mim não é novidade, mas tenho olhado mais para pormenores», explica. «Já o meu filho tem descoberto muitas coisas. O Museu dos Combatentes, por exemplo. Acabámos de passar por lá e ele comentou que nunca tinha reparado no edifício».
Antes de nos despedir-nos, não resistimos a perguntar qual o ‘monstro’ mais raro que já encontraram .«Isso dos nomes não faço ideia», diz Hugo a rir.