Economia estagnada complica contas do défice

Crescimento abaixo do previsto põe em causa cumprimento das metas orçamentais. Economistas apontam «limitações» a modelo impulsionado pelo consumo interno. Ambiente na Europa deteriora-se, com estagnação de Itália e de França.

A recuperação económica assumida como pressuposto fundamental do Orçamento do Estado para 2016 (OE2016) não dá sinais de aparecer. O Produto Interno Bruto (PIB) está num ritmo de crescimento anémico há três trimestres, em grande parte devido à falta de investimento. E o desempenho abaixo do previsto torna cada vez mais complicada a meta do défice para este ano.

O INE revelou esta sexta-feira que o PIB registou um aumento de 0,8% no segundo trimestre, face ao mesmo período do ano passado. Este desempenho ficou abaixo do registado no primeiro trimestre, em que a taxa de variação tinha sido de 0,9%. O organismo explicou que o contributo positivo da procura interna «diminuiu significativamente» no segundo trimestre, «observando-se um crescimento menos intenso do consumo privado e uma redução mais expressiva do investimento». 

A procura externa líquida passou a ter um contributo «ligeiramente positivo», mas porque há uma «desaceleração mais acentuada» das importações face às exportações.

Modelo limitado

Na evolução face ao trimestre anterior, os sinais são também de fragilidade na atividade económica. O PIB cresceu 0,2% em termos reais, uma taxa idêntica à verificada nos dois trimestres anteriores. A procura interna registou um contributo nulo.

«O modelo de crescimento baseado na ideia de tentativa de promoção do consumo privado está a mostrar as suas limitações, mesmo num contexto de vendas fortes no setor automóvel no semestre, aumento na concessão de crédito, o turismo muito dinâmico e franca atividade na área da reabilitação de imobiliário», diz ao SOL Filipe Garcia, economista da consultora IMF.

O Ministério das Finanças admite que a economia está «a levar mais tempo a acelerar o ritmo de crescimento», mas acredita que nos próximos meses «o crescimento económico deverá ser sustentado nos sinais de franca recuperação do mercado de trabalho». Em comunicado, o Ministério realça que o desemprego está no «valor mais baixo desde 2010» e que vários outros indicadores dão sinais positivos: nível de confiança de empresários, expectativas de investimento em 2016 e reforço em breve da implementação do Portugal 2020.

O problema é que o ambiente externo também não está a ajudar. Segundo dados revelados também sexta-feira pelo Eurostat, o crescimento económico na Europa abrandou. No segundo trimestre, a Zona Euro cresceu 1,6% em termos homólogos e 0,3% em cadeia – em qualquer dos casos abaixo da taxa do crescimento no primeiro trimestre.

Os casos mais preocupantes são a França e a Itália. São duas das maiores economias da Europa e revelam uma estagnação do PIB face aos primeiros três meses do ano: o crescimento foi de 0% em cadeia.

Riscos orçamentais

Este comportamento penaliza a procura externa de Portgual, cujas trocas com a Zona Euro são uma principais fontes de crescimento. Sem mais procura externa e investimento, Portugal dificilmente sairá do ritmo de crescimento baixo em que se encontra.

Por arrasto, as contas públicas do país estão também em risco. O crescimento do PIB é essencial para o Orçamento do Estado porque, com mais dinamismo económico, há mais impostos cobrados nas transações entre agentes económicos. O IVA, por exemplo, está muito associado à evolução da economia. O Orçamento do Estado prevê uma subida de 3,1% nas receitas fiscais, mas essa previsão baseia-se numa previsão de crescimento de 1,8% este ano, um valor que dificilmente será atingido. Para que estas previsões se concretizem, a economia terá de acelerar de forma significativa no resto do ano, o que parece pouco provável. 

O próprio governo admitiu em julho que o objetivo do OE se complicou. Na carta que enviou à Comissão Europeia para evitar a aplicação de sanções, o Ministério das Finanças admitiu que, num cenário em que os principais «riscos macroeconómicos» se materializassem, a economia portuguesa deveria crescer 1,4% este ano. E, ainda assim, o défice seria de 2,3%, estimavam as Finanças.

Com os novos números do PIB, o Mário Centeno mantém a confiança na execução orçamental, que está «em linha com o orçamentado». No comunicado, as Finanças frisam que «o rigor das contas públicas traduz-se, também, na contenção da despesa pública». A melhoria do défice no primeiro semestre «excedeu o projetado no OE de 2016, permitindo antever o cumprimento do objetivo anual».