Amor é fogo que arde sem se ver – cantava o enorme poeta português que foi Luís Vaz de Camões. Ao contrário do amor, os fogos florestais são uma tragédia bem visível entre nós este verão, repetindo o que já sucedera em anos passados. Parece uma sina colectiva: mais um verão, mais um ano em que a nossa floresta é dizimada. Este já é mesmo o pior ano de sempre, produzindo consequências económicas, sociais e ambientais ainda por determinar completamente. Ainda é uma tragédia a título de inventário: todos sabemos que o saldo será extremamente negativo – desconhecemos, ainda, contudo, quão negativo é ou será.
O que já não é a título de inventário (infelizmente!) é o número de vidas que esta tragédia de verão sempre anunciada (mas nunca preparada!) já levou. E essas vidas de portugueses já não podemos recuperar – resta-nos a consolação (nunca suficiente!) de esperar que estas vítimas não sejam esquecidas, que é dizer, que os políticos e responsáveis deixem de brincar com assuntos muito sérios e ajam em conformidade.
Que não venham os políticos dizer, no futuro, que não conseguiram antecipar a tragédia, que foi apenas um evento fortuito, que nenhuma prevenção ou planeamento poderia evitar a tragédia sobre vidas de portugueses (e direitos patrimoniais elementares dos nossos concidadãos, como é o caso da habitação familiar permanente) e sobre o património florestal português. Ao contrário do que os nossos responsáveis políticos possam julgar, os portugueses não se deixem encantar por contos de fadas nem se deixam impressionar – tão pouco! – por mentiras reiteradamente repetidas.
Atentemos no exemplo de António Costa: este político deveria ser especialmente cuidadoso com as declarações que profere. Antes deste ano, o verão mais trágico em termos de destruição da nossa floresta e de perigo objectivo para o património dos nossos concidadãos foi o de 2005. Quem era o partido do Governo? PS. Quem era o Primeiro-Ministro? José Sócrates. Quem era o Ministro da Administração Interna? António Costa. Ora bem! O Primeiro- Ministro de hoje (ano trágico de 2016) é o mesmo Ministro da Administração Interna, que tem a tutela da protecção civil, logo, da prevenção e combate aos fogos florestais, do ano trágico de 2005! Quer isto dizer que António Costa é o responsável político máximo e exclusivo?
Claro que não. Ao contrário do que tem sido sugerido nas redes sociais, não cremos que uma das causas para o que tragicamente sucedeu tenha sido a incompetência ou falta de diligência de António Costa. Primeiro-Ministro, esse, que continuou os seus banhos no Algarve como se nada fosse, deixando uma inexperiente política, como Constança Urbano de Sousa, a gerir este dossiê muito complexo sozinha. E porque não veio António Costa mais cedo, dando a cara pela resposta do Governo a esta tragédia? Fácil: António Costa gere com muita cautela as suas aparições públicas, surgindo apenas em momentos simpáticos ou propícios a aumentar a sua popularidade. Não era o caso: António Costa não deu a cara, obrigando a Ministra a fazê-lo, para não se queimar com os fogos…
Enfim, registamos esta coincidência. António Costa pode não ser incompetente politicamente, pode não ser pouco diligente – é, com toda a certeza, um azarado em todos os verões em que exerce responsabilidades políticas relevantes ao nível nacional. Já vimos o filme…
Dito isto, António Costa, com o seu currículo político, não podia proferir as declarações que proferiu ontem: no fundo, o Primeiro-Ministro afirmou que houve erros no passado, não foi feito o que deveria ter sido feito – e que, agora sim, este Governo vai aprovar as medidas legislativas necessárias para colocar o enfoque na prevenção e não na reacção aos fogos. Como? Então o que andou António Costa a fazer no Governo, no Ministério da Administração Interna, em 2005? A preparar a sua carreira política para o futuro – em vez de responder às necessidades de Portugal e dos portugueses? Em vez de servir o povo português, resolvendo os assuntos mais prementes de administração interna, António Costa já tinha a cabeça na Câmara Municipal de Lisboa para dar o trampolim para a liderança do partido posteriormente? António Costa disse ontem exactamente o mesmo que já dissera em 2005, na “ressaca” dos fogos florestais que desolaram Portugal no verão desse ano! Como acreditar que o mesmo António Costa, incapaz de preparar o país para esta tragédia em 2005 – seja capaz de o preparar hoje, enquanto Primeiro-Ministro, para evitar e responder a esta tragédia no futuro? Convenhamos que é difícil…
Note-se, no entanto, que nenhum partido, nem nenhum Governo, está isento de culpas nesta tragédia, pelo menos, na preparação do enquadramento institucional e de alocação de meios que permitisse evitá-la ou minimizar os seus efeitos. É que os políticos portugueses habituaram-se a seguir a agenda mediática, a tomar posição apenas sobre os temas quentes do dia e da semana para aparecerem nas capas dos jornais e, desta forma, ganharem notoriedade e “importância interna no partido” – nada se pensa, nada se projecta, nada se planeia. Os políticos portugueses são prisioneiros do presente – incapazes de caminhar rumo ao futuro. E quando assim é, não podemos censurar os portugueses pelo seu cepticismo crescente face às nossas instituições políticas…
Em próximo texto, falaremos sobre as medidas que já aventadas para responder a este flagelo no futuro. Até ao momento, andou bem Pedro Passos Coelho ao não querer partidarizar esta matéria. Sentido de Estado impõe-se.