Ainda não há debate político sobre o orçamento do próximo ano, mas do lado da Saúde começam a soprar ventos quentes. Sem compromisso de reforço das verbas e com notícias de que os serviços de saúde poderão até vir a sofrer cortes depois da ‘não multa’ de Bruxelas, a Ordem dos Médicos abriu ontem as hostilidades com a exigência de reforço orçamental para o setor já no próximo ano. Num comunicado dirigido a todos os partidos com assento na Assembleia da República, a Ordem apela a que seja alocado ao Serviço Nacional de Saúde um valor equivalente a 6,5% do PIB, o valor médio na OCDE.
Ao i, o bastonário José Manuel Silva defende que está em causa um aumento de pelo menos mil milhões de euros no orçamento do SNS no próximo ano. Caso o valor fique “muito aquém”, a Ordem admite desde já pedir ao Presidente da República e ao Provedor de Justiça que suscitem junto do Tribunal Constitucional a fiscalização do orçamento. “Estamos a dizer atempadamente que, com menos de 6,5% do nosso baixo PIB, não é possível prestar uma assistência de qualidade”, diz José Manuel Silva. “Um SNS subfinanciado não cumpre a Constituição. De norte a sul do país, há relatos de problemas, de falta de meios humanos, técnicos e de atualização de meios tecnológicos”, diz José Manuel Silva, citando a titulo de exemplo uma entrevista do administrador do IPO de Lisboa, Francisco Ramos, em que este disse que a unidade está no limite e não cumpre os tempos de resposta em 30% dos casos.
Contas agravam-se Este ano, as transferências do Orçamento do Estado para o Serviço Nacional de Saúde totalizam 7 947 milhões de euros, mais 68 milhões de euros do que no ano anterior. Ainda assim, aumentaram os encargos com pessoal, nomeadamente com a reposição dos salários. Houve ainda a reposição das 35 horas, que poderá aumentar a despesa com horas extra e eventuais contratações de pessoal.
Os hospitais públicos, que absorvem metade das transferências do OE para o SNS, tiveram um reforço de 31 milhões de euros este ano, mas houve unidades em que as verbas diminuíram. Só nos hospitais, as despesas com pessoal no primeiro semestre aumentaram 4,9% (mais 58 milhões de euros do que no ano passado). Os custos com horas extra subiram 7,2%. A dívida vencida das unidades a fornecedores superou em junho os mil milhões de euros, mais 25% do que no mesmo período do ano passado.
Ideia ‘demagógica’ O ministério da Saúde já prometeu que, no próximo ano, serão reforçadas as medidas de organização no SNS, com centralização de compras e aproveitamento da capacidade instalada nos hospitais públicos, diminuindo-se a despesa com o envio de doentes para unidades privadas. O ministro da Saúde, Adalberto Campos Fernandes, já estimou mesmo que a internalização de resposta (na área da cirurgia, por exemplo) deverá permitir poupar 150 a 200 milhões de euros por ano (15% a 20% dos encargos anuais com o privado).
José Manuel Silva considera “demagógica” a ideia de que melhor organização sem mais financiamento resolve a falta de meios do SNS: “Todos os ministros falam em melhor organização. É um chavão e não se vai buscar mil milhões com melhor organização.”
Em 2010, antes do resgate financeiro, o SNS teve a maior dotação orçamental: 8.686 milhões de euros. Nesse ano, o país investiu em saúde 6,8% do PIB, fatia que nos últimos anos caiu para 5,8%. A Ordem dos Médicos lembra que, a par da redução de financiamento do SNS, aumentou o peso das despesas das famílias com cuidados de saúde a título particular. Na média dos países da OCDE, as despesas privadas representam 27,1% do total dos encargos anuais em saúde e em Portugal esse valor atinge hoje 34%, o que segundo a Ordem traduz “um esforço acrescido para os empobrecidos portugueses”.