Estalou a polémica em França. O presidente da câmara de Cannes decretou a proibição do uso de burquínis nas suas praias.
O decreto é justificado, pelo autarca, devido à maré de atentados que a nação gaulesa vem sofrendo. “Roupa de praia que ostente filiação religiosa quando a França e lugares de culto são alvo de ataques de terroristas é causa provável de distúrbios da ordem pública, sendo necessário preveni-los.”
Associações muçulmanas e grupos humanitários já manifestaram a sua repulsa para com o ato do presidente da câmara, David Lisnard, considerando-o “ilegal” e um “abuso da lei”. Um tribunal, no entanto, apoiou a medida, declarando-a proporcional às circunstâncias.
Em Villeneuve-Loubet, o presidente da câmara também baniu o burquíni, considerando ser “pouco higiénico nadar totalmente vestido”. Lionnel Lucca, do mesmo partido que Nicolas Sarkozy, apoia a ideia do antigo presidente de “criar uma Guantánamo” para França.
Na Córsega, um decreto semelhante foi emitido após graves tensões entre nativos e famílias muçulmanas. A polícia de choque foi obrigada a intervir quando cerca de 200 corsos rumavam a uma residência de norte-africanos gritando “esta é a nossa casa!”. O desacato terá sido despontado por uma adolescente local a tirar fotografias a uma muçulmana de burquíni.
O líder do governo regional, Gilles Simeoni, apelou à calma e à não generalização, dizendo que “não podemos confundir certas pessoas que se comportam mal com a população de origem norte-africana que vive na Córsega, cuja maioria respeita os nossos valores”
NO RESTO DA FRANÇA
O burquíni, que cobre o corpo e a cabeça mas não o rosto, cumpre com a lei emitida em 2011 que proíbe o nicabe (ocultação total do corpo) em espaços públicos. Assim, as mulheres muçulmanas podem utilizar o burquíni no resto de todo o território francês.
O governo de François Hollande, no entanto, apoiou as medidas dos municípios que baniram o vestuário balnear muçulmano, mas apelou a uma redução de tensões entre comunidades. Os autarcas conservadores insistem que estas demonstrações públicas de fé violam a tradição de laicismo estatal que vigora em França. A multa poderá ascender aos 38 euros e três muçulmanas já sofreram a coima.
A ministra socialista para os direitos da mulher rejeita associar diretamente os burquínis a terrorismo, embora defenda que estes não são “uma moda”, mas sim uma tentativa de esconder o corpo da mulher e de a controlar, “um projeto político hostil à diversidade e à emancipação feminina”.
MENOS TURISMO
O descontentamento mais acentuado nas regiões balneares deve-se à enorme queda no setor turístico que se registou este ano, presumivelmente graças à constante ameaça terrorista registada em França.
Ao i, o xeque Zabir, da mesquita de Odivelas, lembrou que a relação entre muçulmanos e europeus é muito mais complicada em França devido ao facto de a grande maioria serem emigrantes de primeira geração e não possuírem uma comunidade consolidada como a existente em Portugal. “Cá, facilmente íamos falar com as autoridades locais e dizíamos que as mulheres não se sentiam à vontade em mostrar tanto o corpo.”
Zabir sustentou que o burquíni “não é mais que um fato de surf” com uma touca anexa e que não passa pela cabeça de ninguém banir os fatos de surf.
Confrontado com a possibilidade de as mulheres muçulmanas usarem burquíni por pressão da família, Zabir recordou as manifestações em França para a não proibição das burcas.”Seria impossível milhares de mulheres juntarem-se em nome de uma mentira.”
O xeque referiu também o valor comercial do mercado muçulmano, tendo em conta que uma em cada seis mulheres são muçulmanas, e que o burquíni tem, de facto, demonstrado ótimos números em vendas.
VENDAS DISPARAM
Do seu ponto de vista, “a liberdade de expressão deve ser total mas sem ferir sensibilidades” e o burquíni “não fere sensibilidade nenhuma”. “O único resultado destas políticas será apenas o aumento de vendas do burquíni.”
Questionado sobre a laicidade do Estado, Zabir lembrou o papel político que o mundo islâmico confere ao aspeto. Os lenços e as barbas eram símbolos de revolta contra as ditaduras antes da Primavera Árabe, e muitas delas tinham apoio do Ocidente.