Trabalho em troca de alojamento

Quando se pensa em viajar, o alojamento é quase sempre o item mais dispendioso – motivo perfeito que levou ao surgimento de plataformas  em que se promove a troca de pequenos trabalhos pelo  direito a dormida. Com sorte, ainda tem direito a pequeno–almoço e roupa lavada

Letiares chama a este período de viagens de “parêntesis”. Aos 30 anos, largou um trabalho na área da comunicação social em São Paulo para conhecer o mundo que ficava para além das fronteiras do Brasil. Escolheu aIrlanda para tirar um curso de inglês e, já durante esse ano de formação, dedicava o tempo livre de estudo a trabalhar num hostel.

Letiares falou com o i no dia em que devia estar a embarcar para o Brasil. “Não consegui voltar já, preciso de mais”. Foi ainda na Irlanda que ouviu falar de sites que promovem a troca de estadia por pequenos trabalhos, a oportunidade perfeita para quem tem vontade de viajar mas vê o orçamento apertado. Adiou o regresso a casa e procurou aquilo que Lisboa tinha para oferecer: acabou por aceitar trabalhar no Motorcycle Boy Hostel, onde, em troca de dormida, junta um trabalho de receção e limpeza de quartos ao de produção de vídeo. Para Letiares sempre foi importante continuar a fazer trabalhos na sua área de formação, até porque as viagens são algo passageiro. “Quando parti de viagem sabia que havia um regresso. Talvez em setembro volte ao Brasil e aí é para continuar a estudar e trabalhar”.

Viajar por trocas 
São cada vez mais as pessoas que optam por este sistema de trocas para conseguir viajar mais do que aquilo que conseguiriam se tivessem que arcar com o custo total do alojamento. Em sites como o Workaway.com ou o Worldpackers.com, já chegam aos milhares aqueles que se registam como trabalhadores-viajantes e também como anfitriões desejosos de uma ajuda extra.

O dinheiro fica de fora deste novo conceito de viagem. Só a mão de obra é válida para ter direito a um sítio para dormir.

Com o calor a pedir praia, fazemos uma pesquisa rápida pelas propostas mais a sul. Em Aljezur, pede-se ajuda numa casa que oferece surf, música, ioga e uns dias desconectado da realidade. No alojamento Offline Portugal, a ideia é deixar as tecnologias à porta e desfrutar do que a linha que separa o Alentejo do Algarve tem para oferecer. Mas como até para apreciar a natureza é preciso ajuda humana, esta casa procura alguém para limpar quartos, servir pequenos-almoços e alimentar as redes sociais. Em troca, têm direito a dormida e pequeno-almoço.

Desde que abriram, em março, já tiveram 15 voluntários e os pedidos chegam às dezenas todos os dias. Para escolherem os melhores, Bárbara e Rita, as proprietárias, trocam emails, pedem currículos, fazem chamadas por skype e obrigam ao preenchimento de um formulário onde não escapa sequer o registo criminal. 

Ao trabalho braçal de quem aterra naquela casa algarvia, junta-se a experiência de quem vem de fora. É por isso que a sobremesa do jantar de ontem foi de pastelaria francesa e a aula de ioga de hoje teve direito a música ao vivo, pelas mãos do voluntário israelita do turno da manhã, que aprendeu a tocar guitarra na Índia. “É vantajoso em termos monetários, é óbvio, mas ajuda a enriquecer a casa e o projeto”, explica Bárbara ao i.

Nestes sites, a pesquisa é quase tão infindável quanto a necessidade de quem procura trabalho (no caso de um viajante) ou ajuda (do lado do anfitrião). Daí que dos quatro cantos do mundo surjam propostas que vão desde ajudar a fazer camas em hotéis ou servir bebidas num bar de praia, até tomar conta de crianças, ensinar inglês na Ásia ou montar casas e quintas em África. Em troca, além da dormida assegurada – seja em lençóis e almofadas ou tendas no meio da montanha – encontram-se alguns extra curiosos: acesso à internet, café de borla todo o dia ou passes de metro parecem ser alguns dos truques para conquistar os voluntários mais reticentes.