Jogos do Rio: as histórias que ficam para contar

Afinal, as medalhas não são só de ouro, prata e bronze. Que o diga Nikki Hamblin. Para Lilesa, a morte pode estar sempre à espreita e, para outros tantos atletas, o início de um compromisso para a vida começou no Rio 

Os momentos insólitos fazem parte do dia- -a-dia. Acontecem quando menos se espera ou, simplesmente, porque têm de acontecer. Também eles marcaram esta edição dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Do gesto do maratonista etíope à eliminação que valeu uma medalha (mais preciosa que a de ouro) e, pelo meio – várias vezes –, a pergunta “aceitas casar comigo?”. Momentos que ficaram para sempre registados como parte deste evento desportivo que já conheceu o seu fim.

Nikki Hamblin O fair play vence sempre

Provavelmente nunca se ouviu falar tanto de duas atletas que foram eliminadas – nos dois últimos lugares – na prova dos 5000 metros femininos, nos Jogos do Rio. Mas Nikki Hamblin, atleta neozelandesa, e Abbey D’Agostino, norte- -americana, são o verdadeiro exemplo de que valores maiores se levantam do que a própria competição. Raramente acontece – e muitos até desconhecem a existência deste galardão –, mas acabou por ser entregue nesta edição do Rio 2016. Falamos da medalha Pierre de Coubertin, uma distinção atribuída pelo Comité Olímpico Internacional (COI) a atletas que revelem um elevado grau de desportivismo e espírito olímpico. Um grupo restrito de medalhados a que agora se junta Nikki Hamblin, conta o “Telegraph”. Basta recuar cinco dias para entender o motivo da decisão. Decorria a prova dos cinco quilómetros quando Nikki Hamblin, ao tropeçar, fez cair a norte-americana D’Agostino, que não hesitou em ajudar a neozelandesa. “Vamos terminar isto. Levanta-te”, terá dito Abbey D’Agostino.

E Nikki Hamblin quis retribuir o gesto pouco depois. A cerca de 2000 metros do fim, Abbey D’Agostino – visivelmente cansada – acabou por cair e ficar lesionada no tornozelo. Mas a “rival” também não a deixou ficar por ali. 

As duas seguiram juntas até à meta e acabaram nos dois últimos lugares da prova. A corrida foi fechada com um abraço entre as atletas e muitas palmas da parte do público.

A atitude das atletas valeu um apuramento direto para a final por parte dos juízes e do Comité Olímpico.

O desportivismo demonstrado por Nikki Hamblin acabaria por ser reconhecido com a atribuição da prestigiada medalha Pierre de Coubertin. 

A atleta da Nova Zelândia definiu a conquista como algo “esmagador” e não tem dúvidas de que a corrida se tornou “um dos momentos mais importantes” da sua vida.

Pierre de Coubertin Pierre de Frédy, mais conhecido pelo seu título nobiliárquico de barão de Coubertin, foi um pedagogo e historiador francês que ficou para a história como o fundador dos Jogos Olímpicos da era moderna.

Por essa razão, a medalha de fair play ficou batizada com o seu nome.

O galardão – ao longo das várias edições dos Jogos – foi atribuído apenas 17 vezes.

Feyisa Lilesa

O atleta que pode ser morto quando regressar a casa

Conquistou a prata e, depois de passar a meta, cruzou os braços por cima da cabeça. Um gesto polémico do maratonista etíope que está a dar que falar. Sem medos, Lilesa confessou que só tinha um objetivo. Defender os direitos do seu povo. Foi durante a conferência de imprensa, onde repetiu o gesto, que o atleta explicou a razão: “O governo etíope está a matar o meu povo, por isso eu fico do lado dos manifestantes em todo o lado. Oromo é a minha tribo.” Feyisa Lilesa aproveitou ainda o momento para explicar a situação atual do seu país natal: “Os meus familiares estão na prisão e, se falarem de direitos democráticos, são mortos.”

O gesto de Lilesa pode ter várias repercussões. A organização da competição proíbe expressamente os protestos políticos nas provas e, em última análise, o maratonista pode mesmo ver a sua medalha ser destituída. Algo que não preocupa minimamente Lilesa. “Não posso fazer nada quanto a isso. Fiz o que devia. Tenho um problema no meu país e é muito perigoso fazer lá um protesto”, afirmou, sem mostras de arrependimento.

Mas a perda de medalha pode ser um fator banal em comparação com o regresso a casa. “Se voltar para a Etiópia, se calhar vão matar-me. Se não me matarem, colocam-me na prisão. Ainda não decidi, mas provavelmente vou mudar–me para outro país”, disse o maratonista. As imagens do corredor a cruzar a meta não foram transmitidas na televisão pública da Etiópia.

Tribo Oromo O cruzar de braços é o gesto utilizado pelos manifestantes na Etiópia que têm mostrado – através de protestos e manifestações – indignação quanto aos planos do governo para a expansão da capital, Adis Abeba, através da utilização das terras pertencentes à tribo Oromo. A revolta dos manifestantes tem resultado na matança de centenas de civis por parte das autoridades etíopes. 

A organização Human Rights Watch adianta que cerca de 400 pessoas já foram mortas às mãos das forças policiais. Durante o mês de agosto, 97 pessoas morreram numa manifestação pacífica, de acordo com a Amnistia Internacional.

Por enquanto, o atleta continua no Brasil e teme que a família sofra represálias pela sua atitude.

He Zi. “Aceitas casar comigo?” 

Os Jogos do Rio também ficaram marcados por uma série de pedidos de casamento que ocorreram em plena competição. Depois de uma voluntária dos Jogos pedir uma jogadora de râguebi em casamento – em frente do público e das câmaras –, vários foram os que decidiram imitar Marjorie Enya.

Um desses exemplos foi o mergulhador chinês Qin Kai, que surpreendeu a namorada, também atleta presente nas Olimpíadas, depois de ela ganhar uma medalha de prata nos saltos de trampolim de 3 metros feminino.
Ajoelhado – com a atleta ainda no pódio –, perguntou: “Queres casar comigo?”

Com direito a transmissão televisiva, o “sim” foi com emoção e com a surpresa nos rostos das restantes atletas medalhadas.

Um final feliz para todos os atletas que quiseram sair do Rio com um momento memorável. Com medalha ou não, foram vários os que levaram dos Jogos um anel. E para muitos valeu mais que o ouro.