Robert Sherman: a condecoração de que Marcelo se esqueceu

Comparando com os embaixadores dos Estados Unidos da América em Portugal anteriores, o Embaixador Robert Sherman marca uma nova abordagem da diplomacia norte-americana no que a Portugal diz respeito.

Robert Sherman é o embaixador dos Estados Unidos da América, em exercício de funções, em Portugal. E tem sido um notável embaixador – no conteúdo e na forma. No conteúdo, pois tem revelado um domínio irrepreensível dos dossiês mais sensíveis das relações entre os EUA e Portugal, uma compreensão para os pontos de vista e inquietações das autoridades portugueses, dialogando, sem impor e muito menos revelando complexos de superioridade. O tratamento, por exemplo, da questão do futuro da Base das Lajes tem sido tratado com muita competência e (confiamos!) com sucesso, muito por mérito do Embaixador Robert Sherman (para além do trabalho dedicado das autoridades portuguesas, umas mais que outras).

Comparando com os embaixadores dos Estados Unidos da América em Portugal anteriores, o Embaixador Robert Sherman marca uma nova abordagem da diplomacia norte-americana no que a Portugal diz respeito. É evidente que as características de personalidade do embaixador em exercício de funções, em cada momento, marcam o estilo da política diplomática do país que representa. Há directrizes e critérios gerais de actuação definidos pelo Departamento de Estado em Washington – mas, posteriormente, a sua execução dependerá da pessoa do Embaixador, suas características pessoais e do seu estilo próprio. Limitando à nossa comparação com os dois embaixadores dos Estados Unidos da América que precederam Robert Sherman, temos o seguinte:

1) Thomas F. Stephenson era um apoiante do Partido Republicano, próximo de George W. Bush, sendo mesmo um dos maiores doadores da campanha de Bush na Califórnia. Empresário de sucesso – formado em Harvard e ligado, sobretudo, a empresas de “venture capital” – , Thomas F. Stephenson promoveu todos os esforços para tornar o Partido Republicano mais “cool”, seduzindo jovens empresários californianos a juntarem-se ao partido (isto para contrabalançar a influência do Partido Democrata em Sillicon Valley). As últimas eleições primárias não lhe correram de feição: Thomas F. Stephenson foi um dos mais entusiastas apoiantes e contribuintes da campanha (trágica) de Jeb Bush para a nomeação republicana. Enquanto Embaixador em Lisboa, Thomas F. Stephenson revelou-se pessoalmente sempre muito simpático, cordial, muito voluntarista – embora sempre discreto, muito formal, um pouco distante, centrando a sua actividade no relacionamento com as entidades oficiais. Thomas F. Stephenson, pese embora viver há muitos anos na Califórnia, não é um californiano de “de gema” – o que explica o seu excesso de formalismo. Mas o seu saldo final do seu trabalho é positivo, até porque o exercício das suas funções ocorreu num período de tensão entre as autoridades americanas e algumas práticas em certas instituições apoiadas pelos contribuintes dos Estados Unidos da América; 

2) Com a eleição do Presidente Barack Obama, assumiu funções como Embaixador dos Estados Unidos em Lisboa, Allan Katz. Allan Katz foi muito importante para a vitória de Barack Obama, em 2008, pertencendo então à Comissão que definiu as regras e preparou a realização da Convenção Democrata desse ano. O Embaixador Allan Katz já desempenhara antes funções políticas a nível local, no seu estado natal (Missouri), sendo, portanto, já dotado de notórias capacidades de serviço público. Na sua passagem por Lisboa, o Embaixador Allan Katz iniciou uma nova forma de abordagem, iniciando as viagens um pouco por todo o país. Isto porque Katz percebeu que Portugal não é apenas Lisboa – há muito mais por descobrir. Este foi o maior mérito de Kataz – perceber que as potencialidades (físicas, humanas, e económicas) de Portugal e tentar difundi-las nos Estados Unidos, trabalhando de perto, mantendo o respeito pelos poderes de cada qual, com as autoridades portuguesas (designadamente, a nível do turismo). Katz apaixonou-se por Portugal (adquiriu um imóvel no nosso país para passar férias com a família) – e Portugal deve-lhe o trabalho muito competente e frutuoso que desenvolveu.

Dito isto, chegamos ao Embaixador actual, Robert Sherman. Sherman é, no fundo, uma síntese das virtudes de Thomas F. Stephenson e de Allan Katz. Porquê? Porque, por um lado, o Embaixador Sherman mantém a cordialidade, o respeito pelo protocolo e o formalismo pelas regras diplomáticas de Thomas Stephenson – contudo, aprofundou o estilo próximo, a vontade de descobrir Portugal, a comunicação através das redes sociais directamente com os portugueses. Uma diplomacia de proximidade – não apenas junto de entidades oficiais, antes directamente feita para e junto do povo português. A isto acrescem as qualidades de empatia, de comunicação, de humor, de extroversão de Robert Sherman – o que contribui inegavelmente para o excelente período de relações diplomáticas entre os nossos dois Estados, das duas Nações e, acima de tudo, dos dois Povos.

Pense-se nos vídeos que Robert Sherman publicou de incentivo à nossa Selecção durante o Euro-2016: tratou-se de uma manifestação perfeita do “soft power”, o principal instrumento diplomático das relações internacionais do nosso tempo. Robert Sherman percebeu a relevância social e o impacto mediático do futebol no nosso país, associando-se, como amigo aliado e militante, à esperança e à comemoração colectiva do Povo português, o que aumenta a sua popularidade e, logo, a sua capacidade de influência (pela persuasão, pela comunicação) em Portugal.

Por outro lado, o Embaixador Robert Sherman identificou o principal problema de Portugal e dos portugueses: a falta de confiança. Há imenso talento que não é aproveitado em virtude da barreira psicológica de um (falso) complexo de inferioridade. O futebol é a única área em que verdadeiramente acreditamos que podemos chegar longe – e Robert Sherman aproveitou o exemplo do futebol para afirmar uma posição política. A de que Portugal, e os portugueses, podem ir muito longe. Robert Sherman acertou quanto ao futebol (Portugal é campeão europeu) – agora, nós teremos de demonstrar que o Embaixador está certo quanto ao resto. Portugal é um país de vencedores, à espera do treino adequado ( e da estratégia certa!) para vencer.

Sendo que a própria Federação e os jogadores já admitiram que os vídeos de Robert Sherman foram importantes para a sua motivação rumo à vitória, estranhamos que o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa (no lufa-lufa de condecorações recentes) não tenha ainda condecorado Robert Sherman. Seria um pouco bizarro condecorar um Embaixador ainda em exercício de funções: mas estamos certos que, assim que Robert Sherman cessar funções, o Presidente Marcelo Rebelo de Sousa escolherá o grão mais ajustado para condecorar Robert Sherman pela sua disponibilidade para conhecer o povo português e pelo que tem feito pelas relações entre Portugal e os Estados Unidos. Seria algo original? Já aconteceu no passado – e originalidade é coisa que não falta a Marcelo Rebelo de Sousa…