CGD: Governo troca mexidas na lei bancária por conselho consultivo

O secretário de Estado do Tesouro veio dizer que o governo ia mudar a lei. Afinal, a solução encontrada vem desmenti-lo. A Caixa vai ter um conselho consultivo 

O governo afinal já não vai mexer na lei bancária para conseguir acomodar alguns dos nomes chumbados pelo Banco Central Europeu (BCE) para a nova administração da Caixa Geral de Depósitos (CGD). A solução passa pela criação de um conselho consultivo.

Esta decisão contraria a ideia inicialmente defendida pelo secretário de Estado do Tesouro, Mourinho Félix, quando apontou, em declarações à imprensa económica, que o governo ia alinhar o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras com a diretiva do supervisor europeu, para assim ultrapassar os motivos que levaram à rejeição de oito dos 19 novos administradores: excesso de acumulação de cargos em órgãos sociais de outras sociedades.

Fonte do executivo disse esta terça-feira ao i que a solução para ultrapassar as limitações impostas pelo BCE vai passar por “um órgão consultivo” que funcionará junto da administração, a criar no âmbito dos novos estatutos da CGD.

”Não creio que o governo vá alterar uma lei restritiva de acumulações no setor financeiro. A solução pode ser um órgão consultivo previsto nos estatutos da CGD”, assegurou a fonte.

Assim, alguns dos nomes “vetados” pelo BCE poderão “regressar” à Caixa.

O BCE, de acordo com um comunicado distribuído a meio da semana passada pelo Ministério das Finanças, aprovou a estrutura de governação da Caixa proposta pelo governo, integrando um conselho de administração alargado. 

Esclareceu ainda que, nesse conselho, os administradores não executivos terão funções de controlo da comissão executiva, via comissões especializadas e um conselho fiscal que terá assento, por inerência, na comissão de auditoria e controlo interno.

De fora das “contas” do BCE ficaram os nomes de Leonor Beleza, Carlos Tavares, Bernardo Trindade, Ângelo Paupério, Rui Ferreira, Paulo Pereira da Silva, António da Costa Silva e Fernando Guedes, todos os oito propostos para administradores não-executivos.

O governo de Lisboa ficou manietado pela decisão do BCE. Para ultrapassar as restrições invocadas havia várias soluções. Uma passava por indicar novos nomes ao supervisor europeu, na expectativa de que os mesmos fossem aprovados. Outra passaria pela tal alteração (por decreto-lei) da lei bancária de que falava Mourinho Félix, ultrapassando-se assim a questão do excesso de acumulação de cargos em órgãos sociais dos futuros novos administradores não-executivos.

Mas aqui, o governo deparou-se, sem surpresas, com um problema inultrapassável. Bloco de Esquerda e PCP fizeram saber que não aprovariam essa “manobra” do executivo. À posição dos apoiantes da geringonça no parlamento, juntava-se a conhecida intransigência de PSD e CDS-PP perante o governo no ‘dossier’ Caixa.

Ou seja, mesmo que o governo procedesse à alteração da lei por decreto-lei, era certo que a direita pedisse a apreciação parlamentar do diploma. E, a acontecer, o chumbo era certo. Para evitar uma derrota e uma “humilhação” no parlamento, cujas consequências para a imagem da estabilidade política seriam imprevisíveis, a opção agora trilhada parece ser a que menos dano causará à geringonça.

À escolha desta solução de um conselho consultivo não será alheia a oposição do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a qualquer mexida na lei, segundo noticiou o canal de televisão SIC.

Pouco tempo depois de ser conhecida a decisão do BCE, Catarina Martins, coordenadora do BE, balizou de imediato a posição do partido perante este tema. “O Bloco de Esquerda certamente não acompanharia nenhuma legislação nem feita para permitir que A ou B fosse administrador de um banco e, muito menos, para permitir uma maior acumulação de cargos”, advertiu. A deputada do Bloco Mariana Mortágua reforçou esta posição: “O BE quer uma lei que restrinja, discipline e limite o número de cargos que possam ser acumulados de forma transversal, tanto para o público como para o privado, mas não apoia uma lei que deixe tudo como está e permita a acumulação atualmente existente, e ainda crie, por cima disso, uma exceção para o administradores da CGD”.

No mesmo sentido falou o secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa. O líder comunista avisou que o partido “não acompanharia o governo em qualquer adaptação” e mostrou-se convencido de que a governação acabaria por  “reconsiderar” essa ideia de rever a lei bancária. Jorge Pires, da Comissão Política do Comité Central, identificou os caminhos que os comunistas recusam trilhar: “qualquer alteração que vá no sentido de consolidar esta ideia de podermos ter no banco público um gestor que depois possa acumular com muitas outras responsabilidades, em áreas nomeadamente do setor privado, nós não estaremos de acordo”.

Já para o líder da bancada do PSD, Luís Montenegro, a decisão do BCE “atesta a trapalhada que tem rodeado todo o processo de gestão da CGD”. “Este processo é um autêntico manual de tudo aquilo que não deve ser feito e um hino à incompetência, à ligeireza e à displicência do governo. É embaraçoso e humilhante para o Estado português”, atirou.

Mota Soares, pelo CDS-PP, lamentou que tenha sido preciso vir o BCE “impor o bom senso que o governo de Portugal manifestamente não teve”. “Aumentar o número de administradores da CGD, aumentar o salário dos administradores, quando se está ainda a pedir tantos sacrifícios aos portugueses e se vai pedir sacrifícios aos trabalhadores da Caixa é um total contrassenso”, acusou.