Diretor da Academia Figo na China. “De 0 a 10, futebol chinês recebe um 5”

Joaquim Rolão Preto, treinador adjunto de futebol com títulos em Portugal e na Bélgica, dirige a academia do internacional português no Extremo Oriente. Projeto conta já com 60 treinadores portugueses espalhados por 16 cidades do Império do Meio e mais de cinco mil alunos.

Como nasceu o projeto Academia Figo (AF) na República Popular da China? 

O Luís Figo fez uma parceria com uma empresa privada chinesa sediada em Pequim no início de 2014. Convidou-me para criar e dirigir o projeto técnico de implantação da academia, com a grande meta de ensinar o futebol a crianças dos quatro aos 14 anos. Começámos com seis treinadores e abrimos centros nas três principais cidades: Pequim, Xangai e Guangzhou. 

E arrancaram logo nesse ano? 

Sim, chegámos em março de 2014, há praticamente dois anos e meio. Atualmente temos um total de 60 treinadores portugueses e outros tantos chineses, distribuídos por 16 cidades. Entrámos agora numa fase estratégica de redimensionar o projeto e avançar com outros, em cooperação com novos parceiros, espalhados por toda a China. 

O projeto instalou-se através de parceria. Como tem sido essa relação? 

O início foi muito difícil devido ao desconhecimento do futebol por parte deste primeiro parceiro, que procurou crescer demasiado rapidamente, em detrimento da qualidade da organização e da escolha de boas estruturas desportivas. 

Mas há boas instalações?

Respondo de outra forma. Os campos disponíveis são ainda poucos. De um modo geral não há o hábito de jogar, treinar e competir em campos adequados ao futebol de 11.

Mas o futebol não está na moda na China?

Sim, sim. E dentro desta realidade, num país gigante, com muitas cidades, sobressai agora um grande interesse no futebol e é forte a aposta do governo chinês. Mas existem ainda poucos clubes e pouca tradição nacional neste desporto. Daqui advém uma realidade, já há muito instalada, de organizar e dinamizar competições de todo o futebol de formação de uma forma bastante limitada e com poucos eventos, o que se reflete mais tarde no número e qualidade do futebol adulto. 

Vai manter-se essa ligação ou pensam alargá-la a outros parceiros? 

Sim, vamos manter a parceria, mas já estamos a alargar o nosso horizonte com outros projetos, efetivando também outras cooperações, segundo um plano racional em termos de uma distribuição geográfica equilibrada dos parceiros, prevenindo eventuais conflitos de interesses e de acordo sempre com os propósitos da marca Figo. 

Quais os objetivos dessas novas parcerias? 

Sobretudo dinamizar o ensino do futebol nas escolas, a exemplo do que se passa atualmente nos centros da AF, onde ensinamos o jogo e organizamos torneios dentro e fora da China. Pretendemos cooperar com desde infantários até às universidades, dentro e fora do horário escolar, consoante os casos. Estamos ainda a avançar com cursos de formação para treinadores quer na China, quer em Portugal, para a certificação internacional da academia.

Como o vão fazer aqui em Portugal?

Iremos colaborar também com várias entidades nacionais para garantir a todos a obtenção das licenças de treinador UEFA, muito devido à grande expectativa e motivação dos asiáticos para atingirem a qualidade europeia e, em particular, aliada ao enorme sucesso dos treinadores portugueses no panorama mundial. 

E ao nível das competições?

Queremos dinamizá-las entre os jovens praticantes dentro e fora da China, em especial com torneios internacionais em Portugal.

É tarefa fácil de lançar?

Desde o início, em 2014, já organizámos quatro grandes torneios nacionais na China, entre todos os nossos centros espalhados pelo país, e outros quatro momentos de intercâmbio internacional em Portugal, na academia do Sporting Clube de Portugal. Em muitas cidades chinesas também já participámos em torneios locais e jogos com outras academias, e organizámos os torneios Academia Figo.

Mas falou das dificuldades em criar um quadro competitivo na própria China?

Claro. Temos consciência que importa fazer muito mais para intensificar a qualidade competitiva dos jovens porque, infelizmente, a China não tem campeonatos e ligas interessantes na fase de formação de jovens futebolistas que lhes permita chegar depois aos patamares de intensidade prática e qualidade similares ao que se passa, por exemplo, em Portugal. 

Quantos jovens estão neste momento a trabalhar com a AF? 

Cerca de 5 mil inscritos e mais alguns milhares a praticar em atividades ocasionais ou de cooperação com escolas, associações de futebol, etc. 

Quais as maiores dificuldades para o desenvolvimento do projeto?

Necessitamos de mais campos de futebol e bem localizados, de mais entusiasmo e interesse por parte das famílias em inscrever os filhos nas academias, de forma a praticarem com regularidade.

Mas as famílias não apoiam?

Apoiam, mas precisamos de tempo para alterar gradualmente as barreiras culturais de um país onde a agenda escolar dos alunos é muito intensa e preenchida, com pouco tempo para atividades de lazer e desporto. As famílias não têm cultura desportiva e acabam por educar os filhos muito concentrados nos estudos e preparação intensa para o emprego futuro.

Mas a China é uma potência desportiva…

Sim, mas existe uma certa desvalorização da prática física em geral, e desportiva em particular. 

Até parece contraditório.

Não. Estamos a falar de uma outra realidade. Apesar de o futebol estar na moda e ser já o desporto favorito na China, essas dificuldades surgem associadas a fatores como a dimensão das cidades, todas muito populosas e com muito tráfego.

Mais pessoas será um fator a favor?

Sim, mas na realidade obriga a maioria das famílias a deslocar-se em grandes distâncias e a perder muito tempo. Isso causa desgaste evidente e muitos não têm tempo para levar os filhos ao futebol duas ou três vezes por semana.

Mas têm conseguido ultrapassar a situação?

Aos poucos temos conseguido inverter essa tendência de jogarem só ao fim de semana. Agora já temos muito mais alunos a praticar várias vezes por semana. 

E o trabalho junto de escolas e colégios? 

Há já um plano de reforma de desenvolvimento do futebol em toda a China, decidido pelo governo em 2015 e, no que respeita, em especial, ao Ministério da Educação, esse plano é cada vez mais intenso.

E a AF foi “à boleia”?

Exato. Isso está a permitir a entrada gradual nos infantários, escolas primárias e secundárias e universidades.

Logo, exige-se outro tipo de organização?

É verdade. Por isso queremos, a médio prazo, envolver milhares de crianças a níveis vários, organizando torneios, ligas locais e nacionais. Pretendemos também criar equipas de elite, tal como já está a acontecer com os nossos alunos em certos centros, para avançar para uma formação especializada através de importantes experiências competitivas internacionais e noutras áreas de preparação da performance atlética. 

Estão apostados em alargar o leque de “serviços” da Academia Figo? 

Vamos avançar já em setembro com a formação de treinadores de futebol na China, dentro da filosofia da AF. Depois, de uma forma mais sustentada e oficial, vamos possibilitar que esses interessados possam deslocar-se a Portugal para fazer o curso UEFA, de acordo com os requisitos europeus da prestigiada escola de treinadores portugueses. Portugal é o novo campeão europeu de futebol. 

De que forma este título pode potenciar e consolidar a presença do projeto AF na China? 

Quero começar pelo nome Figo. Desde há muito tempo, tem sido uma marca de grande impacto e renome internacional que motivou desde logo os miúdos chineses a quererem praticar futebol, devido ao prestígio do Luís e da carreira que atingiu em três grandes clubes e na seleção nacional portuguesa.

E agora até é dirigente da FIFA?

Claro. Ocupa atualmente a vice-presidência da FIFA na área de desenvolvimento do futebol.

Voltemos então ao Portugal campeão da Europa.

Portugal ocupa um lugar de destaque no mundo do futebol. O nome do país aparece também associado ao prestígio de Cristiano Ronaldo, como melhor jogador do mundo nos últimos anos, a José Mourinho e tantos outros.

Isso teve reflexos quando lá chegaram?

Sem dúvida. Isso criou desde logo uma notoriedade enorme. Agora, com a conquista do Euro, isso cria uma nova situação de grande destaque mediático que poderá ser decisivo quer no crescimento da AF na China, em competição com outras academias, quer na afirmação de Portugal na vertente económica dessa grande indústria que é o futebol.

Mas não pode ficar só a cargo da AF?

Claro que não. Será muito importante reunirem-se sinergias entre várias instituições nacionais – governo, clubes, federação, associações, universidades, etc. –, as quais têm tido, ao longo dos tempos, um papel decisivo na formação de jogadores, treinadores, árbitros e dirigentes. 

O Rolão foi um dos primeiros treinadores de CR7 enquanto sénior, ainda no Sporting

É verdade. E só esse facto de o Cristiano Ronaldo ter iniciado a carreira profissional no Sporting, comigo a treinador adjunto [do romeno Bölöni], tem sido uma situação positiva para todo o grupo, extensivo aos treinadores portugueses presentes e admirados pela competência e dedicação pedagógica a ensinar futebol associado ao processo educativo em geral.

Numa escala de 0 a 10, em que patamar está o futebol profissional na China, sabendo-se que o país é uma potência desportiva? 

A nível da organização, popularidade e visibilidade mediática, o futebol profissional na China melhorou muito, em especial nestes últimos anos, com a contratação de muito bons jogadores e treinadores estrangeiros que contribuem muito para a qualidade competitiva de cerca de 50% das equipas da 1.a divisão (o Evergrande, de Scolari, é o atual campeão asiático). Por isso, dou nota 5.

Suficiente, portanto. Quer justificar?

Porque no panorama chinês são poucos os clubes com nível elevado e daí também a pouca notoriedade internacional da superliga. Por outro lado, os clubes de futebol em geral, sejam profissionais ou não, acabam por ser vítimas e também responsáveis de um sistema político e cultural, a nível nacional, juntamente com a federação e associações provinciais de futebol, que se caracteriza por uma organização, de facto, rudimentar.

E aos clubes, que nota daria?

Nota 3 para os clubes profissionais na China, numa perspetiva de fomento da formação de jovens futebolistas.

Mas ainda agora falou do campeão asiático.

Sim, mas a China está longe do nível de qualidade, por exemplo, dos vizinhos Japão e Coreia do Sul. Esses estão já num patamar bem mais elevado, com um de-senvolvimento equilibrado e consistente na formação de jovens futebolistas, porque começaram, muitos anos antes, a organizar o ensino e prática do jogo, numa aposta clara na qualidade dos treinadores e que se reflete num número significativo de praticantes registados oficialmente e, sobretudo, na qualidade internacional de muitos dos clubes.

Novos projetos na calha na Ásia ou noutras zonas do globo? 

Vamos alargar a cooperação a outras zonas da Ásia e também aos EUA. Mas tudo dependerá de o Luís Figo acertar as eventuais parcerias para as quais tem sido convidado e desafiado.