A recorrência destes fenómenos é uma certeza científica. O grande terramoto de 1755 pode repetir-se a qualquer momento, bem como outros grandes sismos susceptíveis de matar milhares de pessoas” – alertam os 13 especialistas (Mário Lopes, Rui Gomes, Luís Guerreiro, João Appleton, Carlos Sousa Oliveira, Rogério Bairrão, Ema Coelho, João Azevedo, João Câmara, Paulo Lourenço, Raimundo Delgado, Vítor Cóias e Silva e Aníbal Costa). São, na sua maioria, do Instituto Superior Técnico (IST) e do Laboratório Nacional de Engenharia Civil (LNEC), mas também das universidades de Aveiro, Minho e Porto.
A Grande Lisboa, as grandes malhas urbanas dos vales do Tejo e do Sado, o Alentejo e o Algarve “são especialmente vulneráveis” – recorda-se no documento, a que o SOL teve acesso. Em Lisboa, o perigo é de tal forma elevado que o edifício da Assembleia da República (AR) teve, em 2008, obras de reforço anti-sísmico, por ajuste directo. Já hospitais como o de Sta. Maria ou de S. José deverão colapsar ao abalo, se nada for feito entretanto.
‘É o mesmo que dar caixões às pessoas’
O aviso é claro: “Os sismos são inevitáveis e imprevisíveis. No entanto, as suas trágicas consequências, em vidas humanas e destruição do património, podem ser evitadas”. “Quando o próximo sismo ocorrer, todos se recordarão do que tiver sido decidido agora. Portugal passa por graves dificuldades. Desejamos que, apesar disso, as suas instituições democráticas possam ser recordadas no futuro sem ressentimento e amargura, antes com profundo respeito, por terem ousado escolher o caminho seguro”.
“É o mesmo que dar caixões às pessoas para se enterrarem”, acusa Mário Lopes, professor do IST. E acrescenta: “As pessoas vão comprar casas que pensam ser seguras porque têm licenças. É moralmente inaceitável. É pior dizer às pessoas que a legislação não traz risco do que não dizer nada. Traz risco por omissão”.
O grande problema na capital é a construção anterior aos anos 60 – precisamente a que hoje precisa de ser reabilitada. “Em 1958, Portugal foi pioneiro ao aprovar uma lei para obrigar ao reforço das novas construções”, explica o engenheiro sísmico.
Mas não foi a primeira vez que houve essa preocupação. Após o terramoto de 1755, toda a construção pombalina seguiu regras de protecção contra esta catástrofe imprevisível (até hoje, apenas uma vez os peritos conseguiram prever um sismo: em 1975, na cidade chinesa de Haicheng). Mas, lembra Mário Lopes, “essas gerações foram morrendo e as seguintes deixaram de ter esse cuidado”.
Prejuízos de 200 mil milhões
“O que estamos a fazer é a alimentar o risco sísmico”, alerta o especialista. Para calcular o risco, tem-se em conta três factores: a perigosidade (a probabilidade de haver um sismo), a exposição (se há pessoas e bens na zona atingida) e a vulnerabilidade (ou seja, a preparação). “Não podemos actuar sobre os dois primeiros factores, mas podemos e devemos actuar sobre o último e é isso que esta legislação não faz”, diz Mário Lopes.
Para Luís Guerreiro, também do IST, esta é, “claramente, uma oportunidade perdida”: “Ao contrário do que se diz, fazer as obras estruturais agora fica muito mais barato do que fazê-las mais tarde, uma vez que terá de se destruir tudo o que tiver sido feito entretanto”.
“Os acréscimos de custos devidos ao reforço sísmico variam entre os 20 e os 100 euros por metro quadrado, sendo que o valor dos bens que se pretende proteger – os edifícios a reabilitar e o seu recheio – é normalmente de 700 euros por metro quadrado, ou mais” – lê-se na missiva enviada a Cavaco Silva no passado dia 10.
“Se houver um sismo, os prejuízos serão tremendos”, acrescenta Luís Guerreiro. Além dos 17 mil a 27 mil mortos previstos pelo “simulador do LNEC, uma das melhores ferramentas do mundo na previsão de danos”, em poucos segundos ficaria comprometido “quase todo o PIB” do país – especifica, por seu lado, Rogério Bairrão, investigador principal do LNEC. “Estamos a falar de 150 mil milhões a 200 mil milhões de euros”, avisa, lembrando que “muitas das obras já realizadas em edifícios antigos (para incluir, por exemplo, canalizações) destruíram pontos estruturais”.
Também João Appleton, responsável pelas obras de reforço anti-sísmico do edifício da AR, considera que esta é uma oportunidade perdida: “Na Assembleia, realizaram-se as obras porque estavam previstas outras”, explica. O especialista em engenharia de reabilitação questiona também porque “não chegou a vir a público o projecto do deputado António Prôa, do PSD, que previa a medição da vulnerabilidade sísmica em edifícios que estivessem prestes a ser intervencionados”.