1.O Discurso de Passos Coelho. Uns elogiaram-lhe o duro realismo e a honestidade; outros criticaram-lhe o pessimismo crónico e o passadismo; alguns, ainda, a falta de profissionalismo na entrega tribunícia. Para mim padeceu sobretudo de uma maleita que várias vezes identifiquei no anterior Governo, a dificuldade de construir e comunicar uma narrativa de futuro, de conferir um sentido estratégico ao sacrifício. Com Passos Coelho a remissão e o futuro residem no próprio sacrifício. Tal como na física, acredita que é o atrito (e o calor) que fazem o tempo e, portanto, um futuro diferente do presente e do passado. Pode ter razão. Mas pressinto que não estará lá para a gozar.
2.A síndroma do sobrevivente. Quiseram as circunstâncias que na minha presente posição profissional no Reino Unido tenha de gerir um processo de rescisões voluntárias e não voluntárias de contratos de trabalho com de cerca de 20% dos quadros que comigo trabalham. É claro que devo respeitar escrupulosamente a (exigente) lei laboral britânica e, acima de tudo, ser justo e transparente para com os que nos irão abandonar. Mas uma preocupação muitas vezes esquecida é com os que ficam, com o seu sofrimento, desânimo e sentimento de culpa por verem partir colegas de décadas, que nada de errado fizeram e em cuja posição acham que poderiam estar. A esta condição chama-se síndroma do sobrevivente (também conhecido como síndroma do campo de concentração). O blog Quimera Insular dedicado a estes temas (quimerainsular.blogspot.com, 20 junho 2014) refere que o «tratamento destas perturbações passa muitas vezes por tentar encontrar um significado para o sucedido (…) e que os danos emocionais são reconhecidos, libertados e curados com perspectivas de positivismo e esperança». Ou seja, é necessário enquadrar os sacrifícios numa visão de um futuro melhor. Quanto mais angustiante é o presente mais urgente é a narrativa de esperança.