Foram precisas 60 noites de observação para os cientistas terem a certeza, mas finalmente deixou de ser um mito: há um planeta na órbita da estrela mais próxima do sistema solar, a Proxima Centauri. O Observatório Europeu do Sul (ESO) anunciou ontem a descoberta: o planeta foi batizado de Proxima b e promete dar muito que estudar à comunidade científica nos próximos anos. Está à distância certa da estrela para ter água em estado líquido, condição considerada essencial para poder albergar vida como a conhecemos.
Os rumores sobre a descoberta circulavam já há alguns dias, dado que no início do ano o ESO lançou uma campanha especificamente para procurar um planeta nesta sistema estelar e mostrar, em tempo real, como os cientistas usam métodos indiretos para encontrar planetas fora do sistema solar. O tiro foi certeiro. “Estivemos a preparar a recente campanha Pálido Ponto Vermelho cerca de dois anos”, disse o líder da equipa Guillem Anglada-Escudé. “Verifiquei a consistência do sinal todos os dias durante as 60 noites da campanha. Os primeiros 10 eram muito promissores, os primeiros 20 eram consistentes com as expectativas e a partir de 30 dias o resultado era praticamente definitivo, por isso começámos a escrever um artigo”.
O perto que é longe
Como acontece quase sempre na astronomia, a notícia de que é o planeta mais próximo de nós obriga a processar muitos zeros. A Proxima Centauri está a 4,2 anos-luz da Terra, o que significa perto de 40 biliões de quilómetros. Se os cientistas estão longe de ter um cartão de embarque para o planeta – a recente viagem da sonda mais rápida de sempre a Plutão, uma distância 6 755 vezes mais curta, levou nove anos – há muito para investigar à distância.
Por agora resume-se tudo a sinais que dão conta da oscilações no movimento da estrela e permitem calcular a existência do planeta e algumas características, o chamado método de deteção pela velocidade radial. As medições permitem estimar que o planeta terá uma massa 30% superior à da Terra e um clima singular sem as convencionais estações do ano, já que apenas uma das faces recebe radiação direta da estrela – da mesma forma que a Lua tem sempre a mesma face virada para a Terra.
Parece pouca informação mas até aqui todas as tentativas para detetar um planeta desde a descoberta desta estrela em 1915 tinham sido infrutíferas. O facto de ser muito ténue (com cerca de 10% da luminosidade do Sol) e de ter muitas erupções contribuiu, no passado, para falsos positivos, explicou ao i Miguel Gonçalves, coordenador nacional da Sociedade Planetária: “A equipa teve de cruzar os dados de várias observações feitas com vários telescópios e apenas agora temos tecnologia para isso”.
Investigação com 20 anos
A saga para confirmar a existência do planeta caminhava já para os 20 anos. Em 1998, através do telescópio espacial Hubble, surgiu a primeira suspeita mais robusta, que não se confirmou. Desde então, os investigadores foram descartando cada vez mais hipóteses: por exemplo a existência de gigantes gasosos, planetas como Júpiter, estava fora de questão. Assim como planetas com órbitas de anos.
Restava encontrar um planeta com uma massa semelhante à da Terra, com uma órbita muito curta, o que veio a revelar-se correto. Um “ano” em Proxima b dura apenas 11,2 dias, já que o planeta está a apenas 7 milhões de quilómetros da estrela – o que significa que a luz da Proxima Centauri demora qualquer coisa como 23 segundos a chegar à superfície do planeta. O facto de a estrela ser mesmo muito pouco brilhante explica por que motivo não se exclui a hipótese de haver água em estado líquido. Ainda assim, ontem a equipa revelou que as estimativas para a temperatura à superfície vão dos -33 graus celsius a centenas de graus positivos. A água líquida, a existir, só deverá ser encontrada nos pontos mais ensolarados do planeta, pelo que nunca estará em causa um oásis como a Terra (70% da superfície do nosso planeta é coberta por água). Este será coberto por rocha.
A jóia da coroa
Pedro Figueira, investigador do Instituto de Astrofísica e Ciências do Espaço (IA) especialista em exoplanetas, admite que nos próximos tempos o esforço dos astrónomos passará pela caracterização do Proxima b, que considera ter passado a ser a “jóia da coroa” dos planetas extrassolares potencialmente habitáveis. “Será importante perceber se tem uma atmosfera e como é composta”, exemplifica, salientando que, mesmo quando se fala em planetas parecidos com a Terra, apenas uma fração poderá ter condições tão agradáveis e capazes de suportar vida complexa como o nosso.
Até à data foram detetados cerca de 3 500 planetas fora do sistema solar. A contar com este, e nas análises mais conservadoras, apenas nove terão potencial para albergar vida. Até aqui, o candidato mais próximo era o Gliese 667 C, a 23 anos-luz. Se a procura de vida é uma das linhas de estudo, Pedro Figueira acredita que o Proxima b acabará por ter um papel mais amplo, ao servir de modelo para compreender melhor os sistemas em torno de anãs vermelhas, as estrelas mais abundantes do universo – e que, estima-se, representarão 80%das estrelas da nossa galáxia. Perceber como é que o planeta convive com as explosões energéticas da estrela e se terá um escudo magnético que ofereça alguma proteção são outras hipóteses em aberto, aponta Miguel Gonçalves: “Se não tiver, o aparecimento de vida neste planeta pode ser algo complicado”.
A viagem até ao planeta é, por agora, uma especulação tão grande como a da existência de vida. A Voyager 1, lançada em 1977, ainda só percorreu 20 mil milhões de quilómetros. A New Horizons, que no ano passado alcançou Plutão, demoraria 78 mil anos a chegar a Proxima b. Mas a hipótese não está totalmente afastada, o que já é uma novidade. Em abril, o milionário russo Yuri Milner anunciou um investimento de 88 milhões de euros para preparar o envio de sondas ao sistema estelar mais próximo. Na altura, o destino em cima da mesa era o sistema da Alfa Centauri, vizinho da Proxima Centauri, que se pensa estar interligado com este que agora volta a estar na mira dos telescópios internacionais. A ideia da iniciativa Starshot é, numa geração, preparar naves capazes de atingir 20% da velocidade da luz e percorrer 40 biliões de quilómetros em 20 anos. “Provavelmente, após este anúncio Yuri irá ver que fez mal em ignorar por inteiro a Proxima Centauri”, diz Gonçalves.
Na ficção científica, nunca se duvidou de que haveria mundos por descobrir na Proxima Centauri, embora nem sempre com o melhor desfecho: num conto de 1935, os centaurianos revelaram-se plantas andantes a tentar alimentar-se da tripulação da nave terráquea. Fica o aviso.