O GAT – Grupo Português de Ativistas Sobre Tratamentos VIH/SIDA só recebeu este mês um quarto da remessa mensal de preservativos fornecidos pelo Estado para serem distribuídos nas atividades da associação junto de grupos de risco. Luís Mendão, presidente da organização, denunciou ontem um “racionamento” no material de prevenção do VIH. Em causa estão dificuldades de liquidez da Direção-Geral de Saúde atribuídas às cativações exigidas pelo Orçamento do Estado para 2016. Contactado pelo i, o diretor-geral da Saúde Francisco George garantiu que a situação foi resolvida nos últimos dias, tendo os montantes sido descativados pelas Finanças. “É necessário fazer um novo concurso para adquirir preservativos”, informou Francisco George.
Luís Mendão explicou ao i que, na ausência de solução para o problema, a associação está sem preservativos suficientes para dar a resposta habitual quer aos indivíduos de risco que têm sinalizados mas também pessoas que procuram serviços de atendimento ao público para prevenção e despiste do VIH como o CheckpointLX ou o IN-Mouraria. O facto de ter sido anulado um concurso de aquisição de material de prevenção do VIH promovido pelos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, a central de compras do SNS, já tinha motivado alguns atrasos na disponibilidade de preservativos no início do ano, explicou o responsável. Entretanto a DGS fez quatro aquisições por ajuste direto, no valor de 622 mil euros, revela o portal de contratação pública. Estão porém em falta novas encomendas para assegurar a distribuição de preservativos até ao final do ano, daí ter sido necessário diminuir o número de preservativos entregues às diferentes entidades enquanto não se resolvia o impasse junto das Finanças.
Associações asseguram metade da resposta No ano passado, a DGS distribuiu 4,9 milhões de preservativos masculinos e femininos. Cerca de metade são entregues a instituições particulares de solidariedade social e organizações não-governamentais como o GAT, que trabalham junto de populações que não procuram tanto os serviços de saúde formais como trabalhadores do sexo, utilizadores de droga ou minorias migrantes e homens que têm sexo com homens. No ano passado estas entidades foram responsáveis pela distribuição de 2,5 milhões de preservativos masculinos enquanto os estabelecimentos públicos de saúde distribuíram 1,4 milhões.
O GAT distribui um milhão de preservativos por ano e Luís Mendão admite que, perante as dificuldades, já ponderaram promover uma angariação de fundos para adquirir contracetivos, mas os valores revelaram-se incomportáveis. “A DGS compra por atacado e consegue preservativos a 3 cêntimos enquanto nós teríamos de adquiri-los a um euro”, explica. A associação recebe mensalmente da DGS 100 mil preservativos masculinos e 70 mil pacotes de gel lubrificante e este mês só puderam levantar 25% e 3% destas encomendas, explica o responsável, sublinhando que os constrangimentos na prevenção podem ter custos elevados. “Se há algo em que não faz sentido haver racionamento é na distribuição de preservativos. Uma única infeção por VIH/sida custa ao Estado 300 mil euros ao longo da vida da pessoa. Poupar o que faltaria para assegurar até ao final do ano a distribuição sem interrupções, um valor na casa de 150 a 200 mil euros, é uma gota de água na despesa de 250 milhões que o país tem com os tratamentos de VIH”.
Verbas cativadas duplicam De acordo com a informação disponível no plano de atividades para 2016, este ano o orçamento inicial da Direção-Geral da Saúde era de 34,8 milhões de euros. Os cativos e reservas de montantes previstos na Lei do Orçamento do Estado corrigiram o valor para 29,6 milhões de euros. Houve assim um bloqueio administrativo à utilização de 5,2 milhões de euros.
No ano passado, o orçamento inicial foi de 32,3 milhões de euros e cativos e reservas bloquearam 2,1 milhões, metade do valor que está em causa este ano. Em 2016 algumas entidades da saúde foram isentas de fazer cativações, mas a regra não se aplicou à DGS. Os programas prioritários de saúde na tutela da DGS, nos quais se inclui a estratégia para o VIH/Sida, acabam por estar mais vulneráveis. São financiados por receitas dos jogos da Santa Casa da Misericórdia, que também estão sujeitas a cativações. Este ano estava previsto um bolo inicial de 15,7 milhões de euros provenientes dos jogos sociais para o orçamento da DGS , valor que foi corrigido com as cativações para 10,9 milhões. O pedido para desbloquear verbas pode sempre ser fundamentado junto das Finanças, o que agora terá tido luz verde.
O programa prioritário para o VIH/Sida fica, no âmbito da DGS, com a maior fatia das verbas dos jogos sociais. Ainda assim, segundo i apurou, os constrangimentos não se sentem só nesta área, com os diferentes programas a ter de cortar na despesa e reduzir atividades que impliquem deslocações.
De acordo com o relatório de atividades da DGS referente a 2015, não são só as cativações das Finanças que têm colocado dificuldades de gestão à autoridade nacional de saúde. O documento assinala a existência de “constrangimentos comuns a todas as unidades orgânicas, bem como a todos os programas da DGS, que inviabilizaram o completo cumprimento dos objetivos do Plano de Atividades da DGS para 2015”, acrescentando que as restrições financeiras “decorrentes não da falta de verbas mas da não autorização em tempo útil por parte do Ministério das Finanças”, conjugadas com a dificuldade na contratação de pessoal, “foram obstáculos importantes e transversais a toda a estrutura.”