A 1 de janeiro, Gustavo Dudamel tornar-se-á, aos 35 anos, o mais jovem maestro de sempre a dirigir a Filarmónica de Viena no tradicional Concerto de Ano Novo, no sumptuoso salão da Musikverein. O venezuelano, maestro titular de duas orquestras (a Simón Bolívar e a Filarmónica de Los Angeles) e convidado habitual dos mais prestigiados agrupamentos do mundo, está habituado a operações desta envergadura. Em 2015 gravou duas músicas da banda sonora de “Star Wars: O Despertar da Força”, e já este ano partilhou o palco com os Coldplay e Beyoncé na 50.ª edição do Super Bowl (final do campeonato de futebol americano). A cerimónia foi transmitida para 167 milhões de pessoas.
É esta superestrela do firmamento musical global, também conhecido por ‘The Dude’ (expressão idiomática que poderá ser traduzida por qualquer coisa como ‘O Bacano’) que o Grande Auditório da Fundação Calouste Gulbenkian (FCG) recebe nos próximos dias. Hoje, um concerto do Quarteto de Cordas Simón Bolívar (com obras de Brahms, Chostakovitch e do compositor argentino Alberto Ginastera) servirá de aperitivo para o ‘prato forte’, dias 7 e 8.
O que podemos esperar dos concertos da Gulbenkian? “Sempre que recebemos os ensembles venezuelanos do El Sistema são acontecimentos especiais, e penso que, desta vez, não será diferente”, considera o diretor do Serviço de Música da Gulbenkian, o finlandês Risto Nieminen. Já o crítico musical Jorge Calado, que viu o maestro atuar por mais de uma vez e voltará a vê-lo agora em Lisboa, salienta a “espontaneidade” como uma das principais virtudes de Dudamel. “Ele nunca dirige as mesmas peças da mesma maneira. Tudo depende do mood da ocasião, do público, do ambiente na sala… Ele responde a isso”.
Dudamel chega à Gulbenkian depois de ter passado por Milão (onde dirigiu a ópera ‘La Bohème’, no La Scala) e por Londres, onde atuou no Royal Albert Hall. O programa que apresentou na cidade inglesa é idêntico ao do concerto de dia 7 em Lisboa, destacando-se as ‘Bachianas’, do brasileiro Heitor Villa-Lobos, ‘Hipnosis Mariposa’, do compositor venezuelano contemporâneo Paul Desenne, e duas peças de Maurice Ravel. No dia 8, a Orquestra Simón Bolívar interpreta ‘Turangalîla-Symphonie’, de Olivier Messiaen. Os três concertos inscrevem-se na residência do El Sistema na Gulbenkian, iniciada em outubro de 2015 e com final previsto para a temporada 2017/2018. Além dos concertos, “cada visita [dos músicos venezuelanos] inclui ensaios abertos aos jovens e ensaios conjuntos com a Orquestra Geração, de Lisboa”, revela Risto Nieminen.
A relação entre a fundação e o maestro venezuelano remonta a 2004, quando Dudamel venceu o prémio Gustav Mahler de direção de orquestra em Bamberg, Alemanha. “Na altura ele era ainda completamente desconhecido na Europa”, diz Nieminen. “Lawrence Foster, então diretor musical da Orquestra Gulbenkian, estava no júri e convidou-o para conduzir a nossa orquestra em Lisboa em 2006. Desde então tem tido uma relação muito próxima connosco”. Dudamel “adora Lisboa”, continua o finlandês, e “quando aceitou pela primeira vez dirigir a Orquestra Sinfónica da rádio Bávara quis que o período de ensaios antes do primeiro concerto decorresse no Grande Auditório. Tem vindo tocar regularmente para o nosso público, com as diferentes orquestras em que tem estado envolvido”. Risto conhece Dudamel desde que, em 2008, o convidou para fazer uma residência no Festival de Helsínquia. «É uma pessoa normal e é fácil trabalhar com ele», considera o finlandês.
Gustavo Dudamel Ramírez é um produto do El Sistema, um programa de educação musical idealizado em 1975 por José António de Abreu e que abrange crianças e jovens de todas as regiões e de todas as camadas sociais venezuelanas. Só em 2015 participaram nele 700 mil jovens músicos.
Nascido a 26 de janeiro de 1981 em Barquisimeto, um importante centro industrial e a quarta cidade mais populosa do país, com dois milhões de habitantes, o maestro é filho de um trombonista e de uma professora de canto, que lhe proporcionaram o ambiente familiar ideal para se tornar músico. Em pequeno sonhava crescer para ter os braços suficientemente grandes para segurar num trombone, mas os professores acharam mais apropriado ensinar-lhe violino. “Lembro-me de ter um jogo favorito. Tinha soldadinhos de brincar, mas não com armas. Colocava-os em posições de orquestra e punha música a tocar, e eu era sempre o maestro”, recorda Dudamel na sua página na internet.
Um dia, quando tinha 12 anos, a brincadeira ganhou contornos reais. “Estava num ensaio em Barquisimeto e o maestro tinha adoecido”. Gustavo pegou na batuta. “Não tinha estudado. Limitei-me a pensar ‘Eu consigo fazer isto’. E foi divertido, porque os meus amigos estavam ali, a tocar. Riram-se todos, mas cinco minutos depois isso tinha mudado, pensaram ‘Agora é altura de trabalhar’. Isso foi muito bonito”.
Aquilo que nos parece quase prodigioso, Dudamel considera-o natural. “Havia muitos outros miúdos maestros. Quando eu tinha doze anos, tinha um amigo maestro de oito. Dirigia obras de Rossini, Charpentier e o hino nacional. Na Venezuela isto é normal”.
Embora Dudamel responsabilize o El Sistema pelo seu sucesso, Risto Nieminen não tem dúvidas: “Ele é um talento nato. Claro que estudou muito intensamente, mas conseguiu manter a sua forma natural de tocar com os músicos com que trabalha”, declara o responsável da FCG. “A sua atitude é a mesma, quer dirija a Filarmónica de Berlim ou uma orquestra de jovens. Fala de forma muito suave, nunca grita”.
Jorge Calado também vê em Dudamel “um músico cheio de talento e com um espetro relativamente largo”. Ressalva, no entanto, que não o imagina “a dirigir música barroca, ou Haydn, ou Boulez, mas já o vejo a dirigir Messiaen” e que “é muito novo, ainda não viveu e sofreu o suficiente para poder dar-nos a agonia e o êxtase de muita grande música, embora saiba que sofreu bastante com a separação da mulher e mãe do filho”. filho”. ʣ