Os trabalhos para casa (TPC) geram uma enorme controvérsia. As queixas de muitos pais sobre a sobrecarga de exercícios que os filhos trazem para fazer em casa não são novas, mas voltam a estar na ordem do dia neste início de ano letivo. Há anos, para comemorar o 15.o aniversário da aprovação, nas Nações Unidas, da Convenção sobre os Direitos das Crianças, fiz, juntamente com o prof. Eduardo Sá e a jornalista Isabel Stilwell, uma ação simbólica de “greve aos trabalhos de casa” (calhou a um sábado!), porque considerámos que os estudantes portugueses trabalham horas demais e que nenhum sindicato deixaria passar tamanho atropelo aos direitos das crianças e jovens sem, pelo menos, um “caderno reivindicativo” e uma “greve geral”.
Foi, no fundo, uma forma simbólica e lúdica de chamar a atenção para o volume de trabalho, às vezes absurdo, que os jovens têm: com as aulas, as atividades complementares, os trabalhos de casa e as explicações, chegam a dedicar 50 a 60 horas por semana ao estudo. No limite, os TPC são uma agressão às crianças e aos seus direitos. Tudo o que se sabe sobre desenvolvimento infantil e sobre técnicas pedagógicas no ensino/aprendizagem mostra que esta prática não tem, em pleno século xxi, razão para existir nos moldes em que é feita.
São vários os motivos que tornam os TPC, repito, da maneira tradicional como são exigidos, uma aberração:
• As crianças trabalham muito durante o dia, seja a estudar, seja a conversar e debater ideias, o que representa também uma forma de exercício cerebral.
• Ao fim da tarde estão carregados de endorfinas e cansados, sobretudo se tiveram – como quase todos têm – outras atividades entre a escola e a casa, como o desporto.
• Precisam de tempo para gozar o seu espaço regressivo caseiro – queixamo- -nos de que não “param” em casa, mas se a casa se transforma num apêndice da escola, as coisas pioram…
• O que as crianças aprenderam no próprio dia ou até nos dias anteriores só será metabolizado nessa noite, pelo que tudo o que seja exigir trabalho sobre assuntos ainda não burilados pelo cérebro é quase sádico – isto são dados das neurociências, e não uma frase meramente opinativa.
• O tempo para estar em família diminui substancialmente (pior se os pais também levam “trabalho para casa”).
• A tolerância dos pais é pouca, ao fim da tarde, e o nível de irritabilidade doméstica sobe, quando deveria descer.
• Depois de muita “luta”, são os pais que acabam por terminar os TPC, gritando com o estudante e achincalhando-o.
• Os professores não leem os TPC todos os dias (nem poderiam…).
• Escasseia o tempo para ler, refletir, não fazer nada, brincar.
• A imagem dos professores fica, muitas vezes, associada a uma imagem de quase sadismo, de desrespeito e de não estarem a desejar o melhor para os alunos.
TPC inteligentes, por professores inteligentes, para alunos inteligentes
Em vez de “fazerem o trabalho errado na hora errada”, deve ser dada a possibilidade às crianças de simplesmente estarem com os pais ou brincarem no seu quarto. No fim de semana, então que surjam os TPC, mas de uma forma inovadora de aprender em que se aproveitem as experiências, integradas na vida familiar e com a cumplicidade dos pais, num exercício de investigação científica.
Cada aluno poderá trazer, na segunda–feira, algo (escrito, pintado, tirado da internet, amostras colhidas na natureza…) sobre o que fez no fim de semana: se foi à praia, trará algas, fará e relatará experiências; se foi ao cinema, procurará críticas sobre o filme, resumirá o argumento; e todos os temas servirão para, durante a semana, se debaterem novos assuntos e novas conquistas no domínio do saber, da partilha e do debate.
Existem, repito, múltiplos estudos que mostram que os TPC não fazem dos miúdos melhores alunos na escola, e a questão não se resolve com a redução de “10 para oito exercícios”, mas por adotar, com coragem, algo completamente diferente. Ressalva-se “um ou outro” exercício para casa, mas apenas como uma forma de os pais estarem em contacto com a escola e saberem o que se vai passando.
Muitos pais pensam que os TPC é que farão as crianças “entrar para a universidade”- uma quase obsessão da população portuguesa. Mas já se demonstrou cientificamente a sua inutilidade quanto a este objetivo. Os professores que convictamente forem contra os “TPC à moda antiga” deverão impor-se. Eles é que “mandam” na escola e na turma. Façam-se ouvir e não façam a escola entrar dentro de casa, assim como a casa (não os pais) deve ficar à porta da escola. Às vezes, sinceramente, penso que certos adultos têm inveja das crianças e dos graus de liberdade que a sua vida encerra.
Ao ter início um novo ano letivo, com medidas positivas como as referentes aos manuais escolares, ao apoio aos alunos com maiores dificuldades, ao fim de alguns exames e outras, ainda há muita coisa por resolver, como o exagerado tempo das férias de verão; as aulas que acabam já de noite; a deficiência de certas instalações escolares; o ostracismo a que a Arte, a Estética, a História e outras ciências humanas estão votadas, bem como a Ética, Educação Física, Cidadania ou Psicologia, Pedagogia ou Neurociências; a Língua Portuguesa ter-se transformado numa “seca” de aprendizagem gramatical ou na leitura de livros que em nada têm a ver com as crianças e jovens; a Matemática ser abstrata numa idade em que o cérebro das crianças se pauta pelo “concreto”; a “examinite aguda” (ou crónica?), entre tantas outras coisas.
Senhor ministro: chegou a altura de fazer uma verdadeira reforma do ensino. Não mais uma “para inglês ver”, mas apenas adequar o sistema de ensino/aprendizagem às pessoas que ensinam, às pessoas que aprendem, aos tempos que vivemos, à revolução tecnológica… numa palavra, ao estádio de democracia e civilização em que vivemos.