1.José António Saraiva acaba de publicar um novo livro sobre os bastidores da política portuguesa. Em rigor, trata-se mais de um livro sobre os políticos – do que sobre a política. O que são realidades, embora interdependentes, diferentes: falar sobre a democracia é falar sobre os mecanismos institucionais, formais e orgânicos do jogo democrático (procedimentos político-legislativo, separação de poderes, órgãos de poder, partidos políticos, regras constitucionais, interacção entre órgãos de poder, ideologias políticas e funcionamento do sistema de Governo…).
1.1. Falar sobre os políticos, ao invés, consiste em evidenciar o lado humano dos agentes políticos – no fundo, a sua dimensão humana, as suas paixonetas, as suas irritações, os seus ódios de estimação, as suas fobias, os seus traumas, os seus “fantasmas”. Se é a primeira vertente é importante, a segunda é decisiva para a compreensão do fenómeno político. Os factos políticos explicam-se mais por questões pessoais dos seus agentes – do que por razões ideológicas, partidárias ou pela prossecução de princípios ou valores.
1.2. Ao contrário do que se pensa, a regra não é as relações pessoais serem determinadas pela política – é a política ser determinada pelas relações pessoais. Há sucessos políticos que são ditados pela empatia que os seus intervenientes geram, entre si e com a opinião pública e publicada. Há oposições e contestações políticas que resultam de questões pessoais menos bem esclarecidas. Há admirações e lealdades políticas que vão muito além da política – gizam-se no plano pessoal (da pura amizade) ou no plano empresarial (relações laborais ou de cooperação em negócios) e depois são transpostas para a política.
2.Há, ainda, uma outra dimensão frequentemente ignorada na análise política, a qual, não obstante, é cada vez mais crucial para a compreensão do fenómeno político: a personalidade dos agentes políticos de primeiro plano. Há desistências, amuos, teimosias, oscilações de pensamento ou de acção que são justificadas por traços de personalidade dos protagonistas da política (e não por razões de calculismo político ou de estratégias maquiavélicas de conquistas de poder). A personalidade do cidadão, do ser humano condiciona e influi o político na sua acção. É o cidadão que forja o político – embora o político possa esconder, atenuar a fragilidade ou mitificar o cidadão.
3.E quem melhor que José António Saraiva, espectador (e actor) privilegiado da democracia portuguesa desde os seus alvores, para colmatar a lacuna do nosso panorama editorial que se traduz na sua ausência de obras – descomprometidas e imparciais – sobre os “políticos” (e não apenas sobre a “política”)? José António Saraiva conhece os políticos melhor do que ninguém, conhece os segredos das decisões mais importantes da nossa História colectiva recente melhor do que ninguém, conhece os mecanismos e vícios da política lusa melhor do que ninguém. O que é curioso é que, às tantas, os políticos começam a encarar os jornalistas, não como adversários ou agentes imparciais, mas como seus psicólogos.
3.1. Ao longo do livro, José António Saraiva conta-nos as revelações que alguns políticos (mesmo os pais da nossa democracia!) lhe fazem sobre a sua vida privada. Por exemplo: o “affair” que Pedro Santana Lopes teve, no Algarve, com uma hospedeira de 18 anos, cuja mãe não a deixava sair tarde de casa, pelo que a jovem tinha de saltar da janela (enquanto o “Romeu” Santana Lopes a aguardava à janela…). Uma história rocambolesca que viria a resultar numa belíssima história de amor? Nada disso: Pedro Santana Lopes, na mesma noite, já estava embeiçado por Cinha Jardim. Santana acabaria por revelar ao Autor do livro que não consegue deixar de viver apaixonado – e isso explica uma certa desorientação emocional…
4.Dito isto, que histórias pessoais revela José António Saraiva, neste seu livro “Eu e os Políticos” ora publicado pela Gradiva, que merecem ser aqui destacadas? Que conta José António Saraiva sobre Marcelo Rebelo de Sousa, Paulo Portas, Aníbal Cavaco Silva, Ramalho Eanes, Diogo Freitas do Amaral, Emídio Rangel, Margarida Marante, Durão Barroso ou Pedro Passos Coelho? Todas mereceriam ser aqui salientadas – não o iremos, porém, fazer.
4.1.Deverá ser o leitor a ler o livro e a tirar as suas conclusões, sem filtros prévios. Não iremos tirar o privilégio ao leitor de conhecer o “livro proibido” da nossa democracia, escrito por um dos seus protagonistas no plano mediático. Lê-lo tem a informação própria de um livro de História – e a excitação própria de um romance.
4.2.Podemos, porém, adiantar que, na nossa opinião, as história mais interessantes são sobre Diogo Freitas do Amaral, Álvaro Cunhal e Manuel Monteiro. As mais curiosas? As de Aníbal Cavaco Silva, Manuel Dias Loureiro e Pedro Passos Coelho. As mais desconcertantes? José Sócrates e Duarte Lima. As mais “picantes”? As de Margarida Marante, Pedro Santana Lopes e Marcelo Rebelo de Sousa (a justificação avançada por Marcelo para deixar o SOL é apetitosa: a sua namorada, Rita Amaral Cabral, tinha ciúmes da Administradora do SOL, Ana Paula Bruno! E o telefonema para José António Saraiva, elogioso do seu texto, seguido de telefonema para José António Lima, crítico do mesmo texto, em poucos minutos…é uma “marcelice” deliciosa!).
5. Em suma, é um livro a ler: magistralmente escrito por alguém que alia um conhecimento profundo da natureza humana a um pensamento muito lógico, cartesiano, feito de premissas e conclusões. É esta aliança – que só José António Saraiva consegue alcançar – que, juntamente com a sua imparcialidade e distanciamento do jogo político, explica que seja o melhor comentador político português (desde há décadas!) e o mais certeiro nas suas previsões. Não por acaso os diplomatas estrangeiros e os técnicos do FMI lêem regularmente as crónicas de José António Saraiva no SOL…
6.Dois desejos, à liça de conclusão. Primeiro, que José António Saraiva seja eterno – e que continue a escrever todas as semanas, acompanhando-nos, como nos acompanha (ao Autor das presentes linhas) desde os onze anos de idade, primeiro no EXPRESSO, depois no SOL. Segundo, que José António Saraiva não fique por aqui na escrita de livros que fiquem como testemunho para as gerações futuras. Por que não escrever um livro sobre os anos de crise (2010-2015) e suas implicações políticas e sociais?