Viajar e cozinhar são o seu caminho. Adora a Ásia. Vê-se a acabar a vida lá. Foi especialista em redes sociais numa agência de comunicação, mas o seu tacho não era esse. Sentia estar a servir o lado mau da força. Queria fazer a diferença e ter uma profissão que lhe permitisse ajudar as pessoas. Vê-se como uma espécie de ativista por uma alimentação saudável. Não quer ser chefe nem ganhar estrelas Michelin, o seu caminho teve uma enorme ajuda quando foi derrotada numa meteórica participação num concurso de televisão. Expulsa do “Master Chef” à conta de recusar os pecados da carne, lançou-se em projetos vegetarianos. Descobrir comida saudável e viajar podiam ser o seu lema.
Quando começou a pensar que cozinhar tinha interesse?
É uma pergunta difícil. Nunca pensei que iria ser cozinheira. Os meus sonhos de infância não passavam por aí. Mas sempre achei a cozinha fixe. Gostei sempre de ver a minha mãe e as minhas tias a cozinhar. Tive sempre algum fascínio por isso. Foi só há quatro anos que comecei a pensar que queria fazer da cozinha a minha vida. Trabalhava aqui em Lisboa, no Marquês de Pombal, em gestão de redes sociais numa empresa de comunicação. E o que é que eu fazia? Geria as contas nas redes sociais de alguns clientes. E era bom, eu gostava: podia escrever e eu gosto de o fazer, de ler e de comunicar.
E até pagavam…
(Risos) E não pagavam nada mal, e eu tinha um horário flexível e era tudo impecável. Mas sabia-me a pouco. Sempre achei que o nosso trabalho, para além de sermos apaixonados por isso, também seja alguma coisa que contribua para o mundo, para melhorar a vida das pessoas. E ali eu sentia-me a trabalhar um bocado para o mal, para a lavagem da mente das pessoas: “Agora vou escrever isto para que os miúdos comprem martinis.” Nós representávamos aquelas corporações um bocado malignas. Essa altura coincide com o momento que comecei a interessar-me pela cozinha. Isso surge-me como uma forma de expressão, mas também como uma missão de ativismo. O meu sonho nunca foi ser uma chefe com estrelas Michelin. Não é esse o meu objetivo, não é essa a minha missão. Eu tive a oportunidade de trabalhar em restaurantes e de estagiar em restaurantes. Tive aquilo que algumas pessoas achariam que eram grandes oportunidades, mas sempre pensei que não era isso que queria fazer, que cada um tem o seu lugar. Há pessoas que querem ser o Gordon Ramsay [conhecido chefe de cozinha britânico] ou ganhar estrelas Michelin, mas eu não quero isso.
Então o que quer?
Aquilo por que me apaixonei primeiro foi pela alimentação saudável. Comecei a ler tudo o que era livros e blogues sobre isso, e pensei: “Há aqui uma falha no mercado.” Gosto de cozinhar e de ensinar, e pensei que, se calhar, podia ir um bocado por aí. Podia colocar em prática a minha paixão pela comida saudável, cozinhando. Saía do trabalho todos os dias às 22 horas, ia ao Corte Inglés comprar coisas e punha–me a cozinhar. Misturava ingredientes malucos, lia receitas e fazia experiências todos os dias.
O que fazia dessa comida toda?
Dava ao meu namorado para comer (risos).
E ele rapidamente ficou do tamanho do Fernando Mendes?
Não, a minha culinária sempre foi muito saudável. Agora vivo sozinha, mas na altura vivia com o meu namorado e cozinhava todas as noites. Coitado, ele deve ter provado uma data de coisas que não tinham assim tanta graça, mas dizia gostar de tudo.
Mas na altura já não comia carne?
Desde miúda que tive várias fases de alimentação: fases mais radicais em que não comia nada de origem animal e outras em que podia comer tudo o que me apetecia. O que eu acho que é mais fácil de fazer para toda a gente é agir com inteligência e moderação com a alimentação. Concordo que há lugar para uma ideia de alimentação mais fundamentalista em que não se come quase nada de origem animal. Acho que estas pessoas são precisas para o equilíbrio do nosso ecossistema, mas não é a alimentação mais saudável: uma alimentação 100% vegan tem de ser compensada, não há volta a dar a isso, há coisas que têm de ser suplementadas. É um bocadinho indicativo da natureza que há certas coisas que nós devemos comer, mesmo que nos sintamos culpados. Eu já passei várias fases, tenho a consciência que nada é igual para todas as pessoas. Aquilo que funciona no meu corpo pode não funcionar para os outros. Neste momento como o mínimo possível de alimentos de origem animal, mas como. Estive de férias no Vietname, 22 dias, e não me privei de experimentar tudo o que via. Não me castro ao ponto de não me sentir bem com aquilo que como, tento é fazer as minhas escolhas o mais conscientemente possível e que as poucas vezes que como alimentos de origem animal sejam tendo consciência disso e por necessidade.
Diz que é importante o ativismo na profissão que escolheu. Como é que ele se manifesta?
Acho que os consumidores têm um poder muito grande na hora de fazerem as compras e de escolherem. E devem ser motivados a escolher uma alimentação saudável que é, do meu ponto de vista, também a alimentação mais sustentável para o planeta. Eu tenho uma empresa, chamada Comer Amor, e temos dois tipos principais de atividade: fornecemos catering vegetariano para todo o tipo de eventos: grandes acontecimentos, casamentos, almoços e jantares; e temos uma segunda vertente que é a parte em que ensinamos o que é e como se prepara a alimentação saudável. Temos workshops para os miúdos, sempre em regime voluntário, porque é a nossa maneira de devolver os conhecimentos que temos, e depois temos outras formações que fazemos em casa das pessoas, em que vamos lá ensinar as pessoas a cozinhar alimentação saudável. Os nossos preços estão feitos para serem acessíveis a todas as pessoas. Esta segunda vertente, de ensino, é aquilo que quero continuar a fazer. Vou progressivamente abandonar os caterings que, embora seja lucrativo, é muito duro e ocupa demasiado tempo. O ativismo é isto: dar poder às pessoas para escolherem uma alimentação saudável.
Esteve numa agência de comunicação, usou o namorado como cobaia. Qual foi a fase seguinte rumo à sua profissionalização como cozinheira?
Toda a gente que era vítima das experiências começou a dizer que eu cozinhava muito bem, e comecei a perceber que aquilo era a coisa que me dava mais prazer na vida. Tinha uma amiga que tinha estudado hotelaria e tinha o curso de cozinheira, e estava presa num trabalho de que não gostava. Ela e eu falámos e abrimos uma empresa de catering. No início foi muito duro.
E vai deixar essa atividade porquê?
Porque estou farta. Vou passar os meus clientes a pessoas que trabalham comigo, mas eu, pessoalmente, vou fazer outra coisa com a empresa. Depois da silly season do verão, cheia de casamentos, vou acabar com a parte de catering. Não gosto das grandes pressões que esse trabalho exige, gosto mesmo é de ensinar as pessoas a conseguirem ter uma alimentação saudável.
Ganhou o euromilhões?
(Risos) Não. Mas sou uma pessoa criativa em relação a arranjar formas de subsistência. O catering dá dinheiro, ninguém fica rico, mas dá para ter um bom rendimento. Mas eu não estou contente com aquilo que ele acaba por exigir, dificultando as outras atividades de formação que tenho. O catering é muito exigente, cozinhas 60 litros de arroz e, se corre mal, podes queimar tudo, o que significa transformar um casamento num inferno.
Vão passar a fazer o quê?
Vamos lançar na segunda quinzena de setembro – por isso, agora – um serviço novo que não existe em Lisboa e que segue um modelo de negócios que existe em quase todas as capitais europeias. É um serviço de subscrição de comida em que as pessoas pagam uma mensalidade ou também podem optar por um plano semanal ou quinzenal, e recebem em casa, duas vezes por semana, marmitas com comida vegetariana, saudável, com receitas minhas, e comida exótica, do mundo, saborosa, equivalente a 30 refeições por mês, com instruções de quais as marmitas que devem/podem congelar, as que devem consumir no dia, etc., ou seja, com instruções de como organizar a comida que recebem já confecionada de forma a durar a semana toda. O serviço é conveniente porque te entregam em casa, muito barato e preenche uma lacuna do mercado: comida vegetariana boa e com preços justos. Vamos acabar com o preconceito de que a comida vegetariana é aborrecida, sem sabor e cara. Não é caro comer bem e nós vamos ajudar.
Como foi parar àquele concurso, o “Master Chef”?
Meu Deus, temos mesmo de falar disso? Nem sei bem. Na altura que eu já tinha começado com a empresa de catering, uma amiga minha disse-me: “Se tu concorreres ao ‘Master Chef’, mesmo que não ganhes, basta que apareças na televisão para teres montes de clientes e trabalho e oportunidades.” Eu inscrevi-me, foram–me chamando para os castings, montes deles, cinco ou seis, e eu ia indo em piloto automático. No último casting deram–me um contrato. Pareceu-me bem e assinei.
Quanto tempo lá esteve?
Estive quatro semanas de gravações, mas fiquei lá muito pouco tempo: fui a segunda concorrente a sair.
Queimou o arroz?
Não, pior: mandaram-me fazer um prato de carne do chefe Miguel Rocha Vieira e eu não provei o frango porque, na altura, estava mesmo em fase de não tocar em carne, e eles embirraram comigo. E eles disseram-me que eu não podia continuar lá e não provar a comida. E tinham razão, aquilo não era um programa para mim, eu sei lá fazer cabrito. As provas eram bacalhau, cabrito e tudo cozinha tradicional portuguesa, nada a ver com outras versões do programa, e não é de todo o meu forte, até pelo que eu quero comer.
Apesar disso, a amiga teve razão, aparecer na televisão teve ganhos?
Sim, foi quando tudo começou a acontecer. A minha amiga teve razão: comecei a ser convidada para dar cursos, workshops, ir a cerimónias. Fizeram-me uma proposta para publicar um livro. Fizeram-me propostas para gravar programas-piloto de TV. Este ano propuseram-me trabalhar com miúdos de escola para lhes ensinar o que é a alimentação saudável.
E o que concretizou dessas propostas?
O livro que está em pré-produção.
Demorou tempo o livro sobre cabrito à portuguesa.
Dois anos. Era bom que fosse “100 Receitas de Cabrito à Portuguesa”. Mas é um livro de culinária vegetariana e saudável. É um livro que pressupõe que as pessoas já saibam cozinhar alguma coisa.
Há, pelo que sei, uma relação grande entre a sua cozinha e as viagens. Começou primeiro a viajar ou a cozinhar?
Comecei primeiro a viajar. O primeiro país que escolhi para viajar sozinha foi Inglaterra, e Londres.
Tem uma culinária pouco afamada, segundo os continentais.
Nessa altura eu não queria saber de culinária para nada. Queria era ir às festas e comprar roupa.
E quando começou a cruzar as viagens com a culinária?
Acho que foi da primeira vez que fui à Ásia, quando fui à Tailândia e ao Camboja. Sempre gostei de culinárias exóticas. Essa primeira viagem foi no ano em que me despedi da agência de comunicação. E fui com o namorado da altura. Depois dessa viagem fiz o meu primeiro site/blogue de viagens.
Na Tailândia esteve onde? O país tem zonas que são hiperturísticas.
Já lá estive três vezes. Fui a montes de sítios, desde a capital ao norte. Só nas últimas vezes que lá fui é que estive nas partes mais turísticas e nas ilhas. A Tailândia tem de tudo, tem zonas que são tão turísticas que não se vê um tailandês, apenas se apanham ingleses bêbados, mas também há zonas verdadeiras em que, apesar do turismo, se consegue sentir o país, como as zonas do norte da Tailândia. Nessas zonas pode-se perceber a identidade thai, pode-se vivê-la de alguma maneira, ir aos templos, ficar lá alguns dias a viver.
Qual foi a viagem seguinte que fez?
Não me lembro se foi ao Egito. Todas as viagens foram de alguma forma importantes, mas não tenho memória muito boa. Para mim, as coisas cujo impacto mais sinto são as últimas. Esta última foi muito rica. Fui ao Vietname e saí cheia de ideias culinárias. Não me privei de nada, comi todo o tipo de comidas. Queria mesmo experimentar coisas estranhas.
O que foi o mais estranho que comeu? Eu, foi ovos de formiga branca, no México.
Grilos e larvas. Sabiam a molho de soja, óleo de amendoim e a sal, tinham em grande parte o sabor dos temperos. Mas as larvas sabiam ligeiramente a frutos secos. Nunca fui à América Latina.
Nunca pensou escrever um livro sobre como comer insetos?
Ainda não, mas é supersustentável do ponto de vista ambiental e tem imensa proteína. Mas nunca pensei. “100 Receitas com Formigas” é sempre um excelente título em qualquer lugar do mundo (risos). Mas agora isso da comida com insetos está, de alguma forma, na moda. Começa-se a ver coisas sobre isso que antigamente não tinham saída nenhuma.
E cozinha molecular?
Tenho muito respeito por esse tipo de trabalho. Vou fazer uma declaração politicamente correta: adoro ir a restaurantes desses, tenho curiosidade, só que, para mim, a comida é fonte de alimento e um veículo de saúde. Acho que se exagera na estética e no conceptualismo. Eu, como cozinheira, a minha preocupação não é que o prato esteja cheio de esferas, fumo e espuma, embora ache graça.
Por que razão, de há uns anos a esta parte, a cozinha se tornou uma moda?
Sim, anda tudo obcecado. Os chefes de cozinha tornaram-se rock stars.
Qual a razão porque os gins tonic e as comidas se tornaram assuntos que necessitam de um doutoramento em física quântica?
Não sei explicar. Há um aspeto saudável, as pessoas começaram a pensar mais sobre aquilo que comem. E há o aspeto da mediatização do fenómeno. As duas coisas podem não estar totalmente ligadas, mas existem juntas.
E trabalhou em restaurantes com outros chefes?
Tive propostas nesse sentido, mas a minha experiência em restaurantes dá-se o ano passado, quando fui convidada para chefe, no verão, de um restaurante vegan. Fui desafiada a dirigir todo o trabalho de um restaurante: elaborar um menu, gerir os stocks e dirigir uma equipa no restaurante. Aceitei. Apesar de o meu objetivo não ser seguir a carreira de chefe, queria ter essa experiência. Tínhamos uma ementa com seis, sete pratos. Era um restaurante de praia na Fonte da Telha. Foi uma experiência muito interessante. Tenho vontade de repetir, mas só nestes moldes, um restaurante de verão e trabalho de dois ou três meses. É mesmo verdade quando se diz que um cozinheiro não tem vida para nada. Trabalha-se, por dia, 12 a 13 horas, tem-se uma folga por semana. Se for chefe, não se consegue descolar daquilo. Eu, nas folgas, ia para o restaurante, era ridículo mas era verdade.