Rússia: As eleições mais aborrecidas do mundo?

O partido do poder sofre com a crise, mas não vai perder a maioria na Duma. Sob a aparência de normalidade, o regime ensaia uma metamorfose

Os russos parecem ter uma relação ambígua com as eleições. Muitos veem-nas com apatia, acreditando que o resultado está decidido à partida e que campanhas ou debates eleitorais são pouco mais do que representações de troca de ideias. Outros duvidam das instituições de poder, especialmente quando nelas estão envolvidos os partidos, como acontece na Duma, o parlamento russo, que até há três anos era vista favoravelmente por apenas um quarto dos eleitores. Quase metade da população acredita que as eleições para a Duma neste domingo estão decididas. Mas isso não quer dizer que não votem ou que mais de metade se digam satisfeitos com os resultados passados.

“O russo médio encara as eleições simultaneamente como um direito e um ritual”, argumenta o investigador Andrei Kolesnikov, no centro da Carnegie em Moscovo. Segundo ele, o eleitorado não ignora nem se detém pela imobilidade política no país. Pelo contrário: incentiva-a. “O poder é equacionado com dinheiro e com a distribuição de favores”, diz Kolesnikov. “Portanto, é inteiramente racional continuar a votar nos que têm poder.”

Esta tendência parece plasmada nas eleições deste fim de semana. Serão as primeiras na Rússia depois da anexação da Crimeia, do isolamento internacional, das sanções, da queda nos preços do petróleo e da grave crise económica. Apesar disso, sondagens e observadores afirmam que nada se alterará.

Para começar, a maioria não sairá das mãos do Rússia Unida. O partido criado por Vladimir Putin quando chegou pela primeira vez à presidência está prestes a conquistar 300 dos 450 assentos da Duma. Os restantes devem ser distribuídos pelos quatro partidos tradicionais da “oposição pró-regime” – termo contraditório mas comum entre observadores do sistema russo, que designam assim os partidos que dão a parte do eleitorado um canal por onde manifestar a sua frustração, mas que operam segundo regras muito bem definidas pelo Kremlin. 

Não surpreende, portanto, que as eleições deste fim de semana venham sendo encaradas com algum tédio. Steve Rosenberg esteve em oito eleições russas desde a queda do regime soviético e diz que as de domingo são as “menos interessantes” a que já assistiu. Muitos concordam com o veterano correspondente da BBC em Moscovo. O colunista Leonid Bershidsky, por exemplo, dono do diário russo “Vedomosti”, que escreve na Bloomberg que as eleições deste ano para a Duma serão as “mais aborrecidas” de todo o ano. 

Metamorfose no regime As eleições podem ser previsíveis, mas escondem dados importantes sobre mudanças que parecem acontecer sob a superfície do aparelho político russo. O partido do presidente, Rússia Unida, por exemplo, sofre com a crise económica. Caiu quase oito pontos percentuais em apenas um mês e está sob duras críticas por ter decidido não indexar o valor das pensões à inflação. A única razão pela qual espera vencer 300 assentos com uns estimados 50% dos votos no domingo é porque o Kremlin fez regressar a eleição a uma lógica regional, que o beneficia. Uma lógica semelhante terá estado por detrás da decisão de agendar as eleições para o final do verão, prejudicando o voto urbano em função do rural, muito mais alinhado com o poder. 

A crise no Rússia Unida ajuda a compreender uma metamorfose mais profunda no regime. Vários observadores argumentam que o Kremlin se tem vindo a afastar gradualmente do seu tradicional modelo de poder partidário e vertical. Investigadores como Tatyana Stanovaya dizem que o círculo mais próximo de Vladimir Putin se forma cada vez mais de ex-guarda-costas, agentes de segurança e generais que ganharam importância com as recentes intervenções militares na Ucrânia e Síria. Os partidos, afirma Stanovaya, já não são tão importantes como antes, as suas figuras tão-pouco, e o poder concentra-se crescentemente no presidente russo, o grande pilar da estabilidade do regime. 

“Apesar de antes terem sido as figuras quem definia como o sistema era gerido, agora é o sistema que define como as figuras são geridas”, argumenta Stanovaya no think-tank da Carnegie. Dá como exemplo o recente afastamento do velho aliado de Putin e antigo chefe do pessoal no Kremlin, Sergei Ivanov, que muitos viam como um possível sucessor de Putin quando este abandonou temporariamente a presidência, em 2008.

Enquanto estas mudanças se operam, o país precisa de estabilidade, que Putin preza acima de tudo. O que o presidente russo quer menos, aliás, é uma repetição das grandes manifestações de 2011 e 2012, em que milhares de pessoas protestaram contra o que diziam ser a manipulação de resultados. 

Para as eleições de domingo, o Kremlin liberalizou a inscrição de novos partidos e convidou centenas de observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa – uma mudança cosmética, lançam críticos do regime russo, apontando para o facto de que ambos observadores e novos partidos esbarram frequentemente com barreiras que inclinam o campo de jogo. 

Aspetos que pouco provavelmente impedirão os russos de irem às urnas no domingo. Olga, uma tradutora a viver em Vladivostok, explica-o ao “Guardian”: “Talvez pareça ingénuo, mas os meus pais ensinaram-me que mesmo quando se acha que as eleições estão controladas, ao menos põe-se um boletim com o nosso candidato que eles não podem usar mais tarde quando estiverem a falsificar os papéis.” Por isso vai fazer 500 km para ir votar.