José Sócrates recebeu 21 milhões de euros de sociedades do Grupo Espírito Santo (GES). Esta é uma das conclusões a que o Ministério Público já chegou numa das frentes da Operação Marquês. A fortuna acumulada em contas do amigo Carlos Santos Silva corresponde na sua maioria ao pagamento de comissões ao ex-primeiro-ministro, nos anos da sua governação, em troca de decisões do Estado em negócios e investimentos da PT que favoreceram o grupo de Ricardo Salgado.
Estes são os «factos novos» e de especial complexidade consolidados desde março para cá e que a investigação ainda está a analisar, motivo pelo qual a procuradora-geral da República autorizou esta semana o prolongamento do prazo do inquérito até março de 2017.
Depois do núcleo inicial de provas recolhidas que implicam o Grupo Lena no pagamento de ‘luvas’ ao ex-primeiro-ministro em troca de concursos públicos, em Portugal e no estrangeiro, e depois de se ter reconstituído de forma clara o circuito do dinheiro acumulado por Santos Silva (que era usado em grandes quantidades por Sócrates), esta é a outra face da investigação, segundo apurou o SOL. Daí as buscas realizadas, na primeira semana de julho passado, à PT e a diversas sociedades da sua esfera, bem como ao antigos dirigentes (Henrique Granadeiro e Zeinal Bava).
Mais: Rosário Teixeira, o procurador da República que coordena a equipa de investigação, não só considera haver «a suspeita fundada» de que o GES realizou «pagamentos indevidos» a Sócrates que totalizaram cerca de 21 milhões de euros, de forma a obter «decisões que lhe foram favoráveis» ao nível da gestão e investimento em participações da PT, como considera que essas ‘luvas’ também beneficiaram administradores da operadora.
Contabilista e secretário dos Espírito Santo ouvidos
Francisco Machado da Cruz – o contabilista da Espírito Santo International (ESI) que já assumiu que Salgado lhe deu ordem para falsificar as contas daquela holding da família, omitindo um passivo de três mil milhões de euros – e José Castella, secretário das reuniões do Conselho Superior da família, já foram, por isso, ouvidos no inquérito.
Os investigadores sustentam no processo que as decisões que foram tomadas na PT nos últimos 10 anos – e que acabaram por ditar a sua morte, em 2015 – propositadamente beneficiaram os acionistas, em particular o GES, acionista de referência da operadora. E constatam as coincidências temporais entre as principais decisões aí tomadas e as transferências de dinheiro para as contas de Carlos Santos Silva na Suíça, que consideram pertencer na realidade a José Sócrates, tendo em conta os gastos que este fez.
Essas transferências de dinheiro começaram em 2006 e vão até 2011 – acompanhando os principais momentos da vida da PT (ver infografia).
Os investigadores verificaram que o Governo de Sócrates assumiu uma posição contrária à OPA lançada em 2006 pelo grupo de Belmiro de Azevedo à PT, tendo dado ordens à CGD, enquanto gestora da participação do Estado, para votar contra a revisão dos estatutos da operadora, na assembleia-geral de março de 2007, o que fez a OPA ir por água abaixo. O chumbo da levou à autonomização da área de televisão paga e comunicações da PT, que deu origem à PT Multimédia (mais tarde Zon), na qual o GES ficou com 13% das ações, no valor de 165 milhões de euros. Enquanto estes acontecimentos se desenrolavam, as contas de Carlos Santos na Suíça foram recebendo, através de Helder Bataglia (sócio do GES), do BES Angola e da Espírito Santo Enterprise – a offshore no Panamá que era usada pelo grupo como ‘saco azul’ – seis milhões de euros, primeiro, e depois mais três milhões de euros.
O MP suspeita ainda que, entre os anos de 2009 e 2010, Ricardo Salgado conseguiu, mercê da sua posição na PT e com o apoio de outros acionistas, que esta comprasse papel comercial de sociedades do GES (Espírito Santo International e Rioforte). Estima-se, aliás, que os títulos de dívida da ESI subscritos pela PT ascendiam, em 2010, a 400 milhões de euros. Nesse mesmo período, as contas controladas pelo empresário amigo de Sócrates receberam transferências de mais quatro milhões de euros.
Como o GES lucrou com a golden share
Seguem-se, finalmente, os investimentos e vendas que a PT fez em 2010 e 2011. Por ordem de Sócrates, o Estado usou a sua golden share (ação de valor qualificado) na PT para impedir que os acionistas vendessem à espanhola Telefónica, por 7,15 mil milhões de euros, a participação da operadora na congénere brasileira Vivo. Isto terá tido como explicação os pedidos do Presidente do Brasil Lula da Silva a Sócrates para que a PT ajudasse a salvar a operadora brasileira Oi, o que os grupos acionistas portugueses na PT não queriam. Após o uso da golden share, o MP conclui que, apenas um mês depois, os espanhóis da Telefónica aumentaram a sua proposta em mais 350 milhões de euros, tendo o Estado português desta vês aceitado, e os acionistas da PT decidido comprar 22% da Oi, por 3,5 mil milhões de euros. Pelo meio, o GES encaixou a sua quota-parte de dividendos pela venda à Telefónica – o que terá proporcionado o pagamento de mais comissões indevidas, que tiveram como destino Carlos Santos Silva e desta vez também administradores da PT.
Assim, através do BESA e da ES Enterprise, em finais de 2010, foram transferidos para o CEO da PT, Zeinal Bava, 8,5 milhões de euros. A este valor somaram-se, já em 2011, mais 10 milhões de euros. Pela mesma altura, às contas do Grupo Lena chegaram oito milhões de euros, que foram encaminhados para Carlos Santos Silva.lva.ǎąȷƭ