O poeta volta a Portugal para apresentar a reunião da sua obra poética, e vai estar amanhã no Festival Literário Internacional de Óbidos
Carioca, 55 anos, Eucanaã Ferraz é um poeta raro hoje, cultíssimo mas por isso só mais solto. A tradição nele ganha um balanço que a livra de todo o pó, e, de tão batido o aço da língua portuguesa, não a toca a ferrugem, mas ela permanece uma liga leve, afiada, cintilando entre os séculos. Antes de mais um grandíssimo leitor, na poesia clara, precisa, ardilosa de Eucanaã, percebe-se como reuniu à volta da mesa em que escreve vultos incontornáveis da lírica dois lados do Atlântico. Seja Manuel Bandeira, João Cabral de Melo Neto ou Carlos Drummond de Andrade, do lado de lá, e Sophia de Mello Breyner Andresen e Engénio de Andrade deste lado. É um “sentimental”, pelo muito que arrisca nos poemas: na linha em que outros tropeçam, ele se equilibra feito funâmbulo. Se nele o “impacto da emoção está indissociavelmente aliado à intensa prática oficinal”, a virtude que coloca os seus poemas como artesania do espanto é o que os faz soar a uma coisa ouvida na infância, uma memória vital, que cresceu como nós, se enredou e fortificou, tornou-se um mito no cerne da nossa identidade.
A poesia portuguesa e brasileira, os seus públicos, parecem estar de costas voltadas entre um e o outro lado do Atlântico. Porque pensa que isso acontece?
Isso é sempre um mistério. É aqui e é lá. Todas as vezes em que eu estive aqui isso foi-me perguntado. Há duas questões. Uma é o público; público leitor, o que vai às livrarias, esse é um tipo de público para o qual a poesia portuguesa pouco existe no Brasil, e vice versa. Mas se você se volta para um outro público, para a Universidade, aí o quadro muda muito, sobretudo no Brasil. Qualquer autor que publique aqui o primeiro livro isso repercute-se imediatamente na Universidade. Sobretudo onde eu leciono, na Federal do Rio de Janeiro, onde os professores de Literatura Portuguesa têm uma força muito grande, o que vem já de uma longa tradição.Todo o mundo lê os jovens poetas, as revistas circulam lá, e uma coisa muito bacana na Universidade é que não há nenhum tipo de preocupação em lidar apenas com poetas já consagrados. Logo aparecem monografias, dissertações de mestrado sobre jovens poetas. Eu acho que aqui isso acontece menos. Penso que o ensino de Literatura Brasileira já foi mais forte. Com o público comum, aquele que vai a uma livraria procurar autores portugueses, isso já é mais difícil. Mas eu lembro-me de há uns anos, quando a Cosac Naify publicou uma antologia da Adília Lopes, foi um acontecimento. Só se falava na Adília e muito rapidamente foi uma poeta que todo o mundo incorporou. Incorporou mesmo – é possível você mapear uma certa influência da Adília, uma conversa com ela. Esse diálogo podia ser mais intenso, mais forte se houvesse mais publicações. Isto que se está fazendo aqui… Você publica de um lado, publica do outro. Esta conversa podia ser mais contínua.
E esse pensamento crítico que existe dentro da Academia depois tem algum reflexo fora?
Eu acho que não. Porque aquilo fica na Universidade. Forma um público ali, que é um público importante, de leitores especiais, leitores muito cultos e que dão uma atenção mais detalhada e atenta, mas não chega a criar esses laços que precisam ser criados editorialmente.
Consegue imaginar algo que pudesse alterar isso?
Não sei. Penso que teria de envolver tantas iniciativas, tantas frentes. Acho que o português e o brasileiro tinham de ser tratados como uma coisa só. Acho que isso teria de envolver os ministérios da cultura. Tinha que haver uma facilitação qualquer para que houvesse uma espécie de túnel. Você jogasse o livro daqui e caísse directo lá. Que as editoras tivessem a possibilidade de publicar para os brasileiros aqui. Interesse dos autores existiria sempre. Mas o público de poesia é sempre pequeno. Acho que os romancistas se acomodam, têm um público maior, têm mais atenção da imprensa, encontram um canal mais fácil para eles, para eles é mais fácil.
Pensa que essa diferença entre os géneros tem a ver com o mercado, a forma como este condiciona o gosto, ou acredita que há uma propensão para as pessoas preferirem a prosa à poesia?
Sim, acho. A poesia circula menos, sempre, tem sempre menos atenção. Tenho amigos que dizem uma coisa engraçada: “Eu leio um poema e eu não sei se eu gostei, não sei se eu entendi”… Amigos muito cultos, inteligentes, grandes leitores. “Eu não sei exactamente o que é que é aquilo!” Mas é isso exactamente, está óptimo, não precisa entender, continua. Acho que a poesia é mais difícil, exige mais da atenção, acho que o nível de exigência da poesia é sempre mais alto. Se me diz que há esse e esse prosador que têm uma escrita mais complicada, tudo bem, é verdade, mas eu acho que de maneira geral a poesia, mesmo quando ela é transparente, directa, clara, ainda assim quando o leitor se depara com ela: “Mas parece que eu entendi tudo!” Se ele não entende é por isso, se entende é porque acha que não entendeu. Parece que você nunca está muito à vontade diante daquilo, daquela frase que não vai até ao final do papel. “Porque é que ela não chega até ao fim? Porque é que não tem um personagem? Porque é que ela não me conta uma história?” As pessoas estão muito à procura de histórias, de uma coisa que as leve a algum lugar, que lhes ensine alguma coisa, que chegue a alguma finalidade. E a poesia não trabalha com nada disso. Ela tem um fim em si mesmo, é um acontecimento bruto. Você vira outra página e adeus, já é outro poema, começa tudo de novo, tem de começar tudo de novo. Cada poema é um evento novo e aí é muita coisa, é pedir demais aos leitores, esses que querem um evento contado ao longo de 500 páginas. Isso exige menos de um leitor comum do que um livro de 10 poemas. Entre um verso e outro acontecem muitos romances. O leitor fica querendo uma coisa mais… Ele chega em casa, toma um banho, come, lê umas páginas para dormir…. Estou sendo muito cruel com o leitor de prosa e com os prosadores, mas não me incomoda porque eles têm já muitos louros em volta da cabeça.
Há apesar de tudo uma diferença no Brasil que ficou patente num documentário como “A Palavra Encantada”. Muito por causa da força da Música Popular Brasileira, o país está já habituado a ouvir nas suas canções letras que não são nada básicas. O português não está de todo habituado a letras mais sofisticadas, no máximo tem alguns autores da canção de protesto e intervenção, hoje alguns músicos da nova geração com letras um pouco mais sofisticadas, mas não está tão habituado a lidar com poesia na sua música. Mas como é que se justifica que o Brasil tenha hoje tão bons poetas que têm uma expressão tão má junto do público como a dos poetas portugueses junto de um público de apenas 10 milhões?
Esse público do Brasil já está preparado para o livro, para o poema, porque ele já ouviu o Caetano. A minha mãe antes do Caetano já ouviu a Dolores Duran, já ouviu Vinicius (de Moraes), então ela já está preparada, mas quando você chega no livro, como você perde a melodia, a música, parece que você perde tudo, tem de novo que se deparar com aquele problema que a poesia te põe sempre diante, o vazio; as palavras ficam ecoando no vazio ali, numa coisa branca… Você tem de activar aquilo, tem de haver algum esforço para que aquilo aconteça. E a música já é uma coisa muito natural. E de certo modo quando você ouve, você canta. Quando toca no rádio uma dessas canções sofisticadíssimas do Chico Buarque, do Caetano Veloso ou da Adriana Calcanhoto, as pessoas cantam, mas eu acho que elas raramente param para entender aquilo. Mas eu concordo que em princípio esse público estaria muito preparado, porque ele já teve essa educação simbólica. Me lembro da minha mãe cantando coisas: “as flores na janela sorriam e cantavam por causa de você”. Ela já entendeu que tem um negócio que é metafórico, que flor canta e sorri, a flor fica triste. Ela já entendeu o mecanismo da metáfora, as pessoas usam isso.
Penso que o Caetano disse numa das suas crónicas que na verdade detestava a música, que achava horrível como em todo o sítio em que ia havia música a tocar, como se as pessoas não conseguissem suportar o silêncio. Acha que o problema da poesia é que para chegar a ela tem de se fazer essa travessia do silêncio?
Acho. É isso, há cada vez mais um excesso de música. As pessoas todas com fones nos ouvidos, essa coisa do telemóvel que é uma – vou dizer uma coisa do meu tempo – uma rádio vitrola, aquilo dá música, então as pessoas passam o tempo todo ouvindo música, você vai a um bar e está tocando música, ao vivo ou não, o tempo todo, em todos os lugares, é um inferno. E é sempre a mesma música, todo o mundo ouvindo a mesma coisa. Porque se fosse uma audição mais atenta, mais ampla, mas são os famosos sucessos, portanto é sempre a mesma coisa. E chega uma hora que é preciso parar, é preciso silêncio para ler o poema. E aí você não tem, você não sabe o que fazer com o silêncio, e então você preenche o silêncio com outra música, põe os fones no ouvido, põe alguma coisa no rádio para tapar aquele silêncio de novo. E eu sou muito céptico em relação a essa ideia da poesia, do lugar da poesia, acho que vai ter sempre um espaço pequeno. Mas eu não acho isso mau, eu não me queixo disso. Não acho que seja uma questão de educação, porque de uma maneira geral nos países com alto nível de escolaridade, com óptimas escolas, o público continua a ser pequeno. A Wislawa Szymborska, poeta polaca, parece que teve um público muito vasto no seu país, mas porque ela escrevia coisa de prosa no jornal, coisas rápidas que tinham um grande apelo junto do público, e aí a poesia foi junto. E ganhou o Nobel e aí todo o mundo queria saber quem era aquela mulher que ganhou o prémio, que fumava sem parar, uma mulher que não aparecia em lugar nenhum, que não era uma grande estrela…. Mas não dá para todo o poeta fazer música popular, e escrever no jornal e ganhar Nobel. Tem que fazer isso que a gente faz. Publica o seu livro ali, põe na livraria, espera sair uma resenha e vai em frente. Não vejo um quadro onde se possa melhorar, mas também não acho isso um drama.
O que acontece muitas vezes na escolaridade obrigatória é que se sai com uma ideia muito chã da poesia. Muitas pessoas ainda pensam que a poesia tem de rimar, ou que a poesia está ligada a uma reflexividade bastante pesada e infeliz. Na sua poesia há muito um combate pela alegria.
Eu escrevo para crianças também, e gosto muito disso. Ao mesmo tempo que há poemas metrificados, rimados, há muito verso livre, branco, e há poemas esquisitos, e há poemas difíceis, temas difíceis. Senão o que acontece: você forma o jovem leitor com a sensação de que a poesia são frases curtinhas, engraçadas, com jogos sonoros, que rimam… Depois você vai ler um outro autor e vai dizer: enganaram-me. Então você tem já que habituar o jovem, o muito jovem leitor com essa poesia do verso livre, do verso branco, de temas difíceis, com jogos que não são só os jogos sonoros, mas de imaginação de fantasia, que te põem diante de uma enrascada, de um problema. Acho que desde criança você tem de ler poemas e não entender. Se não fica com uma visão errada. Tem que dar para a criança e ela: eu não entendi. Ah, tá, é isso mesmo. Como é que faço? Não, não faz, é isso mesmo. Ela tem de se deparar com um objecto que é complexo. Você não pode simplificar para a criança gostar do poema. Ela vai acabar por gostar errado. É mais ou menos como as bienais do livro. Chamam-me para as bienais. Poucas vezes fui, eu não gosto. Agora não vou mais. Não tem graça. “Não, mas é para a formação dos leitores”. É mentira, você não forma leitor nenhum. Aquelas crianças ficam lá correndo. Elas acham que aquilo é uma livraria, aquilo não é. As livrarias são lugares silenciosos, as pessoas precisam parar. Fecha a criança na biblioteca e tira a chave. Deixa-a lá com o silêncio, com um monte de livros velhos, empoeirado, com uma bibliotecária antipática. Senão você fica com uma visão deformada.
Nesta última Bienal do Livro em São Paulo esse cenário ficou todo bem patente. Os Youtubers estiveram ao lado dos autores de best-sellers de livros de fantasia como os cabeças de cartaz. É um fenómeno que também se reflecte em Portugal. No início do século havia um festival. Hoje o meio literário só ganha dimensão através destas festas, onde o escritor passa sempre dentro de uma sanduíche, com música, concertos, teatro, fogos de artifício…
Eu vou a alguns festivais, vim aqui a Portugal e vou participar no Folio, mas acho que os festivais, as bienais, feiras e coisas do tipo, são eventos para as editoras. Não acho mesmo que sirva para a formação de leitores, etc. É uma coisa bem comercial, em que o escritor participa porque ele faz parte dessa indústria. Mas eu acho que há um excesso de coisas em torno do livro quase para pedir desculpas: “Não, é de livros mas também tem um concerto, também tem uma performance, e também…” Você precisa cercar o livro de muitas coisas que não são o livro, para que as pessoas admitam a possibilidade de estar num lugar para pensar livros, comprar livros, deter a sua atenção sobre os livros. É quase um pedido de desculpas. Para não ser muito chato. Eu acho que as festas literárias têm de ser literárias. Vejo muito penduricalho em torno do livro e da literatura nos festivais. Não gosto e não acho que funcione. É um pouco como a bienal e as crianças. Deixa as pessoas lá com os livros. A música já tem espaço de mais. Tem uma coisa boa nos festivais por ser essa a hora em que os escritores, que não têm lugar, que estão invisíveis, ganham – a palavra é chata, mas… – visibilidade. É a hora em que você aparece. Os escritores que vão, como eu vou, vão por vaidade. Mas é vida social, não é literatura. Escrever é sozinho, é suor, é aquele negócio que não vai chegar à mão de ninguém, e se chegar não se sabe como foi. Nunca se sabe o outro lado. Sai o seu livro e como é que você mede. Ah, saiu uma resenha. Isso é uma pessoa que gostou ou não gostou do seu livro, mas o que é que o leitor achou? Você não conhece o seu leitor. É uma solidão terrível.
“Os escritores que vão, como eu vou, vão por vaidade. Mas é vida social, não é literatura. Escrever é sozinho”
Houve nos últimos anos uma espécie de colonização dos fenómenos culturais. Por cultura passou-se a entender aquilo que antes era da ordem sociológica. Tudo o que são manifestações de superfície, o que é popular, automaticamente torna-se uma expressão cultural e, no reverso, o que é elitista fica à margem da cultura, porque tem pouca expressão, não chega a ser popular.
Mas isso é um erro terrível. A minha visão do que seja uma democratização da cultura é o contrário. Passa por você abrir possibilidades reais para manifestações que aparentemente são ultra-elitistas. É você poder fazer música experimental que é só ruído. Para ficar em Portugal, acho maravilhosa essa renovação do Fado. Agora, eu quero que os portugueses façam música eletrónica de ruído, que toquem no chão, misturem sons guturais, música dodecafónica, atonal. Acho que tem que ter tudo. É maravilhoso que haja em Portugal este culto ao Fernando Pessoa, mas eu não posso limitar uma ideia do que seja a poesia em Portugal, uma expressão literária portuguesa às t-shirts de Fernando Pessoa, às sardinhas com a cara de Fernando Pessoa. É engraçado e é interessante, mas você esvazia aquilo. As pessoas estão lendo aqueles poemas terríveis do Álvaro de Campos: “Você quer se matar, porque você não se mata?” Porque é que você não escreve esse verso na t-shirt? Ah, não, isso não dá, porque esse Fernando Pessoa não vende. Então mas não é o Fernando Pessoa? Democratizar de facto a cultura, acho óptimo, mas isso significa dar possibilidades a uma editora pequeníssima, uma que publica 50 exemplares de um autor obscuro. Não estou a falar de subsídios do Estado. Acho que o Estado não tem que fazer nada. Mas de alguma maneira isso tem de ser possível. Só existe avanço se você tiver um pequeno teatro que faz uma peça e que tem público, um teatro pequeníssimo de bairro, e que para existir não vai fazer aquele teatro acessível porque é para o pessoal do bairro. Tem de fazer uma peça de vanguarda, incrível, com actores incríveis para o pessoal do bairro ficar de cabelo em pé, arrepiado. Senão fica essa coisa do teatro de comédia, onde tem de ter um actor de novela, porque senão ninguém vai ao teatro. Enquanto tiver de chamar o actor da novela, aí você não está democratizando nada, está só rebatendo uma coisa que já está acontecendo. Você não pode fazer com que o entretenimento e cultura sejam uma coisa só. Há uma hora em que essas coisas se misturam, mas eu tenho de ter lugar para as edições pequenas, para os pequenos jornais, para as pequenas revistas, para os pequenos autores, para os pequenos teatros… E que sejam pequenos não porque não podem crescer, mas porque não querem crescer, porque não são para crescer. As editoras quando crescem demais, é um horror. Fica tudo igual. Você fica sempre tratando o público, e no pior sentido, infantilizando-o. Aí você facilita tudo para entrar directo, pela goela. É por isso que a poesia é uma coisa tão complicada, porque a poesia não facilita. Se facilitar está errada, você entende na hora. Quanto mais houver expressões diferentes e estranhas, estranhas e nesse sentido elitistas, porque é pouca gente que vai ver, pouca gente que vai gostar, aí está mais democrático.
Vê na poesia um antídoto que impede o discurso oficial e das instâncias de poder de se tornar a única forma de enquadrar o mundo?
Nesse sentido eu continuo a achar que Roland Barthes é ainda muito actual, e vai ser actual sempre. Ele dizia que a língua é fascista, não porque ela te impeça de dizer, mas porque te obriga a dizer. E a dizer de um determinado modo. Nós que falamos português, é sujeito, verbo, objecto. Se você sai disso cria um curto circuito qualquer ali. E o poder é isso. Ele te dá uma opção: é assim que se fala. É como se chegar ao poder fosse chegar àquele código. Mas a literatura, e nesse sentido a poesia mais radicalmente, fala por si e fora do poder. Exactamente porque ela não está trabalhando com esse código: sujeito, verbo, objecto. Então, acho que a poesia por si só é uma fala que se quer fora do poder. O poder do leitor é uma coisa abissal. O leitor é uma potência, é uma força. Aquilo não existe se não houver um leitor que o active, que lhe dê vida. Se fala muito na importância de dar a voz, que a pessoa possa escrever poesia, mas mais importante é que ela leia poesia. E não é uma questão moral, é porque esse é um prazer que não nos pode ser roubado. Não se pode roubar às pessoas a poesia, a música, o silêncio. Tudo o que me engrandece. O engrandecimento, a dignidade, não podem ser roubados. E eu acho que nesse sentido a poesia tem muito a fazer. Ela vai ser sempre essa escapulida para fora do poder. Nesse sentido é essencial, porque te vai possibilitar ver o mundo de uma maneira mais aberta, mais consequente. Olhar por ângulos não explorados, mais inusitados. Senão fica todo o mundo lendo do mesmo lugar. Ou é Fora Temer ou Fica Temer. Ou é Direita ou é Esquerda. Os anos 60, os anos 70, parecia que as coisas estavam tão mais misturadas, era tão mais experimental. E eu vejo um recuo nisso, vejo de novo tudo tão polarizado, quando isso parecia que estava vencido. Essas polarizações: sim/não, claro/escuro, masculino/feminino. Mas enfim eu acho que as coisas sempre andam. Quando eu digo que o essencial é todo o mundo poder respirar, ter água, comida que não esteja envenenada, isso é a utopia. O que é que cada um faz enquanto o mundo acaba? Eu acho que se você fizer bom teatro, boa poesia, boa música, bons livros, bons filmes, boas fotografias, se você fizer bem o seu trabalho, se você servir bem ao balcão…. Vamos fazer todos uma coisa bem-feita, bacana. Parece bobo isso, mas não é. Faz o seu negócio, encontra a sua coisa. Faz aquilo ali. Eu faço poesia.