1. Palavra dada, palavra honrada. Afirmava, vezes sem conta, António Costa quando era líder da oposição e queria ser Primeiro-Ministro. Costa deu a palavra de que não iria aumentar impostos, prejudicando, ainda, mais a classe média – pois bem, de facto, não aumenta. Cria novos impostos, dando a entender que é apenas uma correcção em imposto anterior para garantir a igualdade entre todos os cidadãos.
O nosso Primeiro-Ministro é mesmo um génio da palavra e da chico-espertice: evidentemente, este “Super-IMI”, que a maioria parlamentar, composta pelo extremo-PS e a pela extrema-esquerda, quer aprovar é um novo imposto. São-lhe, pois, aplicáveis as exigências constitucionais para a criação de novos tributos.
Note-se que, não obstante ser um novo tributo, a sua incidência reporta-se a uma realidade que já é tributada, em sede de IMI. Os imóveis (como o leitor bem sabe!) já têm um valor fiscal, o qual é tributado anualmente, as taxas deste imposto já são deveras elevadas – e a receita deste imposto destina-se aos municípios.
2.Como é fácil de perceber, o IMI – como os impostos sobre o património, qualquer que seja a sua denominação ou sigla – incide sobre uma realidade objectiva (o património imobiliário), sendo, portanto, a determinação do valor de imposto a pagar efectuada de acordo com o valor dessa realidade objectiva. Se o imóvel for avaliado em X, a liquidação do valor de imposto a pagar será feita sobre o valor X. Até aqui, nenhum problema: a tributação do património é uma imposição constitucional, como decorre do artigo 104.º, n.º 3(a tributação do património deve contribuir para a igualdade entre os cidadãos).
Se não há problemas (a não ser as taxas elevadíssimas – mas isso já é o fado lusitano!) quanto ao IMI, há inúmeros problemas quanto ao “SUPER IMI”. O “SUPER IMI” consiste na tributação do valor global do património imobiliário detido por um sujeito passivo: ou seja, o valor dos imóveis contarão duas vezes para a máquina fiscal reclamar mais dinheiro do seu bolso, caríssimo leitor!
Paga o imposto individual sobre cada imóvel; depois ainda terá de somar o valor de todos os imóveis, verificar qual o valor que perfaz e depois ainda pagar um tributo sobre um excedente que o Governo ainda não sabe bem qual é! Aqui está mais uma invenção à la geringonça! Ufa, já está cansado com esta explicação? Pois! Então imagine quanto tiver que aplicar este raciocínio todo – e no final fazer (mais uma!) transferenciazinha da sua conta bancária para o Estado…
3.Este “Super IMI”, como já resulta evidente, levanta problemas jurídicos e problemas políticos.
3.1.Problemas jurídicos: em 1997 (era Marcelo Rebelo de Sousa líder do PSD e António Guterres exercia funções de Primeiro-Ministro), o n.º 3 do artigo 104.º da Constituição da República Portuguesa foi alterado, em função de um Relatório apresentado pelo Governo de então à Assembleia da República sobre “ a Revisão dos Impostos sobre o Património”, ao qual se seguiu um Projecto de Reforma da Tributação do Património” da autoria de uma Comissão presidida por (imagine!) Henrique Medina Carreira.
A intenção originária do legislador “reconstitutinte” (ou seja, o fim que a Assembleia da República, dotada de poderes de revisão constitucional, pretendeu atingir) foi a de abrir caminho para a extinção do imposto sucessório, “fundindo-os, eventualmente, num único imposto sobre o património”. Ou seja: o legislador de revisão constitucional pretendeu, com a nova redacção do n.º 3 do artigo 104.º, a consagração de um imposto único sobre o património. A dupla tributação da mesma realidade económica e social (a titularidade de património imobiliário) é, pois, desnecessária, desproporcional, irrazoável para a prossecução do fim que se pretende alcançar.
Por outro lado, o imposto sobre o património não poderá ser progressivo – a progressividade da obrigação tributária, como meio para prosseguir o fim de justiça social, é assegurada pela tributação do rendimento. Só em sede de tributação do rendimento é que a Constituição permite a progressividade do imposto – fora destes casos, a tributação é proporcional ao valor económico da realidade que é objecto da tributação.
A ser aprovado um “SUPER IMI”, de natureza progressiva, Portugal passará a ser o único país na União Europeia que quebra os princípios de tributação sobre o património vigentes nos países desenvolvidos, que partilham os nossos valores e até a nossa tradição constitucional (julgamos que seria inédito um tributo com estes contornos na nossa história político-constitucional!). Portanto, estamos perante mais um caso em que António Costa despreza a Lei Fundamental que nos rege. António Costa governa contra a Constituição. Quem é que acusava outrem de fazer o mesmo, há uns meses, anos?
3.2.Problemas políticos: são vários. Podemos sintetizá-los em três:
- A primeira divergência épica entre PS e BE. Que coloca em rota de colisão o Primeiro-Ministro socialista e a estrela do BE. Quem está a ganhar? Claramente o BE. Os bloquistas encostaram António Costa à parede: se Costa recusa a aprovação do “SUPER IMI”, o BE sentir-se-á desautorizado e traído, produzindo certamente, nos próximos meses, episódios desta natureza para espicaçar o PS. Será o princípio do fim da geringonça. Se António Costa ceder ao BE, gerará uma contestação (que será apagada, no entanto, em poucas semanas) interna no PS e – mais relevante e grave! – ficará preso aos bloquistas. Se António Costa ceder, os portugueses podem ter a certeza do que já se suspeita: é o BE que manda, que põe e dispõe, no Governo. Com que autoridade poderá António Costa dizer “não”, resistir, impor-se a Catarina Martins, às “manas” Mortágua, a Pedro Filipe Soares? Não pode! António Costa fica definitivamente refém da extrema-esquerda folclórica;
- Alguns comentadores vieram denunciar que o anúncio de Mariana Mortágua, sobre a criação deste “SUPER IMI”, seria uma manobra táctica e mediática, concertada com o próprio António Costa. Para quê? Para preparar a opinião pública para a aprovação deste tributo, embora em termos mais simpáticos. Mariana Mortágua dá a notícia bombástica – António Costa dá a notícia “boazinha”. Só que o PS desmentiu oficialmente esta tese – e António Vitorino até refutou esta interpretação, dizendo que seria um suicídio político do PS. Pois bem, Pedro Filipe Soares – líder parlamentar dos bloquistas – veio, com frontalidade e desassombro, revelar que, afinal, tudo não passou de uma encenação mediática entre BE e PS – devidamente concertada nos bastidores da geringonça. Ou seja, em termos claros e directos: o líder parlamentar do BE chamou ao Primeiro – Ministro do Governo que apoia…um grande e incontrolável mentiroso! Não somos nós que o dizemos: é Pedro Filipe Soares, líder da bancada parlamentar do BE!;
- Mariana Mortágua, finalmente, revelou o seu “dirty little secret”. O seu segredo muito picante, cuidadosamente reservado: afinal, Mariana Mortágua é uma admiradora incondicional de Pedro Passos Coelho. Pedro Passos Coelho é a referência máxima de Mariana Mortágua, em termos de doutrina económica. Porquê? Porque Mariana Mortágua – e a equipa de marketing da geringonça – defenderam o imposto ora proposto (o “SUPER-IMI”) invocando declarações antigas de Pedro Passos Coelho! Mariana Mortágua argumenta que o imposto que propõe é apenas concretizar uma vontade antiga de Pedro Passos Coelho – ou seja, a extrema-esquerda vai acabar o trabalho da direita! Então, mas espere: Pedro Passos Coelho não era um perigoso direitista, destruidor dos direitos sociais e que só cumpria ordens dos “abutres” que são os credores internacionais? Se Mariana Mortágua vai executar o que o “abutre” Pedro Passos Coelho defendeu, significa, por decorrência lógica, que Mariana Mortágua também é uma “abutre” capitalista, destruidora dos direitos sociais! Quem diria? Mariana Mortágua, a maior defensora de Pedro Passos Coelho! As voltas que o mundo dá!
4.Chegados aqui, uma questão derradeira: por que avança o Governo, neste momento, com uma medida tão ridícula e inoportuna quanto esta? Fácil: este “Super-IMI” é um sucedâneo do imposto sucessório que António Costa propusera no seu programa eleitoral – e que o PCP rejeita. Para criarem mais um imposto sem correrem, no entanto, o risco de melindrar o PCP, António e Mariana Mortágua inventaram esta confusão (e injustiça) monumental que é o “SUPER-IMI”. Enfim, o que é o IMI? É o Imposto Marianal Imprudente (e Inconstitucional).