1.Realizou-se, na última madrugada, o primeiro debate que opôs a candidata presidencial nomeada pelo Partido Demcorata (Hillary Clinton) e o candidato presidencial nomeado pelo Partido Republicano (Donald Trump). As expectativas eram elevadas: esta eleição presidencial está a concitar uma enorme atenção nos Estados Unidos da América (fala-se mesmo na possibilidade de os debates deste ano se tornarem os debates mais vistos de sempre da história de eleições presidenciais norte-americanas), bem como à escala planetária.
Evidentemente, que o interesse suscitado por Hillary Clinton e Donald Trump é de diversa natureza, consoante as coordenadas geográficas: entre os cidadãos americanos, o interesse pelos debates confunde-se com galvanização na vitória de um dos candidatos, figuras (para o bem e para o mal) já lhes são deveras familiares e que ocupam as páginas dos principais jornais e os ecrãs das televisões nas últimas largas décadas; para o resto do mundo, o interesse confunde-se com inquietação e apreensão, por persistir a impressão de que o próximo Presidente dos Estados Unidos da América não será suficientemente forte e consistente para responder aos desafios bastante complexos que os anos vindouros imporão ao Estados Unidos e ao mundo. Inquietação e apreensão que, em larga medida, se revelam excessivos e sem fundamento.
2.Posto isto, quem venceu? Hillary Clinton. Foi uma vitória esmagadora ou tangencial? Foi uma vitória sofrida, por uma curta distância; não houve, pois, uma vantagem clara ou um domínio evidente de um candidato ao longo de todo o debate. Manda a verdade sublinhar aqui que, ao contrário do que afirmaram vários comentadores políticos (desde a esquerda até à direita) norte-americanos, este debate, à partida, afigurava-se claramente mais difícil para Hillary Clinton do que para Donald Trump.
Porquê? Porque a pressão sobre a candidata democrata era superior, por três razões: 1) Hillary passou, nas últimas semanas, por dificuldades de monta na sua campanha, desde o episódio da pneumonia e as dúvidas sobre a sua saúde até às recordações, desfavoráveis e insistentes, sobre o seu passado pessoal e político;
2) as sondagens que lhe eram sucessivamente desfavoráveis, mostrando uma tendência de queda nas intenções de voto dos norte-americanos, perdendo até para os candidatos alternativos e “outsiders” – o “momentum” era, pois, de Donald Trump;
3) o risco de uma derrota no debate era enorme para Hillary Clinton e mais reduzido para Donald Trump, na medida em que há a percepção de que o candidato republicano pode cometer todos os lapsos que lhe apetecer que se mantém sempre forte; já Hillary Clinton, se cometer o mais insignificante erro ou um dislate quase imperceptível, será crucificada pelos media.
O que se percebe: Donald Trump é um outsider, anti-establishment, cujo forte é a crítica (populista, em muitos traços) ao status quo político; Hillary Clinton faz parte do “establishment”, do “status quo” , da “elite política” que se mantém na primeira linha da intervenção política desde há décadas. O desgaste é, pois, incomparavelmente superior quanto à candidata democrata.
3.A verdade é que Hillary Clinton jogou, ontem, os seus três trunfos: frieza na execução da sua estratégia, ponderação e segurança. Hillary Clinton apresentou-se com um ar muito mais “presidenciável” do que Donald Trump – o republicano cometeu erros infantis, ingénuos que não se percebem num debate político desta dimensão. Ou melhor, percebe-se: a estratégia da sua campanha era deixar Donald Trump ser Donald Trump…pese embora com mais (alguma) moderação. Pelo menos, não ouve referências à vida sexual, nem à fisionomia de Hillary Clinton…Por exemplo, quando Hillary provoca Donald Trump com a frase “daqui a pouco, a culpa de todos os problemas será minha”, Trump interroga: “porque não?”.
Ou quando Trump é acusado de discriminar os afro-americanos, enquanto empresário do ramo imobiliário em Nova Iorque, Trump, em vez de refutar a alegação, afirma que o processo foi resolvido em tribunal, sem declaração de culpa nem obrigação de pagamento de indemnização. Ou seja, Donald Trump parece não se sentir incomodado com a acusação de práticas discriminatórias…Além disso, em termos formais, Hillary Clinton esteve melhor – mais à vontade, mais firme nas suas respostas, falando já mais com ar de Presidente do que de candidata presidencial. Donald Trump, por vezes, foi atabalhoado, confuso, repetitivo.
4.Afirmámos atrás, no entanto, que Hillary Clinton não goleou Donald Trump. De facto, Trump liderou durante a primeira parte do debate; depois, Hillary equilibrou e terminou claramente à frente. Houve um Donald Trump no início do debate – e outro Donald Trump, completamente diferente para pior, no final.
O que poderá provar que Donald Trump não tem densidade política suficiente para aguentar um debate com esta duração, nem se adapta ao modelo de debates a dois. Até ao momento, Donald Trump disfarçava porquanto os debates televisivos abrangiam vários candidatos, o que implica uma maior dispersão de tempo por cada um, reduzindo-se praticamente cada intervenção a um conjunto de soundbytes. Aí, Donald Trump sentia-se na sua posição de conforto; agora, perante debates com outra exigência política, a maior impreparação do candidato republicano pode jogar contra si.
5.Qual foi o momento de viragem do debate? O momento em que Donald Trump é confrontado com as suas incongruências, designadamente com a sua posição muito oscilante (revisionista?) quanto à intervenção dos EUA no Iraque, em 2002, decidida pelo Presidente George W. Bush. A partir desse momento foi o descalabro para o republicano: a sua posição sobre a NATO é um mistério, ora está contra, ora está a favor, desde que os aliados paguem o que devem; colocou em causa praticamente todas as alianças regionais estabelecidas pelos EUA nas últimas décadas, as quais são vitais para a segurança do país e do mundo; inventou ontem que exigirá à China que proteja a Coreia do Sul e que se imponha à Coreia do Norte; não revela o seu plano para derrotar o ISIS….porque não quer dar a conhecer aos inimigos dos EUA tal plano. O que é, convenhamos, um argumento muito curioso e pouco democrático.
Contudo, importa notar que a parte da economia, da estratégia económica, do plano para criar mais emprego e mais oportunidades para os americanos, correu especialmente bem a Donald Trump. E conseguiu que Hillary Clinton se juntasse às suas críticas aos acordos comerciais celebrados entre os EUA e os seus parceiros comerciais mais próximos: designadamente, quer Trump, quer Hillary Clinton, apresentaram posições muito críticas face à NAFTA (Acordo de Comércio da Norte-América, abrangendo o Canadá e o México, para além dos EUA), o que evidencia o discurso político extremado que é hoje dominante na democracia americana, com a erosão do centro político. Visível tanto no GOP, como no Partido Democrata.
6.O momento mais caricato da noite? O estranho tique revelado de Donald Trump respirar profundamente, mesmo farejar, por entre declarações. As “sniffadelas” de Trump tornaram-se já virais nas redes sociais – o que é certo é que não conseguiu “sniffar” a vitória neste primeiro embate televisivo com Hillary Clinton.
7. Conclusão: Hillary Clinton 1 – Donald Trump 0. Aguardemos pelo segundo round. É no próximo dia 9 de Outubro (domingo), na Washington University, em St. Louis, Missouri.