Depois de meses de incerteza quanto ao futuro da ADSE, o ministro da Saúde anunciou ontem o veredicto: já em 2017, o subsistema de saúde dos funcionários públicos deverá passar a ser gerido por um instituto público com gestão participada, ou seja com representantes dos beneficiários nos órgãos diretivos, mas mantendo a tutela administrativa do Estado. A proposta dominou os contributos durante a discussão pública da reforma da ADSE, que teve lugar este verão. Pacífico então? Talvez não.
No relatório entregue ao governo em agosto, os peritos sustentavam que o modelo de instituto público com eventual gestão participada tinha vantagens e desvantagens. E referiam que se a principal vantagem era a aparente “confiança” que o modelo suscitava entre os beneficiários – que desde 2015, com o fim da contribuição das entidades empregadoras, financiam em exclusivo a ADSE – as desvantagens tinham surgido “em menor destaque nas preocupações expressas na discussão pública”. Ao todo, os peritos apresentavam então oito consequências da opção por este modelo, procurando clarificar o seu significado e sublinhando que, com a atual enquadramento legal, o governo não tem “grande margem para legislar de forma contrária”.
Funcionando como instituto público, a ADSE fica sujeita às regras da execução orçamental, referiam em primeiro lugar. “O Estado pode decidir mandar entregar na tesouraria do Estado os saldos gerados com as contribuições dos beneficiários”, explicam no documento. Está depois sujeita às orientações e diretivas que a tutela entender dar. “Fica ainda sujeita às orientações do ministro das Finanças em matéria de finanças e pessoal”, adiantavam. “O esquema de benefícios e quotizações, em vez de ser preponderantemente decidido pelos quotizados, é decidido pelo Estado”.
Apesar de haver um aumento de autonomia em relação ao atual modelo de direção-geral, a ADSE ficaria ainda sujeita à autorização da tutela para a definição do plano de atividades ou à aceitação de heranças e legados. E, estando obrigada enquanto instituto público a cumprir com o Plano Oficial de Contabilidade Pública, acrescentavam os peritos, precisa de autorização para transitar os saldos de gerência e pode ser sujeita ao regime de cativações. Ficariam ainda limitadas as hipóteses de pôr as verbas a render para permitir maior folga ao sistema, uma vez que as quotizações dos beneficiários têm de ser mantidas no Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública (os cofres do Estado). A opção pelo modelo de instituto público significaria ainda continuar a misturar dinheiro público e privado (as quotas dos beneficiários), o que contraria as recomendações do Tribunal de Contas, alertavam os peritos.
A última nota era dedicada à ideia de gestão participada: embora esteja prevista na lei, a legislação também prevê que os membros dos conselhos diretivos dos institutos públicos são nomeados por despacho da tutela e após concurso. “Neste enquadramento será difícil conciliar uma situação em que os beneficiários da ADSE elegem os seus representantes, que posteriormente têm de ser nomeados por despacho, diziam os peritos. “Sendo a ADSE integralmente financiada pelas contribuições dos seus associados deverão estes últimos ter participação nas decisões fundamentais de administração e gestão”, concluía o relatório sobre esta matéria, defendendo que a proposta da comissão no sentido de ser criada uma associação privada sem fins lucrativos de utilidade pública para gerir a ADSE era, em comparação com este modelo, mais flexível e permitia a intervenção doseada no Estado. “Atendendo aos vários elementos (robustez institucional, participação na gestão dos associados, eliminar o risco orçamental associado e não impor limitações à capacidade de gestão que inviabilizem a procura de um desempenho eficiente e financeiramente sustentável da nova entidade), o modelo de instituto público é claramente desfavorável”, referiam os peritos.
Muda-se a lei? Eugénio Rosa, economista próximo do PCP, foi uma das vozes a defender durante o processo de discussão pública a opção pela transformação da ADSE em instituto público com gestão participada. Porém, no estudo que o especialista publicou online, há uma salvaguarda que ontem não foi possível perceber se será acautelada pelo governo: “a ADSE deve ser um instituto de gestão participada muito diferente dos existentes, o que exige inovação legislativa”, defendia o perito, apresentando o controlo total dos representantes dos beneficiários como uma das condições da proposta. O economista propunha a criação de um novo órgão de gestão de fiscalização (constituído por representantes de associações sindicais da função pública e das associações de aposentados) com “poderes efetivos de fiscalização” como aprovar o plano de atividades, orçamento e relatório e contas, fiscalizar a atividade do conselho diretivo designado pelo governo, analisar e pronunciar-se sobre as convenções e contratos a celebrar, tudo matérias que, com a atual legislação, dependem em última instância da tutela. Um dos alertas de Eugénio Rosa era que na atual situação, sem autonomia financeira, os saldos da ADSE têm sido usados pelo Estado. Entre 2014 e 2016, o subsistema teve um excedente de 469,2 milhões de euros.
Questões em análise No parlamento, Adalberto Campos Fernandes adiantou que o decreto-lei que cria o instituto está finalizado e será discutido em breve numa reunião de secretários de Estado e depois em conselho de ministros, a fim de entrar em vigor em janeiro de 2017. Quando à participação de beneficiários, o ministro revelou que poderão ser escolhidos “por indicação ou eleição”. Campos Fernandes adiantou que o instituto terá dupla tutela, dos ministérios da Saúde e das Finanças. Questionado pelo i sobre se a intenção é criar um instituto público sujeito às mesmas regras orçamentais dos demais ou se será criado um novo regime associado à transformação da ADSE neste novo modelo, o gabinete de Adalberto Campos Fernandes respondeu que essa é uma questão ainda em análise. A mesma resposta foi dada para qual será o peso dos representantes dos beneficiários na gestão.