1.Persistimos na ideia (ou melhor, na constatação da realidade): algo de muito errado se passa no nosso país por estes dias. Afinal, o tempo novo prometido pela “geringonça” só se tem traduzido em incerteza, instabilidade e alguns euros a mais na conta, que rapidamente se irão dissipar. Sim, tal como acordámos da ilusão socrática que vivemos entre 2005 e 2011, com um pesado resgaste que muito nos custou e custa – iremos acordar certamente desta ilusão conveniente de António Costa de forma tragicamente brutal.
Para já, o modo de governar de António Costa – o seu estilo, a sua postura, até o seu discurso – tem sido pautado pela arrogância, pelo sectarismo e pelo mais grave desrespeito pelas leis que regulam o funcionamento e a actividade do Governo. Mais: este Governo já demonstrou que não se sente limitado nem pela Constituição, nem pelas leis que disciplinam a actividade administrativa do Estado e protegem os direitos dos cidadãos face aos seus poderes de autoridade pública.
Na cabeça (pouco?) pensadora de António Costa, é a geringonça e a sua vontade (leia-se, conveniência) política que condiciona a aplicação da Constituição e das leis – e não a Constituição e as leis que limitam o Governo da geringonça. No Portugal dos nossos dias, a conveniência pessoal de António Costa é lei. Dura Costex sed lex – vontade de Costa mesmo injusta é lei.
2.Todavia, felizmente, vivemos num Estado de Direito Democrático, cuja administração pública se rege pelo princípio da legalidade: a administração pública só poderá praticar os actos que a lei permite, segundo os procedimentos previstos na lei. E só podem decidir sobre certas matérias, as entidades a quem a lei confira poderes funcionais para tomar tais decisões. Vêm as considerações que expendemos a propósito da decisão do Governo de António Costa demitir os responsáveis pela aplicação do programa operacional “Portugal 2020”, escolhidos pelo Governo de Pedro Passos Coelho. O jornal “i” (cada vez mais o jornal que marca a actualidade, de forma independente e imparcial) informou-nos que foi o Ministro Manuel Heitor (Ministro da Ciência e do Ensino Superior) a demitir os responsáveis de uma entidade administrativa que está soba tutela…do Ministro da Economia!
E como demitiu? Por telefone, invocando razões tão ponderosas como “por nenhuma razão específica”, “ sabe como é…o seu lugar é um lugar muito apetecível”. Uma demissão por telefone, por uma razão política- a de substituir os dirigentes que já estavam em funções por “boys” ou amigos do PS de António Costa! É esta a razão implícita quando o Ministro do Ensino Superior invoca o carácter apetitoso do lugar! Perguntará o leitor mais atento: na prática, que consequências terá a imposição da vontade de António Costa, sem respeito nem pela decência, nem pela legalidade?
3.Ora, as consequências são as seguintes, quer de natureza jurídica, quer de natureza política:
1)Juridicamente, o acto administrativo de exoneração (de demissão, para simplificar) é nulo. Porquê? Porque se trata da prática de acto pelo Ministro do Ensino Superior sobre matéria da competência de outro Ministro, o Ministro da Economia – isto é, o Ministro do Ensino Superior é incompetente para tomar esta decisão. E é, segundo a doutrina e a jurisprudência mais acertadas, um acto nulo, pois se reconduz a uma incompetência absoluta ou incompetência por atribuição (os Ministérios, embora integrem o mesmo centro de interesses e decisão que é o Governo, consideram-se que são entidades administrativas com fins diferenciados). A decisão do Ministro é, pois, nula. Resta saber – num Governo dominado por especialistas de grande nomeada em matéria de Direito Administrativo – qual foi a motivação para António Costa mandar o Ministro Manuel Heitor praticar um acto que todos sabiam ser escandalosamente ilegal. Porquê? Sentimento de impunidade? Fica a pergunta;
2)Demitir um responsável administrativo por telefone e já como facto consumado. Para além de ilegal, este procedimento mostra que o Governo de António Costa é de um sectarismo como nunca se viu em quatro décadas de democracia. Honra lhe seja feita: nem mesmo José Sócrates se atreveu a tanto. Nem mesmo o Primeiro-Ministro com menos limitações morais e éticas possíveis, como foi Sócrates, alguma vez manifestou tamanho desrespeito para com as instituições, para com as pessoas, para com a legalidade administrativa. Ao pé de António Costa, José Sócrates é um menino de coro no que respeita ao despeito para com a democracia e seus procedimentos (a não ser quando lhe servem para chegar ao poder!);
3)Por outro lado, António Costa tem sido useiro e vezeiro naquilo a que nós, em Direito, qualificamos como administração informal. Isto é, ao lado da administração que se pauta pelos procedimentos e limitações legais, há uma administração pública que actua informalmente, sem (ou para além) de um procedimento segundo os trâmites que a lei prevê. Problema: a informalidade da administração viola os princípios da transparência, da democraticidade e, consequentemente, da legitimidade política da Administração Pública. Porquê? Simples: é que a administração informal – feita nos bastidores, nos telefonemas privados, nas jogatanas políticas – está excluída de qualquer controlo, quer político democrático (pela oposição na Assembleia da República), quer jurisdicional (agrava-se a dificuldade da prova em contencioso administrativo). E António Costa já provou gostar de actuar informalmente como expediente para fugir às imposições legais: recorde-se o caso do seu amigo Lacerda Machado, que assessorou o Estado na “reversão da privatização” da TAP sem contrato…Esta opacidade do Governo António Costa é altamente preocupante – não se admirem depois se surgirem várias suspeitas;
4) O Estado – porque a razão da demissão é a mera conveniência política – terá, muito provavelmente, de pagar uma choruda indemnização aos dois gestores afastados compulsivamente pelo Governo de António Costa. Ou seja: mais um encargo para os contribuintes portugueses, que sairá muito caro. Para quê? Para dar um lugar apetitoso para a máquina socialista a dois apparatchiks;
5) O Presidente da República é um catedrático de Direito Administrativo, com uma importantíssima obra publicada sobre a matéria (que abrange umas Lições de Direito Administrativo e dois tomos de Direito Administrativo Geral, em co-autoria). E o próprio Marcelo Rebelo de Sousa faz questão de repetir à exaustão que António Costa foi o seu melhor aluno. Ora, deverá ser frustrante para Marcelo perceber que o seu melhor aluno esqueceu-se rapidamente da matéria – e não lhe serviu para nada, na prática, os bons conhecimentos que obteve de Direito Administrativo ensinado pelo actual Presidente da República. Marcelo irá, certamente, puxar as orelhas ao seu aluno de Direito Administrativo indisciplinado. Pergunta: Marcelo Rebelo de Sousa reconheceu que tem entre os exemplos que quer seguir, o Presidente Jorge Sampaio. Ora, Jorge Sampaio demitiu Santana Lopes por “trapalhadas”. Não achará Marcelo Rebelo de Sousa que esta padrão de comportamento de António Costa é uma trapalhada – tão ou mais grave quanto as do Governo de Santana Lopes?;
6) Esta trapalhada monumental teve como efeito imediato o atraso na execução do “Portugal 2020”, gerando, na prática, o reinício do trabalho de coordenação e planificação. Quem perde? Portugal e a economia portuguesa. Merecíamos melhor. Muito melhor.
4.Nós julgávamos que a prepotência já tinha atingido o seu limite máximo com José Sócrates: enganámo-nos. António Costa veio mostrar que, num país geringonçado, nem mesmo o céu é um limite para a falta de decência. O que mais impressiona? A complacência com que a elite – incluindo a comunicação social dita de “referência” – acolhe casos como este, sem os denunciar firmemente. Haja o “i”!
5.Se é verdade que a democracia se constrói todos os dias – não o é menos que a democracia pode ser destruída todos os dias. António Costa comprova-o à exaustão…