Trabalho temporário: “Tábua de salvação” para segmento mais frágil

Jovens e desempregados de longa duração conseguem integrar-se no mercado de trabalho através desta atividade, diz associação do setor 

O trabalho temporário pode ser visto como uma porta de entrada para o mercado laboral e que ganha especial relevo em determinados segmentos, como os jovens, os desempregados de longa duração e os desempregados com mais de 45 anos. É desta forma que o presidente da Associação Portuguesa das Empresas do Setor Privado de Emprego (APESPE), Afonso Carvalho, vê a atividade destas empresas. “São estas duas franjas que apresentam o maior peso na lista de inscritos do Instituto do Emprego e Formação Profissional e os que têm maior dificuldade na colocação. Arrisco dizer que, hoje em dia, o trabalho temporário é uma das portas, se não a grande porta, de entrada para essas pessoas”, salienta ao i. 

De acordo com o responsável, no caso dos mais jovens, até podem ter formação, mas depois falta-lhes experiência, o que acaba por dificultar a sua entrada no mercado de trabalho. “É-lhes aberta uma porta que depois lhes permite escalar nas organizações ou ganhar diferentes experiências em diferentes organizações”, acrescenta o presidente da associação, que conta com 50 associados, representando 80% deste mercado.

Nos últimos anos, em resultado da crise que afetou o país, há ainda outro segmento de trabalhadores que recorrem às empresas de trabalho temporário com o objetivo de encontrarem um segundo emprego e, desta forma, conseguirem ter um rendimento extra.

Novo fôlego Afonso Carvalho admite que as empresas voltaram a recorrer ao serviço destas empresas depois de o setor ter sido fortemente atingido pela crise, o que levou ao encerramento de algumas. “O trabalho temporário começa a crescer antes de a economia crescer e, obviamente, quando a economia começar a crescer em força, o trabalho temporário decresce. Somos um verdadeiro termómetro da situação económico-laboral do país. Em 2009 bateu no fundo e, a partir daí, tem vindo a crescer”, mas, apesar deste ligeiro crescimento, algumas empresas que atuam neste mercado acabaram por fechar. Os motivos são vários: “Não só por questões meramente económicas, mas também devido a questões fiscais e à falta de capacidade financeira para manter a atividade”, revela o presidente da APESPE.
 Ainda assim, admite que este crescimento da procura varia consoante o setor de atividade. “De uma forma transversal, todos os setores estão com uma dinâmica interessante, mas obviamente que o setor do turismo, atividades ligadas aos centros de serviços partilhados e alguma indústria exportadora registam o maior impulso”, salienta.

Precariedade? Em relação às críticas que são feitas a este setor quanto aos vínculos dos trabalhadores, Afonso Carvalho diz não entender estas acusações e lembra que as empresas que prestam este tipo de serviços disponibilizam contratos legais, com remunerações similares às que se praticam no mercado para as mesmas funções, descontos para Segurança Social, subsídios de férias e Natal. “Essa questão da precariedade não se coloca, até porque precariedade é sinónimo de fragilidade e instabilidade, e não é disso que se trata. Muitas vezes consegue-se transformar um posto temporário num posto permanente”, acrescenta. 

E as vantagens não ficam por aqui, segundo o presidente da associação. De acordo com o responsável, as empresas que prestam este tipo de serviços assinam códigos de conduta, de ética, pagam os seus impostos e contribuem para a economia. E diz que, se há casos em que isso não acontece, então “as autoridades podem, e bem, intervir”. 

Afonso Carvalho lembra também que há casos mais graves e que não estão relacionados com este setor. “Mas porque é que não nos preocupamos com o trabalho informal, com o trabalho a recibos verdes e com outas formas de trabalho ilegal em que nada é contratualizado, em que não pagam impostos, em que não existem seguros de trabalho? Se quisermos priorizar os problemas em matéria laboral, estes são muito mais problemáticos do que o trabalho temporário. Sem falar que é uma indústria que contrata para os seus quadros milhares de pessoas, ou seja, dá emprego direto”, diz. 

Projeto com IEFP suspenso A ideia de contratualizar com as agências privadas a gestão e a colocação de desempregados inscritos no Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP), anunciada em 2012, parou ainda no anterior governo, mas Afonso Carvalho acredita que, “agora, dificilmente vai ver a luz do dia”. 

Na altura, o governo PSD/CDS-PP prometeu desenvolver dois projetos-piloto nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, abrangendo 10 mil desempregados com um determinado tipo de características: ter mais de 23 anos, estar inscrito nos centros de emprego há pelo menos 12 meses e ter subsídio de desemprego ou rendimento social de inserção (RSI). Se decorrido um ano, os centros de emprego não encontrassem colocação para estas pessoas, poderiam contratualizar com agências privadas a sua gestão.

O valor a pagar pelo IEFP por cada desempregado transferido para as agências privadas dependeria das respostas encontradas, mas teria de se traduzir na colocação num posto de trabalho. O anterior governo sempre argumentou que não estava em causa o financiamento da atividade das empresas privadas – como acusam os sindicatos –, mas a prestação de um serviço.

O caderno de encargos foi preparado pelo IEFP durante o ano passado e, quando mudou o governo, aguardava luz verde do Ministério das Finanças para que o concurso pudesse avançar. E o projeto continua suspenso até agora. Uma situação que, no entender de Afonso Carvalho, não faz sentido. “Independentemente dos atores que estejam envolvidos neste processo – empresas de recrutamento, de trabalho temporário, agências de colocação –, o problema continua a existir. A lista é enorme e o IEFP não arranja colocação para as pessoas que estão inscritas, e não existe qualquer solução para resolver o problema das duas franjas, os mais jovens e os mais velhos”, conclui.