Como já escrevemos aqui no SOL, nem António de Oliveira Salazar se atrevera a tanto: autorizar o acesso, indiscriminado e injustificado, do Fisco às contas bancárias dos portugueses, apenas porque sim. Apenas porque – malandros! – têm mais de 50 mil euros nas contas bancárias! Malandrecos de primeira! Potenciais criminosos na concepção de sociedade dos socialistas, agora convertidos às utopias comunistas e trotskistas…
2.Quais foram as razões invocadas pelo Presidente Marcelo para vetar a lei? O Presidente invoca argumentos jurídicos e argumentos políticos. Argumentos jurídicos: a aplicação a todos os portugueses, residentes fiscais ou não, sem razão lógica aparente; medida desnecessária, desproporcional, desrazoável face ao fim prosseguido (luta contra a evasão fiscal); o Fisco já dispõe de meios para prosseguir o mesmo fim, menos restritivo dos direitos dos contribuintes; a Comissão Nacional de Protecção de Dados colocou objecções à solução legal acolhida pelo Governo. Argumentos políticos: numa altura de instabilidade económica e ainda de risco financeiro, esta medida tornaria ainda mais frágil a situação do sistema bancário português, propiciando uma situação de “corrida aos depósitos”. Foi esta última razão que motivou, em termos decisivos, o veto do Presidente.
3.Muitos à direita, pese embora manifestem uma concordância global com o veto presidencial, suscitaram reservas quanto ao fundamento de ordem política avançado por Marcelo Rebelo de Sousa. Perguntam: se as objecções jurídicas são tantas, porquê “inventar” uma razão política rebuscada? Não têm razão.
Primeiro, a razão não é rebuscada: basta contactar o “país real” para perceber que a medida objectivamente criou um sentimento de alarme entre os portugueses, escaldados por uma Autoridade Tributária que pouco respeito tem para com os seus direitos.
Segundo, a prevalência que o Presidente Marcelo deu ao argumento político face ao argumento jurídico prende-se com a necessidade de evidenciar que as razões da objecção presidencial são de natureza política, que não só jurídica. O que justifica o veto político. Acaso as razões jurídicas pesassem mais, o Presidente não deveria vetar, mas sim enviar o diploma para o Tribunal Constitucional. Só mediante um juízo negativo quanto à conformidade constitucional do diploma do Governo de António Costa por parte do Tribunal, poderia então justificar o veto jurídico do Presidente.
4.Marcelo Rebelo de Sousa foi, pois, coerente: ao longo da sua vida de comentador e Professor de Direito Constitucional, sempre criticou a utilização pelos seus antecessores do veto político para inviabilizar diplomas que suscitavam dúvidas, essencial ou exclusivamente, jurídicas. Nós próprios criticámos aqui o actual Presidente por cometer o mesmo erro de desvio de poder presidencial logo nos primeiros meses do seu mandato. Logo, saudamos, desta feita, o respeito pela estrutura e pelo espírito da Constituição: Marcelo Rebelo de Sousa vetou politicamente invocando objecções políticas.
5.Posto isto, não podemos deixar de estranhar o comportamento de António Costa e do seu Governo durante este processo. Primeiro facto estranho: António Costa persistiu na aprovação da lei do (fim) do sigilo bancário, mesmo após as declarações críticas do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Todos, no Governo, já sabiam que o Presidente iria vetar o Decreto-Lei. Porquê insistir na sua aprovação, criando um braço de ferro com Marcelo Rebelo de Sousa – braço de ferro que era, logo à partida, uma derrota certa para António Costa e seu Governo?
Ainda para mais, António Costa tem fama (e proveito) de negociador nato. Como é possível que um negociador nato cometa um erro tão primário? A explicação é só uma: António Costa fez de propósito. António Costa quis deliberadamente provocar o veto do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa. Porquê? Fácil: o Primeiro-Ministro pensa que Marcelo é um político brilhante, mas com um défice de coragem política elevado. O socialista está convencido de que Marcelo vive amedrontado com a ideia de destruir o Governo das esquerdas, pelo que será sempre muito cuidadoso nas suas acções e decisões. A obsessão de Marcelo Rebelo de Sousa pela popularidade é, segundo António Costa, a um tempo ,a força e a fraqueza do Presidente da República.
6.Donde, António Costa preferiu avançar com um diploma com veto certo do Presidente à nascença – para se salvaguardar quanto às medidas que constarão do Orçamento de Estado para 2017. Em termos mais claros: o facto de Marcelo Rebelo de Sousa ter vetado o diploma do sigilo bancário confere uma protecção adicional ao Governo de que o Presidente não colocará objecções ao Orçamento de Estado para o próximo ano. Isto porque, atendendo ao perfil de Marcelo Rebelo de Sousa, o Presidente será incapaz de, num espaço de dois/três meses, protagonizar de chofre uma oposição à geringonça. Oposição que o colocaria ao lado da direita de Pedro Passos Coelho e a Assunção Cristas: esse é o maior pesadelo de Marcelo Rebelo de Sousa.
7.Concluindo: António Costa quis precipitar o veto de Marcelo para se salvaguardar quanto ao Orçamento de Estado para o próximo ano. O Primeiro-Ministro conta que o Presidente promulgue a Lei do Orçamento, embora apresente divergências políticas ao país (o já famoso “sim, mas…”). Enfim, Costa perdeu para ganhar – eis, pois, o negociador nato a dar provas de vida.
P.S – Conta-se, nos bastidores da política nacional, que uma prova da falta de coragem política de Marcelo é a sua recusa em usar a palavra “veto”. Parece que “veto” é uma palavra maldita em Belém, por estes dias…Para não dizer que vetou um diploma da geringonça, Marcelo utilizou a expressão mais pomposa de “ devolução, sem promulgação, ao Governo”. Com alguns jornalistas – imagine-se! – a jurarem que “devolução sem promulgação” não é o mesmo que “veto”!