1.A entrevista de António Costa, publicada no jornal “Público”, é genericamente uma boa entrevista. Boa, no sentido dos interesses pessoais e políticos imediatos de António Costa – os quais não se confundem necessariamente com o interesse de Portugal e dos portugueses. Boa, porque, no plano geral, a entrevista não incluiu as perguntas que poderiam ser mais incómodas para o líder socialista e os jornalistas optaram por não insistir nos pontos mais controversos.
O que se percebe: António Costa é uma pessoa muito complicada, muito irritadiço, que não tem qualquer pejo em se insurgir contra os jornalistas. E o gabinete de António Costa controla as entrevistas até ao mais ínfimo pormenor, o que não confere grande margem de liberdade aos entrevistadores…Por esta razão, normalmente não atribuímos qualquer relevância política às entrevistas de António Costa.
2.Dito isto, a entrevista revela três aspectos que importa reter:
1)António Costa deu esta entrevista para retomar a liderança política da geringonça e serenar os ânimos. Após o PCP e o BE assumirem o discurso radical e mais extremista, António Costa, antes da apresentação do Orçamento de Estado para o próximo ano, revela um discurso mais moderado, ao centro, adoptando um discurso aparentemente responsável, ciente dos compromissos europeus e da necessidade de atrair investimento privado. Ou seja: António Costa voltou a centralizar, em si, a política comunicacional do Governo, com dois fins: por um lado, estancar as sucessivas gaffes comunicacionais que estavam a prejudicar a imagem do Governo; por outro, preparar os portugueses para as medidas do Orçamento de Estado de 2017;
2) António Costa é contraditório. O que é natural: como António Costa não tem convicções, só conveniências, faz uma autêntica navegação à vista. Vejamos: por um lado, António Costa afirma que o será o Primeiro-ministro que melhor controlará o défice – não diz como. Bem pelo contrário: Costa só fala de medidas que consubstanciam aumento da despesa e nunca se refere a medidas ou meios para controlar ou reduzir a despesa. Se aumenta a despesa, se a receita não acompanha ou mesmo se se diminui – matematicamente, só poderemos, a breve trecho, agravar o nosso problema orçamental. Mais: António Costa promete apostar na captação de investimento privado estrangeiro. Como? Não diz: pelo contrário, o Primeiro-Ministro exponencia o receio real de instabilidade fiscal permanente! Que, por acaso, é o factor que mais afasta o investimento estrangeiro…e mesmo nacional! Como irá Costa promover o investimento, se a base de apoio é estrutural e visceralmente contra a iniciativa privada e o investimento privado? António Costa não explica. Além disso, António Costa já anunciou que vai mesmo avançar com o SUPER IMI e aumentar os impostos directos, designadamente o IVA. Caríssimos leitores, recordam-se quem, há bem pouco tempo, afirmava com violência que o aumento do IVA era a medida mais socialmente injusta, porque é um imposto cego, que afecta ricos e pobres de igual maneira? Quem? Pois bem, exactamente: o PCP e o BE e mesmo o PS de António José Seguro. E agora, calam-se? Já não acham que o aumento do IVA e da tributação indirecta é a medida mais socialmente injusta?;
3) António Costa entalou o BE e o PCP. O que revela o que nós já aqui antecipáramos: António Costa quer virar o jogo. Em que termos? A opinião dominante, pelo menos publicada, é a de que a geringonça é um risco para o PS, na medida em que pode conduzir à desagregação eleitoral dos socialistas em prol do BE (mais) e do PCP (menos). Ora, António Costa, nesta entrevista, mostrou que quer fazer o contrário – fazer o PS crescer, caminhando para a maioria absoluta, às custas do BE e do PCP. No fundo, António Costa quer esmagar, sobretudo, o BE, fazendo-o convergir com o PS. Isto explica as declarações de António Costa sobre Mariana Mortágua – Costa afirmou que o estilo do PS é diferente do estilo do BE. Como quem diz, “nós somos os moderados, o BE é o radical, embora nós, PS, somos tão ou mais preocupados com a justiça social que o BE”. Ou seja: António Costa quer transmitir a mensagem de que o PS é um partido com uma grande proximidade de ideias com o BE, com a única diferença de que o PS sabe fazer as coisas – e o BE não. Ora, para um eleitor do BE, tais declarações podem levar a pensar: “para quê votar BE?”. Mais vale, votar PS, porque defendem o mesmo que o BE, sabem fazer as coisas melhor do que o BE e têm mais força política para o fazer. Nossa interrogação: Catarina Martins, as “manas” Mortágua percebem o que está a acontecer? É que o interesse de Francisco Louçã em se aproximar do PS é claro – perfilar-se como possível candidato presidencial apoiado pelo PS daqui a uns anos…