Quando o amor pela fotografia lhe chegou, a visão era um sentido como todos os outros. Nunca damos atenção ao que não nos falta e João Maia não era exceção. Usava o verbo ver inteiro, de uma ponta à outra, da primeira luz da manhã até ao último negro da noite. E não se limitava a ver: guardava as imagens da retina com as lentes das câmaras. Há 13 anos, quando tinha 28, de forma inesperada, uma inflamação tirou-lhe a visão. Deixou de ver com os olhos, mas não deixou de fotografar as sensações do mundo. Aos 41 anos, João Maia foi um dos fotógrafos de serviço nos Jogos Paraolímpicos do Rio’16.
Nascido no Piauí numa família de dez irmãos, foi em São Paulo, com o trabalho como carteiro, que juntou os trocos para comprar a sua primeira câmara, uma Zenit de 35 mm, a mais barata que havia no mercado. Depois de cegar, o chamamento da fotografia foi guardado na gaveta e João virou-se repentinamente para outro degrau: a corrida. Já reformado por invalidez, começou no atletismo de forma profissional o que lhe valeu uma bolsa na faculdade. Cursou História e, como a história da vida da gente tem tantas curvas como uma pista de trail, a licenciatura empurrou-o novamente para a fotografia.
Juntou os saberes com a memória e começou a fotografar provas de atletismo “Fui atleta, conheço cada prova. Sei como os atletas se comportam”, disse à “VICE” brasileira. É este um trabalho para quem não vê? “Já fui questionado por amigos porque gostava de fotografias se não podia vê-las. Mas a fotografia não é só para ser vista, é para ser sentida. Fotografia é memória”, respondeu.
Uma memória que não deixa, no entanto, a técnica de lado. Tem um assistente para o ajudar na hora de ajustar a velocidade da máquina e também de selecionar as fotografias. “Não sei se estão borradas, desfocadas. Preciso sentar com alguém e ir discutindo. Sou muito exigente. Sempre pergunto se está borrada, torta”. A ajuda só existe mesmo na parte da técnica: para tudo o resto, João usa os sentidos. Desde o vento provocado pela corrida à trepidação do chão, tudo serve ao fotógrafo que tem ainda o que se considera resíduo visual. “Vejo vultos e cores. Percebo uma mancha colorida lá na frente, e é assim que me guio. Mas não sei a expressão do atleta, se ele está sorrindo, se está stressado. Preciso dessas parcerias para saber se o competidor está vestido de vermelho, de amarelo. Assim consigo distingui-lo dos outros.”
Com o material recolhido nos Paraolímpicos do Rio de Janeiro, João e outros sete fotógrafos – um deles em cadeira de rodas – vão lançar um documentário, um livro e ainda montar uma exposição. O projeto tem como nome um adjetivo que João Maia pode usar estampado numa camisola: “Superação”.
Apesar de se descrever como “privilegiado”, o fotógrafo que partilha o seu trabalho numa página do Instagram (joaomaiafotografo) diz que os equipamentos da indústria fotográfica estão ainda pouco adaptados a pessoas com deficiência
Queixa à parte, no seu discurso não há lugar para qualquer tipo de compaixão: “Não quero que as pessoas gostem das minhas fotos só porque sou deficiente. Quero que gostem pela técnica, pela qualidade, pelo enquadramento. Tenho toda a preocupação com essas questões”.