1.Ontem, realizou-se mais um debate presidencial nos Estados Unidos da América. Desta feita, não com a intervenção dos candidatos nomeados do Partido Democrata e do GOP, mas sim com os respectivos running mates – isto é, com as personalidades que acompanham os candidatos a Presidente no confronto eleitoral, concorrendo para o lugar de Vice-Presidente dos EUA. Significa que o Vice-Presidente é eleito se for eleito o Presidente que apoia.
Do lado de Donald Trump, o candidato a Vice-Presidente escolhido é Mike Pence – Governador do estado do Indiana, socialmente conservador, apologista do livre mercado e com uma cotação forte entre os membros do “Tea Party”. Foi precisamente a popularidade de Mike Pence entre a ala mais conservadora do GOP que terá determinado a aescolha de Donald Trump – ou, mais rigorosamente, dos Trumps. Isto porque conta-se que quem escolheu, de facto, Mike Pence foi a filha do empresário do imobiliário nova-iorquino, Ivanka Trump (cujas ambições políticas parecem não ficar limitadas à eleição de seu pai!…).
Do lado de Hillary Clinton, o candidato a Vice-Presidente é Tim Kaine, ex-Governador da Virgínia. Uma pessoa tida como encantadora e superiormente inteligente, tribuno excepcional, advogado muito competente, um activista político e social de méritos irrefutáveis. Missionário jesuíta nas Honduras, Tim Kaine tem a vantagem de falar fluentemente espanhol, o que poderá ser uma mais-valia para a consolidação e para a expansão da base eleitoral latino-americana de Hillary. Ao contrário do que muitos comentadores portugueses escreveram, nós julgamos que a escolha democrata para Vice-Presidente foi uma escolha muito inteligente e sensata. E pragmática, se nos detivermos exclusivamente ao critério eleitoral.
2.Posto isto, como correu o debate de ontem? A maioria das sondagens pós-debate publicadas nos EUA deram a vitória (tangencial) a Mike Pence, o “ticket” de Donald Trump. Muitos já anunciam um “comeback”, um retorno, uma lufada de ar fresco para a campanha de Donald Trump, a qual viveu dias muito difíceis na última semana. Desde a derrota no debate frente a Hillary Clinton (chegando mesmo a admitir a sua impreparação), passando pela polémica da sua recusa em divulgar as declarações de impostos, até às notícias de planeamento fiscal agressivo de que beneficiou (o que é contraditório com as suas proclamações anti-establishment e contra os centros de poder em Washington corrompidos) – pior era impossível (enfim, Donald Trump já demonstrou que é capaz de quebrar todas as impossibilidades…e tornar o impossível, possível!).
Pois bem, Mike Pence devolveu a esperança às hostes republicanas. No entanto, cumpre fazer uma precisão relevante: Tim Kaine esteve muito bem no debate, em termos substantivos, do conteúdo da sua mensagem – e muito mal em termos formais. Foi esta dualidade que criou a percepção, junto dos eleitores americanos, que Mike Pence ganhou o debate. É que Tim Kaine, durante uma parte substancial do debate, não deixou Mike Pence discorrer, interrompendo-o sistematicamente.
3.Resultado: Kaine pareceu arrogante, prepotente, quase autoritário, para além de inseguro. É que esta técnica argumentativa de interromper sistematicamente cria a sensação de nervosismo excessivo, de receio em perder e de cábulas minuciosamente decoradas, em vez de pensamento livre e de domínio das matérias. Por vezes, Mike Pence ainda nem sequer tinha explanado o seu raciocínio –e já Tim Kaine afirmava discordar. O que prova que Tim Kaine tinha a cartilha de Hillary Clinton bem estudada – mas foi tão ostensivo na sua reprodução que os cidadãos norte-americanos desconfiam.
4.Por seu lado, Mike Pence foi o inverso: calmo, seguro, muito cordial, confortável, assertivo quando se impunha e adoptando um perfil de verdadeiro patriota e de institucionalista. O Governador do Indiana não se coibiu de concordar expressamente com Tim Kaine quanto a matérias estruturais para os EUA. E até – imagine-se! – assumiu posições contrárias a Donald Trump, o que ninguém se atreveria a prever antes do debate. Pense-se, por exemplo, na questão da imigração ou no entendimento do conceito de “law and order”, já para não falar da visão sobre a importância da NATO.
5.Em suma, Mike Pence conseguiu duas proezas que, até ao momento, se revelaram inacessíveis a Donald Trump: primeiro, ganhar um debate; segundo, mostrar que um tom cordato, civilizado, sereno, embora assertivo – pode ser politicamente bem mais vantajoso e letal que um tom arruaceiro, quase difamatório e feito de tiradas espectaculares.
6.Facto a reter: aconteça o que acontecer, para a História, já não se poderá dizer que Donald Trump sai sem vitórias…Já conseguiu uma – Mike Pence ofereceu-lhe a vitória no debate de ontem. Será que Donald (com o seu ego ainda maior que os EUA, a Rússia e a China juntos) conseguirá capitalizar a seu favor? Veremos nas próximas semanas.