Mas este escrutínio tem uma particularidade. Ao contrário das anteriores cinco votações informais, serão conhecidos os votos dos membros permanentes – Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido -, e todos eles com direito de veto. Quando tudo parecia a favor do português, chegou a má notícia: Moscovo quer uma mulher e proveniente da Europa de leste, logo pode vetar o candidato português e, se isso acontecer, é o fim.
Ainda assim, nada está garantido. Tendo isto em conta, quais são os prós e os contra do ex-primeiro-ministro português?
Pros:
Processo transparente e aberto Pelo primeira vez, o processo de seleção do secretário-geral da ONU tem-se regido pelos princípios da transparência e da abertura. Ao contrário de processos anteriores, em que quase nem se sabia quem estava na corrida, em dezembro de 2015, Mogens Lykketoft, na altura presidente da Assembleia-Geral da ONU, e a embaixadora dos EUA na ONU, Samantha Power, assinaram uma carta a instar os países a apresentarem os seus candidatos, concorrentes que foram submetidos a audiências públicas e privadas, para além de um debate e das votações informais (ver caixas ao lado). Recorde-se que a candidatura de António Guterres foi apresentada pelo governo português em fevereiro, ao contrário da de Georgieva.
Bons resultados nas audições e no debate Tal como os restantes candidatos à liderança da ONU, António Guterres foi submetido a um debate público com os restantes concorrentes e a audiências públicas e privadas, onde partilhou a sua visão e os seus objetivos para as Nações Unidas. Em todas elas, o português teve uma boa performance, reforçando a sua liderança em relação aos seus rivais.
Vencedor das votações informais O Conselho de Segurança já realizou cinco votações informais e em todas elas o português foi o melhor classificado. Na primeira, a 29 de julho, Guterres teve 12 votos de encorajamento e três abstenções. Na seguinte, que se realizou a 5 de agosto, teve 11 encorajamentos, dois votos de abstenção e dois de desencorajamento. Na terceira, a 29 de agosto, manteve os votos de encorajamento e obteve três desencorajamentos e uma abstenção. Na quarta e quinta votação teve os mesmos resultados: 12 votos de encorajamento, dois de desencorajamento e uma abstenção. Por estas votações informais, Guterres está no bom caminho.
Vasto currículo O percurso profissional de António Guterres pode ser um ponto a favor para a votação de hoje. Foi primeiro-ministro entre 1995 e 2002, tendo-se demitido do cargo após a derrota nas eleições autárquicas. Em ambos os mandatos, o português governou com maioria relativa, situação que denota a sua capacidade de negociação.
Em 2005 deu o salto para as Nações Unidas. Esteve no Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), organismo que dirigiu durante dez anos. Não é por isso uma cara estranha nos corredores do edifício nova-iorquino.
Apoio da diplomacia portuguesa O candidato português tem contado com o apoio e a experiência da diplomacia portuguesa. E é longa a sua lista de feitos: esteve por trás da campanha de Durão Barroso para a Comissão Europeia e da entrada de Portugal para membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas; ajudou ainda na nomeação de Freitas do Amaral como presidente da Assembleia-Geral da ONU e na escolha de Sampaio como enviado da organização. Isto sem falar no sucesso que teve na candidatura de Guterres para o ACNUR.
Igualmente importante tem sido o apoio do governo e do Presidente da República, que muito se envolveram nesta corrida do português a secretário-geral.
Contras:
Crónica do Wall Street Journal critica gestão do ACNUR Uma crónica do “Wall Street Journal”, com o título “Quem vai liderar as Nações Unidas?” e publicada no passado dia 23, acusava o ex-primeiro-ministro português de “sempre ter gerido mal” o Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR).
O cronista do jornal norte-americano dizia mesmo que uma auditoria interna dava conta de que Guterres era “incapaz de cumprir regras, proteger bens das Nações Unidas, providenciar dados financeiros corretos e conduzir operações eficazes”
Rússia quer mulher e da Europa de leste A Rússia afirmou esta semana que gostaria que o próximo secretário-geral da ONU fosse uma mulher e proveniente de um país do leste da Europa.
E Moscovo é um dos membros permanentes do Conselho de Segurança, isto é, pode vetar Guterres. Caso este cenário se verifique, é o ponto final na corrida para o português.
Numa fase inicial, com a troca de acusações entre a Alemanha e a Rússia – Merkel terá tentado fazer lóbi por Georgieva e Moscovo não gostou -, tudo indicava que os russos poderiam apoiar Guterres. Ideia reforçada quando a Rússia disse que nada teve a ver com a candidatura de última hora de Georgieva, tendo mesmo chegado a pedir explicações à Bulgária, uma vez que a também búlgara Irina Bokova, diretora- -geral da UNESCO, decidiu que iria manter a sua candidatura. Esperança que veio agora por água abaixo.
Georgieva cumpre todos os requisitos Apesar de ter surgido com uma candidatura tardia, Kristalina Georgieva parece cumprir os requisitos informais que estiveram em cima da mesa desde o primeiro dia da corrida: é mulher – até hoje nunca houve nenhuma na liderança da ONU – e é da Europa de leste, característica que respeita o princípio da rotatividade geográfica. O atual secretário–geral, Ban Ki-moon, já disse que gostaria que o seu sucessor fosse uma mulher, e a búlgara conta agora com o apoio da Rússia (ver caixa ao lado).
Isto sem falar no seu percurso profissional, que passa pelo Banco Mundial e pela Comissão Europeia.