1.O 5 de Outubro – agora, novamente feriado – teve um significado especial este ano: confirmou-se que António Guterres será o próximo Secretário-Geral da ONU. Para nós, a eleição do português sempre foi o cenário mais plausível, atendendo à correlação de forças vigente no seio do Conselho de Segurança da ONU, bem como aos vários apoios que António Guterres foi granjeando, após os seus desempenhos notáveis (isentos de qualquer erro!) nas audições a que foi submetido perante a Assembleia-Geral da organização internacional que visa garantir e promover o concerto entre as Nações.
É este um facto notável, histórico, para Portugal? É, sem dúvida. Um nosso compatriota alcança o mais alto cargo internacional – e reforça a ideia da excepcionalidade portuguesa. Apenas em duas décadas, personalidades portuguesas ocuparam os lugares políticos internacionais cimeiros: Diogo Freitas do Amaral, Presidente da Assembleia-Geral da ONU; José Manuel Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia durante dez anos; e agora, António Guterres, Secretário-Geral da ONU.
Um país com a dimensão de Portugal alcançar estes lugares na política internacional – ao que acresce os méritos dos nossos investigadores, desportistas, académicos, empresários por esse mundo fora – é um feito inédito. Único. Porque única é a Nação portuguesa. Porque único é o povo português. Para um patriota, como é o nosso caso, receber uma notícia destas, no dia em que se comemora a implantação da República (pese embora ser patriota está acima, em termos valorativos, do ser-se republicano), é um facto que perdurará na nossa memória – pessoal e colectiva – para a eternidade.
2.E esta nomeação de António Guterres é mérito de quem? Em primeira linha, deve-se ao mérito do candidato, cujas qualidades humanas (e algumas políticas) são irrefutáveis. É um homem que não gosta de decidir, sendo mesmo “decisófobo” – mas que estimula, inspira, persuade à acção. E mostra que é uma mais-valia política ter convicções – e não apenas conveniências, como é apanágio de muitos políticos que ocupam os “papéis principais” na política portuguesa actual.
Não alinhamos com a frase bombástica de Marcelo Rebelo de Sousa que diz que “ António Guterres é o melhor de todos”, tentando converter o socialista português num mito vivo. Por nossa parte, sabemos apenas que António Guterres é excepcional, certamente um dos melhores de todos nós – e não é um mito vivo; é, isso sim, um ser humano cheio de vida. E ser-se um “humano” com “humanidade” e com a “humanidade” é o melhor que poderia acontecer ao mundo (caótico) em que vivemos. De mitos vivos, de “melhores de todos nós”, já estamos todos – “cidadãos do mundo” – fartos…
Em segundo lugar, há mérito da diplomacia portuguesa. O seu trabalho incansável, eficaz, embora discreto (ou eficaz porque discreto), criaram condições objectivas para a vitória de António Guterres. Portugal e o povo português podem contar com a qualidade, o patriotismo e o empenho dos seus diplomatas. Só uma diplomacia melhor do que a melhor do mundo poderia obter os resultados que, nas últimas décadas, Portugal alcançou no topo da política internacional.
Em terceiro lugar, não podemos deixar de salientar a postura institucional, o sentido de Estado e o compromisso com o interesse de Portugal (e não meramente partidário ou pessoai) revelados por António Costa e Pedro Passos Coelho. O nosso Primeiro-Ministro esteve à altura do desafio, reconhecendo o trabalho anterior do Governo de Pedro Passos Coelho e prosseguindo-o.
Por outro lado, Pedro Passos Coelho soube ser firme contra alguns interesses pessoais de alguns militantes do PSD (que apoiavam a búlgara Kristalina Giorgieva) e “bateu o pé” a Angela Merkel e ao PPE (força política europeia a que o PSD pertence). Numa altura em que desconfiamos de tudo e de todos, e em que os políticos não nos deixam acreditar no regular funcionamento das instituições democráticas – eis que Pedro Passos Coelho e António Costa mostram que é possível trabalhar em conjunto, mantendo as respectivas divergências, em prol do superior interesse da Nação portuguesa.
3.Uma questão derradeira: porque mereceu António Guterres tamanha aclamação entre os membros do Conselho de Segurança (pese embora vozes menores que se mostraram “chocadas” e “incrédulas” com a escolha do português)? Para além do mérito pessoal que já aflorámos, nas linhas anteriores, há ainda razões de ordem de política internacional. Os leitores mais atentos do SOL recordar-se-ão que nós escrevemos, em Abril, que António Guterres iria ser o próximo Secretário-Geral da ONU (iria dar o “pumba na Irina!”, candidato então mais bem posicionada para disputar a eleição com António Guterres).
A nossa análise partia dos seguintes pressupostos: a Alemanha e a Rússia iriam apoiar uma candidata da Europa de leste – o que permitiria unir em torno de António Guterres os EUA, o Reino Unido, a França e a China. A Rússia acabaria por apoiar António Guterres para garantir a unanimidade, até porque as relações diplomáticas com Portugal são amistosas e estáveis.
O que sucedeu entretanto? Os EUA, que mantiveram uma posição neutral e tinhampreferência pelos critérios de género e regional, alteraram a sua posição assim que a Rússia declarou o seu apoio a Kristalina, instigada por Angela Merkel. Nesta conjuntura internacional – e com o momento de política interna decisivo que se vive nos EUA -, o Presidente Barack Obama não poderia apoiar a mesma candidata que a Rússia (lembre-se que um dos argumentos de Hillary Clinton contra Donald Trump é a proximidade e a admiração do republicano a Putin).
Além disso, a Alemanha desencadeou uma guerra comercial com os EUA – ora, caso vencesse a candidata de Angela Merkel, a Alemanha reforçaria ainda mais o seu peso na União Europeia e, logo, no quadro político internacional. Seria inadmissível para a Administração de Barack Obama. E ainda bem!
A isto acresce, as relações diplomáticas e os interesses económicos da China em Portugal, o que tornaria insustentável qualquer veto deste Estado à candidatura de António Guterres; a posição singular do Reino Unido pós-Brexit, a quem não interessava uma candidata de Leste, nem tão pouco o reforço da posição de Angela Merkel, para além da Aliança histórica com Portugal, que (como muito bem lembrou a nossa diplomacia às autoridades do Reino de Sua Majestade) impediria o veto do Reino Unido e a França, cujo Presidente é um socialista e conhecido de António Guterres, e estava prestes a declarar o apoio à candidatura do português. Por outro lado, seria um erro político colossal François Hollande colocar-se ao lado de Angela Merkel, “cedendo” ainda mais poder à Alemanha. Já para não falar que o tema mais candente a nível internacional é o problema dos refugiados – área em que António Guterres se notabilizou. Angela Merkel foi, pois, decisiva para a vitória do português!
4.Em suma: António Guterres foi brilhante e audaz na construção e afirmação da sua candidatura. E como a sorte acompanha os audazes, a sorte acompanhou Guterres: verificou-se um conjunto de razões e circunstâncias de política internacional que reforçaram a candidatura de António Guterres, e prejudicaram outras…Neste caso, o político foi mesmo o político e a sua circunstância.
5.Este texto já vai longo. Vimos os responsáveis pela escolha de António Guterres. Vimos as razões de geopolítica que justificam (ou proporcionaram) a escolha de António Guterres. Vimos como António Guterres beneficiou de circunstâncias políticas várias que levaram à unanimidade em torno do seu nome. Disto tudo, o que importa lembrar? Apenas uma ideia:
Muitos parabéns, António Guterres! Muitas felicidades e êxitos neste novo, difícil e relevante, desafio!
P.S – Um dia, Marcelo Rebelo de Sousa e António Guterres vão recordar-se, com alegria e boa disposição, daquele jantar em que António Guterres sai definitivamente da corrida a Belém, para lançar a sua candidatura à ONU. Foi em Janeiro de 2015. A partir desse momento, Marcelo tomou a sua decisão e ficou apenas à espera das legislativas. Um ano e meio depois, Marcelo é Presidente da República – e António Guterres é Secretário-Geral da ONU. Os dois jovens do “Grupo da Luz” concretizaram os seus sonhos – o que é um sinal de esperança para todos nós. Deus é mesmo grande! E qual foi o jornal que deu conta, após este jantar, da desistência de Guterres, da candidatura certa de Marcelo à Presidência e da corrida de Guterres à ONU? Foi o SOL (julgamos que em texto assinado por José António Lima), pois claro! Assim se constrói e reforça a credibilidade do jornalismo. Assim se vê a importância do SOL – e de como o SOL brilha sempre mais e primeiro…