Faer: é daí que vem o nome das ilhas que se perdem no Mar do Norte, a meio caminho tripartido entre as Shetland, a Noruega e a Islândia. Faer quer dizer ovelha. Ilhas das Ovelhas, portanto, é aí que Portugal vai jogar no dia 10 de outubro, este mês que agora chega em todo o seu acastanhado esplendor. Mil trezentos e noventa e nove quilómetros quadrados – quarenta e nove mil habitantes, mais um ou menos um. No mundo do futebol, um pigmeu atirado para a luta contra os grandes que já lhe valeram enormes e consecutivas goleadas. mas também uma vitória histórica, frente à Grécia, em Atenas, por 1-0, aquela que o jornal inglês The Guardian estabeleceu como o triunfo mais marcante do ranking da FIFA – as Ilhas Féroe ocupavam o 187.º lugar e a Grécia o 18.º, 169 de diferença. De truz! Ainda por cima, no jogo da vingança, na jornada de resposta, nova vitória, agora em casa: 2-1. Ficou guardado nas memórias, mas não se tornou um hábito.
As Ilhas Féroe são uma daquelas situações híbridas em que a política e o futebol se juntam para criar algo de confuso. Território autónomo do Reino da Dinamarca desde 1948, mas não membros da União Europeia; membro da FIFA desde 1988. Até julho desse ano, a seleção das Féroe, que surgiu pela primeira vez em 1930, limitava-se aos confrontos atlânticos e particulares com a Gronelândia, as Ilhas Orkney e Shetland._Assim muito em casa, como se vê.
Tudo mudou, agora. A presença nas fases de apuramentos dos campeonatos da Europa e do mundo passaram a fazer parte da vida de uma equipa que continua bucolicamente mergulhada no poço do ranking: é 111.ª.
Entre as ovelhas, a bola rola: o futebol é o desporto mais popular das 18 ilhas que formam o arquipélago, embora o andebol tenha mais sucesso internacional e o remo seja o desporto nacional. Mais de 5000 jogadores estão federados e o campeonato da I Divisão – comercialmente apelidado de Vodafonedeildin – é disputado por dez equipas, tendo tido a sua primeira edição em 1942. A partir de 1990, data em que se filiaram na UEFA, investiu-se em campos relvados, algo que nunca se houvera visto na região. Agora, o Tórsvollur, erguido em Gundadalur, nos arredores da capital Tórshavn, tem capacidade para 6.000 espetadores e é o estádio no qual as Ilhas Féroe recebem os seus adversários, tendo-lhes calhado Portugal, Suíça e Hungria como cabecilhas do Grupo B, a somar a Letónia e Andorra.
Se, perante estes nomes, parece estarmos numa nova dimensão do Senhor dos Anéis, imaginem como soam os clubes feroeses: Fuglafjorour, Streymur, Tvoroyri, Royn Hvalba, Miovágurm, e os ligeiramente mais conhecidos, B68 Toftir e B36 Tórshavn, este já campeão por 11 vezes. É também de Tórshavn o maior clube das ilhas: Havnar Bóltfelag, ou Clube do Porto, felizmente para quem não é local mais famoso pelas iniciais, HB, fundado em 1904, vinte e duas vezes campeão e vinte e seis vezes vencedor da Taça, tendo participado nas antigas Taça UEFA e Taça dos Vencedores de_Taças e, mais recentemente, nas pré-eliminatórias da Liga dos Campeões e Liga Europa, num total de 48 jogos internacionais, algo de muito bom para a realidade ínfima daquilo que falamos.
Podemos, no entanto, ir ainda mais atrás no tempo, aos primórdios do futebol nas_Féroe, no já esquecido ano de 1892, data da fundação do Tvoroyrar Bóltfelag, o primeiro de todos os clubes. O futebol jogava-se onde calhava e quando as condições atmosféricas o permitiam. Se era profundamente amador, nesse final de século, continua a ser semiprofissional, agora que se cruza com o campeão da Europa ferido pela recente derrota na Suíça. E não se despreze assim por dá cá aquela palha a seleção feroesa que, para já, até vai na frente de Portugal na classificação do grupo pois resistiu à Hungria e empatou em casa na primeira jornada: 0-0. Nada como desconfiar: não foi há muito tempo que uma seleção nacional vice-campeã da Europa empatou no Liechtenstein por 2-2. É que na última fase de apuramento para o Campeonato do Mundo de 2014, as Ilhas Féroe defrontaram a Alemanha (que viria a ser campeã) de peito feito, saindo dos dois confrontos com derrotas razoáveis (ambas por 0-3) e que não envergonham ninguém. E, em 2011, a Itália foi a Tórshavn vencer apenas por 1-0, num encontro que foi festejado com laivos de vitória.
A bola pode deslizar por entre as ovelhas, mas mais vale não os encarar como cordeiros que esticam docilmente o pescoço para o sacrifício inevitável.