Partir a louça toda será expressão demasiado gasta para continuarmos a escrevê-la, mas na apresentação da sua coleção Primavera/Verão para 2017 Nuno Gama trouxe-a de volta de uma forma que não nos deixa grande alternativa. Era o desfile que abria o segundo dia de mais uma edição de ModaLisboa, o único aberto ao público e fora dos espaços habituais, o Pátio da Galé e a Praça do Município, um desfile partido entre os barcos guardados no Museu da Marinha e a Praça do Império, em Belém. Local mais do que apropriado para aquilo que Nuno Gama tinha para dizer na apresentação desta sua "Luzboa".
"Há um fator histórico que me continua a encantar que é um bocadinho aquela promessa do Quinto Império e que diferença é que podemos fazer enquanto portugueses. Acho que esta coisa da palavra pode fazer muita diferença", explicou o designer no final do desfile que assinala os seus 30 anos de carreira. "Não sei se nós vamos construir alguma ponte nova para o mundo mas acho que podemos falar como eu falei aqui hoje, cada um da sua maneira, e que todos juntos podemos marcar a diferença."
A palavra é o que se viu durante todo o desfile, na verdade tomou mesmo conta dele, atenções todas voltadas para os pratos com que os modelos desfilaram. Fascista, tribos, suburbano, monhés, muçulmano, discriminação, azeiteiro, terrorista, burgesso, cristão, badalhoco, analfabeto, feminismo, nacionalista, branco, rico, só alguns, a lista interminável, a suficiente para encher a praça, queimada pelo sol como os tons dos coordenados desta coleção: os neutros urbanos do calcário, da amêndoa, moka e azeitona, com alternâncias entre o comprido e o curto, o justo e o largo, pontuados por um toque com tanto de colegial como de militar.
Badalhoco, preconceito, reacionário, bissexual, mitra, as palavras continuam a desfilar nestes pratos que no final serão mesmo para atirar ao chão, depois as cores da bandeira e um grande abraço coletivo. "Partir a desunião, construir o abraço", diz Nuno Gama sobre o que foi este seu exercício de "perceber quem é o português contemporâneo e o português contemporâneo que vive no mundo" e fazê-lo sem muros nem fronteiras, no que diz ser uma “Mensagem”com a nova pele com que chega aos dias de hoje.