1.Parece que terminou há momentos a acção de marketing da UBER (a maior de sempre no nosso país), promovida pela ANTRAL do Sr. Florêncio de Almeida, que os portugueses já se habituaram a ouvir com bonomia e complacência divertida.
Nunca a UBER foi tão estimada, sequer conhecida, pela grande maioria dos portugueses: os taxistas, ontem na cidade de Lisboa, deram a ideia ao país que os motoristas da Uber são civilizados, polidos, cosmopolitas, tolerantes e respeitadores das leis democraticamente aprovadas pelos representantes do povo português.
E que têm respeito pela vida, e necessidades, dos concidadãos portugueses que querem trabalhar, deslocando-se para os respectivos locais de trabalho e para as suas casas no final do dia, não impedindo a circulação em qualquer rua da capital portuguesa.
1.1.Os motoristas da UBER são, hoje, considerados como bons profissionais, civilizados, competentes – já os taxistas, na percepção da opinião pública, são agressivos, intolerantes, irascíveis e violentos. Foi esta a realidade que as várias imagens divulgadas pelos jornais e pelas estações de televisiva mostraram, ao longo do dia de ontem.
1.2.Ou seja: os taxistas foram mais eficazes na promoção da UBER do que qualquer acção de marketing que a empresa de origem norte-americana poderia, alguma vez, definir. E teve ainda o bónus de ser uma acção promocional totalmente gratuita – a UBER ganhou muito, sem gastar nada.
2.Os taxistas tiveram a gentileza de financiar (com roulottes, projectores e até a visualização do jogo Portugal vs. Ilhas Faroé na Rotunda do Relógio) a acção de marketing da UBER, aumentando o seu valor reputacional – e enfraquecendo, na mesma medida, a reputação dos taxistas.
As imagens de crianças assustadas com as reacções dos taxistas e as histórias contadas nas redes sociais de filhos e filhas que a eles se referem como os “maus” – terão um impacto negativo na imagem pública dos taxistas que dificilmente será recuperável. É injusto? Em larga medida é injusto, pois a maioria dos taxistas são pessoas cordiais, bem formadas e que prestam o seu trabalho com profissionalismo. Mas, por vezes na vida, as minorias negativas impõem-se às maiorias (positivas) – este é um caso emblemático (e sê-lo-á por muito tempo).
3.Posto isto, e quanto à matéria de fundo – têm razão os taxistas contra à UBER, nas suas reivindicações? Independentemente da resposta que formularmos a esta questão, impõe-se salientar que os taxistas estão a tentar caminhar ao arrepio da História. Em detrimento de acompanharem a evolução da sociedade, da economia e das formas de comunicação – os taxistas preferem conservar privilégios e estatutos próprios da sociedade da década de 70, de 80 e já menos de 90, muito menos do novo milénio, ainda menos das últimas décadas.
Em vez de aproveitarem as oportunidades da nova sociedade, atraindo novos consumidores – os taxistas preferem ser protegidos por regras jurídicas, pelo poder político, pelo Estado, mesmo que os seus privilégios prejudiquem os restantes membros da sociedade, que são seus concidadãos.
De facto, o que estão a tentar conseguir os taxistas? Imporem-se, pela força e pela coacção, ao poder político, tentando capturar os decisores políticos para tomar medidas que mantenham o monopólio dos táxis contra os direitos dos consumidores.
3.1.Note-se que os taxistas não querem que o Estado aprove um enquadramento legal para a actividade da UBER: o Governo apresentou um diploma legislativo que nos parece equilibrado; mesmo assim, os taxistas impediram o regular acesso na cidade de Lisboa ontem. E apelam aos deputados (designadamente, ao Grupo Parlamentar do PCP) que provoquem a apreciação do diploma do Governo na Assembleia da República – bem como ao Presidente da República no sentido de vetar o diploma. Donde, a verdadeira intenção dos taxistas é só uma: a de impedir, em absoluta, actividade da UBER e da Cabify.
3.2. Isto é, querem que o Estado (que nos representa a todos) defenda os interesses deles, taxistas, em exclusivo. Que é o mesmo que dizer, que o Estado defenda os interesses privados (dos taxistas) contra os interesses de todos (de todos nós, consumidores). Ora, o Estado só pode defender o interesse público, sob pena de desvio de poder. Logo, os taxistas acusam a UBER de fazer, precisamente, o que os taxistas estão a fazer – mover influências, jogos políticos e impor interesses às autoridades que decidem.
Por outro lado, esta é uma oportunidade histórica perdida para os taxistas. Porquê? Por uma razão muito simples: se o verdadeiro problema dos taxistas é a distorção da concorrência gerada pela disparidade de obrigações legais impostas aos proprietários e motoristas de táxis em comparação com aquelas impostas (que são nenhumas, até ao momento, também por culpa da teimosia do Sr. Florêncio de Almeida) à UBER, então, a conclusão lógica seria a de que os taxistas irão exigir um tratamento idêntico: regras menos exigentes para o exercício da profissão; custos de entrada menores; mais liberdade de iniciativa privada.
É precisamente o contrário: os taxistas só querem mesmo é manter essas regras para impedir a entrada de novos agentes de mercado –ou seja, só quer mesmo é matar a UBER. Assim se vê, a má fé das associações representativas dos táxis. E nós estamos à vontade, pois já defendemos que os taxistas têm razão quanto à denúncia de ausência de regulamentação legal da actividade da UBER e outras empresas afins.
Só que a perderam totalmente, quer pela atitude revelada, quer pelas exigências formuladas, visceralmente incompatíveis com o interesse público: de razão inicial passaram à desrazão superveniente. Quem beneficia? A UBER, mais uma vez. E ainda bem para os consumidores e para o funcionamento do mercado (ou, se preferirmos, ainda bem para o funcionamento do mercado e, logo, ainda bem para os direitos dos consumidores).
4.Se os taxistas quiserem viajar (de táxi ou de…UBER) para o futuro, negociando novas condições, novos requisitos legais mais ajustáveis aos novos tempos, aceitando a livre concorrência e o funcionamento da economia de mercado – muito bem: o Governo deverá encetar um diálogo construtivo, rectificando alguns detalhes do regime legal já apresentado.
Se a intenção dos taxistas for apenas a conservação dos seus privilégios e interesses, mantendo uma posição de mercado exclusiva, em prejuízo dos consumidores (lembre-se que a reivindicação dos taxistas que nós conhecemos passa por aumentar a bandeirada, em certos dias, para seis euros e meio!) – então aí, o poder político deve defender intransigentemente o interesse público. O Governo não pode ceder, nem pactuar com ameaças de bloqueios de estradas, sob pena de perda da autoridade democrática do Estado. Era só o que faltava se o Governo cedesse devido à coacção de grupos profissionais ou económicos – ou apenas para agradar às clientelas do PCP…A geringonça tem aqui uma oportunidade de mostrar que não brinca com o Estado – que é dizer, que não brinca (tão ostensivamente!) com os portugueses…