1.Nos EUA, a polémica continua e parece não ter fim: o vídeo publicado na passada semana em que Donald Trump conta como aproveitava o seu poder e posição privilegiada em empresas ligadas ao entretenimento e à moda para se aproximar sexualmente de mulheres, empregadas ou colaboradoras das suas empresas. Sem descer ao nível altamente censurável das declarações de Donald Trump, este foi o teor da conversa, tida nos bastidores de um programa em Los Angeles há onze anos.
2.A divulgação deste vídeo já ocupou definitivamente o seu lugar na história: a partir da sua divulgação, tornou-se certa a vitória de Hillary Clinton – e a derrota, por uma margem significativa, do candidato do GOP. A sociedade americana, ao contrário do que muita inteligência portuguesa julga, não é estúpida – pelo contrário, é muito rigorosa na avaliação dos comportamentos e atitudes dos seus políticos.
Porquê? Porque, ao contrário do que sucede entre nós, há uma percepção generalizada de que a personalidade, o feitio e o modo de ser e de estar habitual dos políticos e dos candidatos condiciona o desempenho das suas funções públicas.
Se os americanos pretendem eleger um Presidente que seja um modelo de virtudes cívicas, de humanidade e de competência – terão previamente de averiguar se o padrão de comportamento dos candidatos preenche tais exigências. Enfim, se o comportamento habitual dos candidatos gera a expectativa e a confiança de que o seu líder será uma referência para a sociedade e uma inspiração para as gerações vindouras. Quem se “comporta mal” na sua vida privada – também se “comportará mal” na sua vida pública.
3.Para nós, o mais censurável na história do vídeo de Donald Trump nem são as suas declarações abjectas que “coisificam” a mulher e, logo, ofendem a sua dignidade: o mais grave foi, isso sim, a reacção de Trump à divulgação do vídeo. Em vez de se esforçar em pedir desculpa sem reserva mental, sem qualquer resistência psicológica – o candidato do GOP (será que ainda o podemos tratar assim?) resolveu criar a doutrina do “locker room talk”, isto é, da “conversa de balneário”. E nós ouvimos algumas comentadoras conservadoras a reforçarem a tese de Trump com a mítica frase: “ what happens in the locker room, stays in the locker-room”. O que acontece no balneário, fica no balneário…
Daqui resulta que a defesa politica de Trump consiste na invocação de uma natureza especial do balneário que estimula estas declarações de cunho mais sexualmente desabrido ou de machismo exacerbado. Neste sentido, o filho de Trump – Donald Jr. – afirmou mesmo que se tratou de uma conversa entre “machos-alfa”, num contexto de “machos-alfa”. Ou seja: Donald Trump (e o seu filho) não configuram nenhum problema no conteúdo das declarações – o único problema foi a sua divulgação pública, a sua transição da esfera privada para a esfera pública. Ora aí está: este é que é verdadeiramente o problema!
4.A emenda foi pior que o soneto! A justificação enfraqueceu ainda mais Donald Trump: implicitamente, a campanha de Trump está a reconhecer que o seu candidato pensa realmente e até repetiria o que disse sobre as mulheres, desde que fosse no contexto de balneário ou noutro similar! Trump não consegue perceber a imoralidade, o embaraço e vergonha das palavras que proferiu! E quem quer liderar o mundo livre não pode ter uma visão medieval da liberdade individual das mulheres.
Donald Trump poderia ter formulado um pedido sincero e inequívoco de desculpas. Donald Trump poderia ter explicado que o vídeo já tem onze anos, que se tratou de declarações infelizes num contexto próprio e único, que não se repetiram – e que ele, entretanto, ganhou consciência, tornou-se um homem que valoriza a família acima de tudo (incluindo dos negócios), sente-se envergonhado porque a própria filha (que tem sido fantástica na campanha até ao momento), entretanto, também já constituiu família e iniciou carreira e, portanto, ele próprio repudia aquelas declarações.
Donald Trump poderia ter anunciado que colocará a defesa da igualdade e da promoção do estatuto da mulher como suas prioridades políticas – que, aliás, é uma decorrência lógica do princípio da justiça: a mulher é o ser mais inteligente, arguta e completo à face da Terra.
Nada disso: a campanha de Donald Trump resolveu por bem construir a doutrina do “locker room talk”! Que vai entrar nos anais (não sabemos se esta palavra é adequada neste contexto – sobretudo envolvendo Trump e “locker room talk”) da história política como a justificação mais ridícula que alguma foi capaz de apresentar para defender uma atitude desprezível.
5.Não, isto não é ser “Macho-Alfa” – isto é ser “Alfa-estúpido”. Estupidez que vai valer a derrota dos Republicanos no próximo dia 8 de Novembro. Só para se ter uma ideia, na última sondagem, Donald Trump perde o Ohio, a Florida – e arrisca-se a conseguir a proeza de perder o Utah e o Arizona, estados republicanos por natureza e tradição!
Não, isto não é ser “ Macho-Alfa” – é ser “Macho-Alf”. Lembra-se do Alf, o extraterrestre que aterrou na garagem de uma família americana, na série da NBC, do final dos anos 80? Pois bem, Donald Trump, com esta atitude, passou a ser um extraterrestre que está a condenar o GOP à derrota! Sem a simpatia e o carisma do Alf…
6.Terá Donald Trump alguma hipótese de terminar com o assunto do vídeo e, desta forma, poder aspirar à vitória nas eleições presidenciais de 8 de Novembro? A resposta é positiva.
Porquê? A solução para acabar com a história do vídeo é pagar um bilhete de avião ao Daniel Oliveira, à Clara Ferreira Alves e ao seu outro colega de programa, de ida para os Estados Unidos da América. Porquê? Porque Daniel Oliveira e Clara Alves, certamente, irão protestar contra a publicação do vídeo nos media americanos! É que o vídeo incide sobre aspectos da vida privada, conversa privada, nos bastidores de programa; é um vídeo de mexericos.
7.Ora, todos sabemos que Daniel Oliveira, Clara Ferreira Alves, Paulo Baldaia e outros seus seguidores não lêem, nem vêem nada que envolva “mexericos” e “sexo”. Isso é vida privada dos políticos, insusceptível de se tornar público. E, portanto, vão-se abster de criticar Donald Trump na sequência de um “vómito”.
A divulgação do vídeo de Donald Trump é uma sacanice de “gente doente, que só quer protagonismo”! O jornalista que descobriu o vídeo fez um trabalho de “vómito”! E, claro, Daniel Oliveira jamais irá ver o vídeo e muito menos comentá-lo: Daniel Oliveira não comenta “vómitos”, puras intromissões na vida privada e nas conversas privadas dos políticos…
8.Meu caro Donald, se queres acabar com a história do vídeo e protestar contra a NBC (e eu sei que és bem melhor que isto), contrata imediatamente o Daniel Oliveira! Melhor: Daniel Oliveira a teu director de campanha, Donald! O “vómito” que é a divulgação da tua conversa privada, de balneário, vai logo acabar!