Que epílogo para a semana de guerra fria?

EUA e Rússia voltam a sentar-se para falar sobre a Síria depois de uma semana marcada por atritos entre russos e ocidentais, extrapolados pela imprensa britânica sensacionalista.

Para quem acedeu ao site do tabloide britânico Daily Star, na tarde de quarta-feira, não havia tempo a perder. Era urgente fazer a mala e procurar abrigo. O mesmo aconteceu, provavelmente, a quem se ligou ao The Sun ou ao Daily Mail. O motivo não era para menos: Putin ordenava o «regresso imediato e urgente» à «terra-mãe» de todos os funcionários públicos e oficiais russos, bem como os seus familiares, um claro sinal de que se preparava para a «III Guerra Mundial».

A revelação bombástica baseava-se numa notícia, encontrada na imprensa russa, que dava conta do regresso de representantes da Federação Russa a casa, sim, mas devido à mais recente reestruturação dos serviços secretos do Kremlin.

Podemos encontrar, ainda assim, alguns elementos confiáveis – embora deixados para segundo plano – na histeria lançada pelos três tabloides e que foram noticiados por praticamente todos os meios de comunicação de referência. Nomeadamente dois ou três acontecimentos que contribuíram para o agudizar das relações diplomáticas entre a Rússia e o Ocidente nos últimos dias.

É verdade que russos e ocidentais atravessam um dos mais negros períodos de convívio na arena internacional, derivado, em grande medida, das posições antagónicas no que toca à Síria e à Ucrânia ‘esquecida’. E a semana que passou parecia caminhar no sentido do cada vez maior afastamento.

Na terça-feira, o ministro dos negócios estrangeiros do Reino Unido, Boris Johnson, decidiu apelar, em pleno parlamento britânico, a protestos à porta da embaixada russa em Londres, pelos «crimes de guerra» cometidos por Moscovo em território sírio. A resposta não se fez esperar e vários membros do corpo diplomático de Moscovo russo rotularam as declarações como «vergonhosas» e acusaram os britânicos de sofrerem de «histeria ‘russofóbica’».

No mesmo dia, também a França quis deixar Putin de mão estendida. O Kremlin ainda justificou o adiamento de uma visita do Presidente russo a Paris, marcada para a próxima semana, por terem sido cancelado os eventos em que iria participar, mas François Hollande esclareceu que se recusou a receber o chefe de Estado russo, enquanto este não se mostrasse disposto a retomar as negociações de paz sobre a Síria, abandonadas há pouco mais de uma semana, porque os EUA «perderam a paciência com a Rússia».

O acumular de episódios com vista a um eventual corte de relações acabou por ser o mote perfeito para o Daily Star, o The Sun e o Daily Mail associarem o regresso de funcionários à Rússia com a «nova Guerra Fria» e o advento da Terceira Grande Guerra.

Rússia estende a mão

Enquanto os jornais britânicos mais nacionalistas previam o pior, o ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, anunciou, contra as expectativas de uma grande fatia da opinião pública ocidental, que tinha chegado a acordo com o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, para uma nova ronda de negociações, com vista a um acordo para a Síria.

A abertura russa pode significar que Moscovo não tem interesse num clima tão crispado com o Ocidente como aquele que hoje se vive. Nesse sentido, estará disposto para negociar e, eventualmente, para abdicar de algumas das suas reivindicações sobre a guerra civil síria.

Mas tendo em conta os resultados práticos das últimas negociações e o intensificar dos bombardeamentos da aviação russa e síria – fiel ao regime de Bashar al-Assad – desde terça-feira, em Alepo, a verdade é que se afigura como previsível que os diplomatas norte-americanos, que se reunirão no sábado, em Lausane, na Suíça, entrem na sala de negociações com as baixas expectativas e sem grandes motivos para celebrar.