2.Muitos comentadores (por exemplo, Rui Santos) defendem que a Taça de Portugal, nos moldes actuais, é uma competição sem interesse, desprovida de qualquer valia desportiva ou “empresarial” para os clubes – preconiza-se, pois, um modelo de Taça de Portugal mais próximo ao figurino da Taça da Liga, em que as principais equipas só entram em fase tardia da competição. Resultado de tal alteração: as equipas mais fortes defrontar-se-iam entre si, inviabilizando o encontro entre equipas de diferentes escalões, origens geográficas, numa palavra, perdendo-se o verdadeiro espírito e finalidade da Taça de Portugal.
É que estes comentadores só pensam na dimensão desportiva-comercial do fenómeno futebol e do desporto em geral. Desconhecem – ou ignoram dolosamente – que o futebol tem uma irrefutável e relevantíssima dimensão social e cultural que não pode (de forma alguma!) ser subestimada: ele permite dar visibilidade a localidades normalmente afastadas dos meios mediáticos; reforça a integração de todos os portugueses no nosso projecto político colectivo (que se chama Estado Português), lembrando que ninguém poderá ficar excluído; faz-nos lembrar que, afinal, de Trás-os-Montes aos Açores, estamos juntos – as distâncias geográficas são demasiado insignificantes para a dimensão e força da nossa comunhão emocional enquanto Nação. Mesmo distantes, estamos sempre próximos.
Um português de Lisboa vale tanto como um português de Santa Maria da Feira, de Freixo de Espada a Cinta ou de Trancoso. São todos igualmente portugueses. Uma empresa de Castelo Branco merece a mesma atenção e consideração que uma empresa de Lisboa, atendendo sempre às suas necessidades específicas. Uma equipa de futebol da Gafanha da Nazaré deve ser tão respeitada como uma equipa de futebol do Porto ou de Lisboa.
3.Evidentemente, o Futebol Clube do Porto tem uma dimensão – futebolística, orçamental, financeira e de falange de apoio – incomparável com a do Grupo Desportivo da Gafanha, equipa que actua no campeonato nacional de séniores. Todavia, a alegria, o incentivo e a oportunidade que é defrontar o Porto para os atletas do Gafanha – mais do que justificam este jogo e honram o legado e a função da Taça de Portugal.
Não por acaso a Taça é entregue, no final da temporada e logo após a final, pelo Presidente da República ao vencedor: trata-se do reconhecimento da dimensão política e social da competição. A intervenção do Presidente não é um aproveitamento político do futebol – é, antes, a confirmação do futebol como instrumento de aproximação dos portugueses.
E mesmo atendendo à componente estritamente futebolística, os tempos mudaram: as goleadas e dominações implacáveis perpetradas pelos clubes de maior dimensão aos clubes de escalão inferior parecem ter acabado. O 1.º de Dezembro, na sexta-feira, fez o Benfica protagonizar o seu pior jogo desde há muito, tendo o campeão nacional de beneficiar do factor sorte para seguir em frente na Taça de Portugal. Ontem, o Futebol Clube do Porto apresentou o seu melhor onze, os seus melhores jogadores, as suas principais estrelas (com excepção de Iker Casilhas) para defrontar o Grupo Desportivo da Gafanha da Nazaré.
4.O que mostra o respeito e até algum receio que os jogadores do Gafanha provocaram na equipa técnica do Porto – lembre-se que o Porto terá um jogo decisivo daqui a três dias para a Liga dos Campeões…Nuno Espírito Santo receou que a equipa da Gafanha da Nazaré fosse superior à segunda linha do seu plantel; o que foi uma atitude sensata. Nunca desprezar a força, o talento e a competência dos jogadores – ou de qualquer outro habitante – da Gafanha da Nazaré! Num momento em que Aveiro não tem um clube de futebol nos principais escalões, o jogo de ontem foi uma excelente notícia e um evento magnífico para a região.
E a verdade é que Aveiro não tem a visibilidade mediática e o peso político que merece. É uma bela cidade, com gente empreendedora, com um sentido de iniciativa privada, com o apego à liberdade individual e uma desconfiança construtiva face ao Estado que tanta falta fazem a Portugal.
Em Aveiro, respira-se democracia e liberdade – sempre com uma gastronomia incompatível com qualquer dieta (embora saudável), uma calma não monótona, muito para fazer e anda mais para conhecer. A região de Aveiro em geral – e a Gafanha da Nazaré e Ílhavo, em particular – precisam de aparecer mais nos media. Precisam de ter uma dimensão mediática e de capacidade de influenciar proporcional à dimensão do seu povo, das suas gentes e do seu empreendorismo. Aveiro precisa de ter voz – ainda para mais tendo um Presidente de Câmara com a qualidade e o talento de José Ribau Esteves.
Enfim, o Gafanha bateu-se muito bem contra o Porto: não só resistiu durante largos minutos (o segundo golo do Porto já aconteceu no último terço da segunda parte), como inquietou Nuno Espírito Santo e poderia ter empatado o jogo. E o guarda-redes Diogo fez duas defesas fantásticas, ao nível de Casilhas! O Autor destas linhas ficou deveras satisfeito por ver, a partir de Lisboa, a atitude, o sacrifício e profissionalismo dos jogadores do GDG.
5.Independentemente das ocorrências no relvado, o Gafanha já ganhou: ganhou porque já teve mais visibilidade na última semana do que nas últimas décadas. Ganhou porque muitos portugueses ficaram a saber, finalmente, que a Gafanha da Nazaré não se confunde com a Nazaré – e até nem são próximas…Agora, é visitar a Gafanha e descobrir as suas praias, a sua história, a sua comida e as suas gentes. Vale a pena ir à Gafanha! Parabéns aos seus jogadores – e que sirva de inspiração para colocar mais vezes a Gafanha no mapa!