Há uns 15 dias, Pedro Passos Coelho estava em Carnide e fez um auto-retrato genial. Criticando a situação económica do país – «Vivemos num faz de conta, mas ao menos temos um primeiro-ministro bem-disposto e que gosta de graçolas» – Passos apresentou-se como o homem da carantonha: «É por isso que tenho esta carantonha. Há quem olhe e diga: ‘Assim parece que o tipo está sempre chateado. Não sabe pôr uma cara alegre’. É assim. Não consigo. Fico preocupado». Este é o maior dos problemas de Pedro Passos Coelho: o discurso de homem da «carantonha» torna-se um vazio impressionante. Não porque os tempos estejam engraçados, que não estão, mas porque as críticas ao Governo são incoerentes: ora o Governo é criticado por cortar na despesa – uma coisa que Passos sempre defendeu – ora é atacado por estar a fazer «austeridade de esquerda», ora é atacado por ir levar, alegadamente, o país à bancarrota.
Tudo isto encerra uma grande contradição. A ideia que as coisas vão correr mal por causa do Governo ‘das esquerdas’ ser gastador esbarra no facto do Governo não ser, de facto, gastador e dispor-se a cumprir o louco défice de 1,6% imaginado por Bruxelas, muito próximo do défice zero desejado no tratado orçamental. Estar à espera da bancarrota – que só virá perante um choque sistémico, já que o Governo anda poupadinho – não é um projeto político. É natural que muitos sociais-democratas estejam a cansar-se da «carantonha» de Passos Coelho e alguns já o desejem ver pelas costas, como se percebe da leitura do texto da página 12.
E nquanto o Governo é acusado aos sábados de estar a «preparar o segundo resgate» e aos domingos de cortar nos serviços públicos, percebe-se pelas notícias que vão saindo sobre o Orçamento do Estado que o Governo apoiado pelo Bloco de Esquerda e pelo PCP está longe de garantir que os programas eleitorais do PCP e do Bloco de Esquerda – já para não falar do próprio PS – estejam a ser convenientemente representados. O episódio da continuação da sobretaxa no ano de 2017 é paradigmático. A continuação do famoso extraordinário dos tempos da troika é para continuar, pelo menos por enquanto. O que diria a esquerda se fosse um Governo PSD/CDS a manter assim a sobretaxa ou excluí-la aos bocadinhos? Nem vale a pena pensar nisso.
Ofacto das pensões mínimas, do regime não contributivo, ficarem de fora do aumento previsto é um péssimo sinal que o Governo dá à sua esquerda. Já sabíamos que tanto o ministro Vieira da Silva como o primeiro-ministro António Costa têm andado a dizer, – de uma forma muito parecida com o que o antigo líder do CDS Paulo Portas costumava dizer dos beneficíários do ‘rendimento mínimo garantido’ – que existem alguns portugueses que recebem pensões mínimas e não são pobres.
É evidente que as pessoas que recebem as pensões mínimas não contribuiram. Mas é preciso conhecer o país real fora dos gabinetes para saber porque é que isso aconteceu e qual o universo dos seus beneficários. Um governo de esquerda que exclua estes pensionistas de um aumento não tem direito a esse nome.