1.As eleições regionais ocorridas ontem nos Açores mostraram que a democracia é uma ideia bonita e ternurenta na teoria – mas na prática os eleitores não se querem dar ao trabalho de se deslocarem à urna para exercer o seu direito constitucional de intervenção na vida pública. E já ninguém liga àquela máxima que era propalada nas escolas e nos media em tempos idos – “ se não vota, depois não pode protestar”.
Agora, até essa frase desapareceu do léxico político – importa mais ganhar eleições e analisar a percentagem eleitoral do que reflectir longamente sobre uma questão existencial que é a persistência de participações eleitorais anormalmente baixas.
2.Note-se, no entanto, que a culpa da abstenção atipicamente elevada registada nas eleições regionais dos Açores não é dos eleitores – é da oposição. É que a abstenção não deixa de ser um voto negativo: é uma reprovação do comportamento político e do projecto apresentado pela oposição ao poder constituído. No caso concreto, a abstenção traduz a reprovação da maioria dos açorianos quer do Governo de Vasco Cordeiro, quer do PSD de Duarte Freitas.
Vasco Cordeiro criou um Governo tentacular, clientelar e é um mero prolongamento de Carlos César (sempre que Cordeiro discorda, Carlos César, a partir de Lisboa e da “geringonça”, mete-o na ordem) – mas Duarte Freitas só se lembrou de discordar, no essencial, na véspera das eleições. Projecto alternativo para os Açores defendido pelo PSD de Duarte Freitas? Ninguém o viu. Discurso mobilizador de Duarte Freitas? Ninguém o ouviu.
Só frases já gastas e repetidas à exaustão sobre o medo dos açorianos em votar em projectos alternativos a Vasco Cordeiro. Foi curto. Demasiado curto. E para a história fica mais um resultado humilhante para o PSD nos Açores.
3.Obviamente, Duarte Freitas vai demitir-se e ser substituído à frente do PSD Açores: caso contrário, mais vale o PSD nem se candidatar às próximas regionais. Esta pobreza franciscana de ideias e de criatividade na oposição não honram o legado de Mota Amaral e do PSD nacional.
O PSD é o partido que mais se identifica com o ADN do povo açoriano – um povo trabalhador, intrépido, aberto ao mundo, que sabe muito bem o que quer e para onde vai. Um povo que sobreviveu – e viveu – pela sua dedicação e suor e nunca dependente do Estado ou do Governo. Pelo contrário, o povo açoriano tornou-se grande, apesar da ausência do Estado que o voltou ao abandono durante décadas.
O Governo deve desempenhar uma função primordial de combate às injustiças e de luta contra a pobreza que se nota ainda em muitas zonas dos Açores – mas não “dominar” o povo, fazê-lo renunciar às suas liberdades básicas (não legalmente, mas facticamente) como fez Carlos César no passado; e agora faz Vasco Cordeiro. A frouxidão da oposição de Duarte Freitas levou os açorianos a conformarem-se que o poder socialista é inevitável.
E a ausência de Pedro Passos Coelho não ajudou: mostrou publicamente que a derrota – senão mesmo a humilhação – era certa. Ora, se nem Passos Coelho se mostrou disponível a aparecer nos Açores, por que iriam os açorianos darem-se ao trabalho de votar? Mais valeu aproveitar o Domingo para descansar e aguardar a confirmação de nova maioria absoluta do PS.
4.Resta agora ao PSD pensar a sua estratégia para o futuro – e aqui o PSD nacional não se pode alhear da discussão sobre a evolução do PSD Açores. Os Açores são uma parte estratégica do território nacional, têm uma dimensão crucial para a afirmação da nossa política externa – o maior e mais genuíno partido português, que é o PSD, não se pode conformar com um papel de irrelevância ou secundarização nos Açores. Veja-se que a máquina socialista já trata os Açores como uma coutada privativa do PS – António Costa, em articulação com Vasco Cordeiro, já estão a oferecer a saldo as Lajes aos chineses, metendo-se numa alhada diplomática…
5.Enfim, um assunto para acompanhar com atenção nos próximos tempos: a regeneração do PSD/Açores. Dito isto, uma outra conclusão é inevitável: Assunção Cristas teve uma grande noite.
Reforçou o peso do CDS nos Açores, ganhando mais um deputado e aumentando o número de votos. Cenário que ninguém julgava possível: o CDS/Açores estava fracturado e teve de ser Assunção Cristas a impor-se, resolvendo diferendos quanto à composição das listas. E Assunção Cristas não se escondeu: foi aos Açores, foi ao terreno e teve a devida (e merecida) compensação.
Os críticos que já se preparavam para bater em Assunção Cristas por se expor demasiado num terreno onde as hipóteses de sucesso seriam praticamente nulas – calaram-se. Estão calados – ou a pensar na sua vida. Assunção Cristas reforçou o seu peso dentro do CDS – e a sua imagem de lutadora, determinada e firme para os portugueses. Assunção Cristas – a grande vencedora da noite.
6.Quanto a Vasco Cordeiro, nada mais a dizer: é um tipo simpático, cordial e dizem-me que sabe contar anedotas com mestria. No resto, é Carlos César 2 – obsessivo, sectário e muitas vezes persecutório. E com pouca –ou nenhuma – obra feita. O desinteresse dos eleitores, traduzido em abstenção recorde, bem como a legião de funcionários que dependem de Vasco Cordeiro e do PS – são a muralha de aço que sustentam a força do companheiro Vasco.
7.Um dia, os açorianos vão deixar de dizer “ força, força companheiro Vasco/ a abstença será a tua muralha de aço” e passarão a cantar “mas o povo não desarma e diz estamos fartos/ não queremos os socialistas/ Mas o povo não desarma e diz estamos fartos/não queremos os socialistas”.