“O orçamento da Cultura aumenta 26,1 milhões, para 444,8 milhões de euros”. “O orçamento da cultura cresce 6,2% face a 2016, um valor que chegará a 14% se retirarmos a RTP das contas”. “O orçamento da cultura ainda está muito longe de corresponder a 1% do PIB”. “O orçamento da cultura não vai além de 0,1% do PIB”. Todas estas leituras foram feitas em relação ao documento apresentado, na sexta-feira, pelo executivo liderado por António Costa. Copo meio cheio ou copo meio vazio? Uma fonte do anterior executivo disse ao i considerar este Orçamento de Estado (OE) para a Cultura “bastante complexo”. “Não tem uma leitura óbvia. Muitas vezes, os OE apresentam números que não correspondem exatamente à execução orçamental e parece-me ser o caso”. Também contactados pelo i, tanto Francisco José Viegas como Jorge Barreto Xavier, secretários de Estado da Cultura no governo de Passos Coelho, respetivamente entre junho de 2011 e outubro de 2012, e outubro de 2012 e outubro de 2015, optaram por não comentar este OE.
A cultura foi, desde o início, uma bandeira deste governo. Mas uma bandeira que nem sempre esteve hasteada no topo. Apesar de o PCP e o BE, nos seus programas eleitorais, defenderem que “o Estado destinasse 1% do OE à estruturação de um verdadeiro serviço público de cultura”, assim que a geringonça deu a conhecer o orçamento para o seu Ministério da Cultura, as contas contrariaram todas as bandeiras: o ministério perdia dinheiro face à anterior secretaria de estado – 175 milhões de euros contra os 219 alocados à secretaria de estado liderada por Barreto Xavier.
Agora, com este OE, o executivo pretende consolidar “o trabalho de reabilitação financeira das entidades que durante o Governo anterior viveram anos de suborçamentação e consequente estagnação”. Assim, e de acordo com o documento oficial, para 2017 está prevista uma despesa total consolidada de 444,8 milhões de euros, mais 26,1 milhões de euros do que 2016, o que equivale a um aumento de 6,2%.
Mas é a partir daqui que as contas se complicam. Antes de mais, é necessário perceber que estes valores têm de ser divididos em duas áreas: além da cultura, deste orçamento faz ainda parte o setor da comunicação social – o ministério liderado por Luís Filipe de Castro Mendes tem agora a tutela desta área – que terá uma verba de 235,8 milhões de euros; ficando o restante alocado à cultura. Ainda assim, estas contas iniciais parecem deixar claro o aumento dos fundos destinados à cultura, quer em comparação com o ano anterior quer em comparação com o último ano do executivo liderado por Passos Coelho. Mas também não restam dúvidas que ainda estamos longe do ambicionado 1% do PIB – valor referência tantas vezes apresentado por quem trabalha nas áreas culturais.
Este OE teria sempre de refletir um aumento de despesa na cultura devido à reclassificação do Teatro Nacional D. Maria II. Até agora, as receitas do D. Maria II resultavam de transferências diretas do ministério das Finanças, mas pela primeira vez passa a constar no OE da cultura, com um valor de cerca de 4,2 milhões. Além desta alteração, este OE prevê ainda a celebração, durante o ano de 2017, de contratos plurianuais com os teatros nacionais São João e D. Maria II e o Opart, que agrupa o Teatro Nacional de S. Carlos, a Companhia Nacional de Bailado e a Orquestra Sinfónica Portuguesa – ou seja, o que consideram “as entidades públicas empresariais da cultura”. Estes contratos permitirão ao governo definir “orientações transversais e orientações específicas para cada entidade, que permitirão um alinhamento e focalização da estratégia e definição de objetivos e metas para a prestação do serviço público e sua avaliação”. O i tentou ouvir Tiago Rodrigues, diretor do D. Maria II, acerca destas “orientações” que o governo passará a definir, mas sem sucesso. De resto, de acordo com esta proposta, na cultura, a maioria dos organismos públicos terá um aumento de verbas, sendo o grande vencedor o Opart, que receberá mais 4,1 milhões de euros que em 2016, num total de 23,4 milhões de euros.
Neste OE incluem-se ainda a valorização do património, com recurso a fundos comunitários; a revitalização das bibliotecas; mas também a revisão do modelo de apoio às Artes, que será aplicado a partir de 2018, para que “o Estado desempenhe um papel de mediador, por excelência, no apoio à criação, programação, edição, produção, circulação e promoção de obras”, democratizando o acesso à cultura. Prevista também está a aposta nas fundações (ver caixa); e a revisão da lei do Cinema e do Audiovisual cujas “alterações deverão incidir na simplificação de procedimentos, clarificação de conceitos e competências, compatibilização com normas da União Europeia e ajustamento face à atual realidade do setor”. Será já ao abrigo desta nova lei que serão realizados os concursos de apoio ao cinema do próximo ano.