Há 22 anos entrava em competição pela primeira vez. Desde 1993 não houve ano que não se escrevesse o seu nome. Ou, pelo menos, que ele não o escrevesse na história do surf. É, até agora, o único português a fazer parte do circuito da elite mundial do surf. Nomes como Kelly Slater, Mick Fanning, Andy Irons [morreu em 2010], C.J Hobgood ou Taj Burrow podem ser vistos, para qualquer surfista, como ídolos. Para ele foram muito mais do que isso. Adversários, amigos ou, simplesmente, amantes do surf, alguns deles saíram do mar para fazer parte de uma aventura com os pés bem assentes na terra. É (demasiado) fácil adivinhar o protagonista da história. Até porque quando se fala de surf – em português – todos os caminhos vão dar à Ericeira. Mas desta vez não foi no areal da vila ou nos tubos da Cave que o encontramos.
Foi com a casa cheia que Tiago Pires apresentou, esta segunda-feira, o documentário que retrata os seus 20 anos de carreira. O grande auditório do Centro Cultural de Belém encheu-se para entrar ‘na onda’ do melhor português de sempre da modalidade.
Tiago Pires, ou Saca, como ficou conhecido, partilhou mar com os ‘melhores’ porque também ele ‘sacou esse’ título. É dono e senhor das águas da Ericeira, local onde desenvolveu o seu próprio estilo – e o resto foi, como nos habituou… sempre a rasgar na crista da onda. Nos campeonatos internacionais poucos conseguiam pronunciar o nome de Tiago Pires e também era difícil apanhar quem soubesse onde ficava Portugal, hoje em dia com praias consideradas ‘a meca’ dos surfistas. Até aí a dificuldade em pronunciar o nome do surfista português deu lugar ao cognome: “o tigre português”. Em fevereiro fez o anúncio que ninguém queria ouvir: é o fim. Tiago Pires abandonava o circuito internacional nove meses depois de ser pai. Esta nova missão – a paternidade – levou Saca a escolher Portugal como primeira casa – depois de ter corrido mundo com uma prancha debaixo do braço. Pode até não ter conseguido todos os títulos que desejava – nunca foi campeão de juniores – mas conseguiu, no mar, o que nenhum outro português alcançou. Chegar ao World Championship Tour (WCT), o destino que qualquer surfista profissional luta para atingir. Mas até lá – e mesmo depois disso – o percurso “difícil, muito difícil” nem sempre esteve aos olhos de todos. Até agora.
ELENCO DE LUXO
‘Saca – O filme de Tiago Pires’ vai muito além das marés pelas quais Saca manobrou. Um documentário que explica a evolução da história do surf em Portugal e por isso “uma grande vitória para o nosso desporto e para a tribo do surf”, explicou Tiago Pires ao i.
Frederico Morais (Kikas), Vasco Ribeiro e Nicolau Von Rupp, atualmente três jovens prodígio do surf nacional, fazem parte do ‘elenco’ de luxo que conta também com depoimentos do norte-americano Kelly Slater, do australiano Mick Fannig ou do brasileiro Adriano de Souza num documentário que expõe mais de 60 entrevistas.
“Perdido”, era o estado de espírito do atleta, de 36 anos, depois de abandonar as rotinas que o acompanharam desde a juventude. Habituado a estar fora do país 10 meses (em cada 12 meses do ano), devido às competições, a mudança “nunca é fácil”, muito menos para um “atleta nato” como se definiu. Uma transformação projetada no filme com a saída da competição que obrigou Tiago Pires a reinventar-se. Não nega que o surf é um desporto “difícil, mais difícil do que o normal” e não tem dúvidas que acima de tudo “é preciso ter muita vontade”. No entanto tem uma esperança: Que Vicente – o filho – também deseje tanto a prancha como ele desejou.
Saca revelou a “enorme tristeza” por já não fazer parte das contas dos possíveis candidatos numa altura em que faltam quatro anos para o surf entrar definitivamente no lote de modalidades olímpicas, nos Jogos de Tóquio, em 2020, ao lugar, mas uma coisa é certa – está disponível para aconselhar quem embarcar na aventura. Um caminho que já tem vindo percorrer com a próxima geração que irá representar Portugal neste desporto que é tão dele. Tiago Pires, o miúdo que jogou voleibol e basquetebol antes de entrar em água, espera inspirar os mais jovens e acredita que “se no desporto tudo é possível, no surf também”. E não tem dúvidas: “Acreditar num sonho é fundamental”.
E Saca acreditou.