1.Foi uma madrugada repleta: a expectativa era muita para assistir ao derradeiro debate opondo Donald J. Trump e Hillary Clinton. Recordamos o nosso caríssimo leitor que, na semana transacta, havíamos lançado este debate sob a suspeita de que seria inútil. Realizar-se ou não se realizar – teria exactamente o mesmo resultado prático.
Porquê? Porque Hillary Clinton há muito que assume uma postura exclusivamente defensiva, limitando-se à defesa do legado de Barack Obama (que é o caminho mais fácil e, neste momento, seguro); porque Donald J. Trump está muito acossado, desgastado e perdido desde que o New York Times e a NBC lançaram o vídeo com a “conversa de balneário”, tida com Billy Bush. Não deixa de ser curioso que o ponto mais alto da campanha de Hillary Clinton, até ao momento, tenha sido a divulgação de um vídeo – com onze anos! – de “mexericos”, de “intromissão indevida na esfera privada” (como qualificaria a Clara Ferreira Alves, caso Donald Trump fosse português e seu amigo ou de esquerda) para liquidar a reputação de um homem com fins exclusivamente político-eleitorais.
2.E a verdade é que a nossa previsão confirmou-se: o debate de ontem, com alguma desilusão da nossa parte e de numerosos cidadãos norte-americanos, não alterou a correlação de forças entre os dois candidatos. Limitou-se a consolidar a posição de vantagem da candidata democrata – e a prenunciar o fim definitivo da carreira política de Donald J. Trump. Na verdade, o vencedor mais flagrante do debate de ontem, realizado em Las Vegas, chama-se Chris Wallace – o moderador do debate e apresentador, já de culto, da FOX NEWS.
3.O que também não deixa de ser um facto deveras curioso e sintomático: a FOX NEWS – que a esquerda teima em considerar uma estação “sectária, fanática, ultra-conservadora e parcial” – foi o órgão de comunicação social que realizou o melhor, mais imparcial e conduzido com mais mestria debate televisivo destas eleições presidenciais. A FOX NEWS deu uma lição à CNN – esta é que é a verdade, por muito que custe à (pseudo) intelligentsia portuguesa… Chris Wallace e a FOX NEWS não fizeram um frete nem a Donald J. Trump, nem a Hillary Clinton – prestaram, isso sim, um serviço (notável) à democracia.
4.Dito isto, quem venceu, então, o debate decisivo? A resposta, desta feita, não é tão clara. Coloquemos a questão de maneira diversa: quem é que perdeu o debate? Aqui a resposta só pode ser uma: Donald J. Trump. Note-se que dizer quem é que perdeu o debate não é o mesmo que dizer quem ganhou, de forma invertida. Não: Hillary Clinton não ganhou o debate – Hillary Clinton limitou-se a segurar a sua vantagem, jogando à defesa. Hillary quis manter a sua posição de vantagem nas sondagens, apostando mais na auto(e hereto)- destruição de Donald Trump do que propriamente na afirmação da sua própria candidatura.
A grande desilusão foi a postura do candidato republicano – esperávamos mais de Donald J. Trump neste último debate. Já aqui explicitámos que Trump precisava de adoptar uma nova postura, uma postura que surpreendesse Hillary, que tirasse Hillary Clinton da sua zona de conforto. Infelizmente, Donald revelou-se incapaz de o fazer – logo, a sua estratégia e o seu discurso foram, mais uma vez, inconsequentes. No essencial, o republicano repetiu os argumentos que já havia apresentado nos debates anteriores – ora, se as sondagens lhe atribuíram a derrota nesses debates, porquê e para quê persistir na mesma estratégia?
5.O que Donald Trump deveria ter feito resume-se em quatro pontos:
- Apresentar as suas propostas em matéria económica (porque, no fim do dia, o que os americanos pretendem saber é como se irão criar mais postos de trabalho, reduzir o desemprego e afirmar os EUA como grande potência económica e financeira), apresentando as debilidades e contradições das propostas, em matéria económica, de Hillary. Hillary limitou-se a defender o plano de Barack Obama –criticar um plano que já foi executado não é uma tarefa assim tão difícil. Por exemplo, Hillary Clinton quer agradar aos eleitores de Bernie Sanders (prometendo menos impostos para a classe média, propinas gratuitas e mais apoios na área da saúde) sem perder Wall Street, nem o centro (com medidas de apoio ao investimento que ainda não apresentou) – ou seja, é um plano inexequível que todos sabem ser para mero consumo eleitoral;
- Explicar, em termos claros e de uma vez por todas, qual entende ser o papel dos EUA no contexto internacional e na defesa e promoção da paz no mundo. Quer ficar na NATO? Concorda com a NATO? Em que termos gostaria de renegociar a participação na NATO? Trump poderia simplesmente ter dito que o mundo mudou – logo, a intervenção dos EUA no mundo terá que ser reequacionada, sem prejudicar os princípios, valores e prioridades da política externa dos EUA. Tão simples quanto isto – silenciava as críticas que o acusam de instabilidade, de provocar o caos no mundo e de quebrar parcerias históricas entre os EUA e os seus aliados. E permitir-lhe-ia ter uma margem de acção significativa, uma vez eleito Presidente da Nação americana. Para além de que manteria, incondicional e intacto, o apoio dos militares (importantes para a vitória do candidato do GOP);
- Adoptar uma postura humilde, pedindo desculpa pelas declarações infelizes que fez há uns anos já longínquos – actualmente, é um homem de família, que educou exemplarmente os seus filhos (como a própria Hillary Clinton admitiu no debate anterior) e que quer contribuir para que os filhos, os netos e as próximas gerações de americanos possam viver numa sociedade que honre, cada vez mais, os valores e princípios que motivaram a fundação de uma Nação singular no final do século XVIII: a meritocracia, a liberdade, a igualdade. O direito de cada ser humano perseguir a sua felicidade pessoal. Para tal, o Estado precisa de ser democraticamente forte, disciplinado, limitado na sua intromissão na sociedade – embora ilimitado na sua ambição de “make America great again”. Não há “America great” sem “great americans” ; não há “America great” sem “great american society”. E estes postulados essenciais foram esquecidos pelo Presidente Obama – e Hillary Clinton quer prolongar a desilusão que foram os últimos oito anos. Neste seguimento, Donald Trump deveria enumerar tudo o que Obama fez mal – e Hillary Clinton quer continuar;
- Por último, Donald Trump deveria explorar mais o caso de Benghazi e o caso dos “emails”, não numa lógica de justiça criminal ou jurídica – mas sim política. Deveria evidenciar a gravidade do caso de Benghazi e como este explica a incapacidade de Hillary Clinton lidar com situações mais delicadas de política externa. Depois, Donald Trump deveria elencar as contradições das propostas (algumas incompatíveis entre si) apresentadas por Hillary em matéria de segurança interna e de controlo das fronteiras. E não deixar de evocar o passado de Hillary Clinton – era a favor de construção de barreiras (sejam muros ou outra coisa qualquer) nas fronteiras e agora já não é; era a favor da guerra no Iraque, e agora já não é; era a favor do direito à posse de armas (defendendo a segunda emenda constitucional), depois deixou de o ser no início das primárias – e agora, afinal, Hillary também defende a segunda emenda. Quanto à alegada relação de Donald J. Trump com Putin, bastaria dizer que o Presidente russo reforçou o seu poder durante os anos do Presidente Barack Obama –e se, de facto a Rússia conseguiu aceder a dados de agências de segurança americanas, então, tal significa que a actual Administração não consegue defender convenientemente a segurança dos EUA. Tão simples quanto isto: Trump conseguiria facilmente capitalizar a seu favor a suspeição lançada por Hillary Clinton!
Donald Trump poderia centrar-se na política pura, na discussão de matérias que são as mais sensíveis para o futuro dos EUA e dos cidadãos americanos, mostrando o seu melhor lado – a de decisor competente, profissional e dedicado. Que sabe defender a sua família; que saberá defender o seu país.
5.Em vez disso, Donald Trump insistiu no erro de desvalorizar o vídeo, assumindo como normal – e, como se não bastasse, ainda teve uma tirada incompreensível, referindo-se a Hillary Clinton como “nasty woman”, “mulher nojenta”. Quem é que vai dizer isto num debate presidencial decisivo? Se Donald Trump já não tinha o apoio das mulheres, o que fez com que caísse nas sondagens – então agora pode dizer adeus de vez ao eleitorado feminino e, quase certamente, à vitória no próximo dia 8 de Novembro.
Conclusão: porque conseguiu manter-se incólume e dominar o debate às suas conveniências, Hillary Clinton sai reforçada do debate – por culpa da incapacidade de Donald Trump assumir a iniciativa política. Já nem mesmo um “bad hombre” , mesmo que se chame Donald Trump, conseguirá afastar Hillary da Casa Branca. Parece uma inevitabilidade: nos próximos quatro anos, a líder do mundo livre será Hillary Rodham Clinton.
6.É pena que Donald J. Trump acabe politicamente assim…Poderia – e deveria – ter feito muito mais…