Nesta mercearia, as maçãs não brilham nem as cenouras parecem feitas em moldes de maneira a não saírem da forma pretendida. Aqui, as bananas têm pintas pretas a dar sinal de estarem maduras – e mais saborosas – , a rúcula não vem embalada e com prazo de validade, e a pera tem um tamanho que parece de brincar. “É assim que a terra nos dá, é assim que as vendemos”, explica Luísa, orgulhosa de ter conseguido montar um negócio rentável e onde a palavra herbicida não entra.
A Quinta do Arneiro já existe como casa de família desde 1967, ano em que o pai de Luísa Almeida a comprou na esperança de reunir a família e produzir pera- -rocha, produto comum a toda a zona Oeste. “Eu, como pessoa do contra que sempre fui, fugi disto o mais que pude mas, como costumo dizer, o meu pai pregou-me uma rasteira”, conta ao i. Depois de um curso de Direito inacabado e de 14 anos dedicados a uma livraria em Torres Vedras, Luísa decidiu voltar às origens e assumir uma quinta que, afinal de contas, sempre foi sua.
A primeira revolução que trouxe ao espaço vem ao encontro do seu espírito inquieto. “Ter só pera era uma seca. A única fase gira do ano era a apanha, não tinha paciência para esperar tanto tempo.” Daí que tenha transformado parte dos 30 hectares da quinta em espaços para a mais diversa agricultura biológica. Daqui sai couve, alface, tomate, pepino, abóbora, batata-doce, morango, maçã, feijão verde, curgete, hortelã, acelgas, aipo, manjericão… Se não pararmos, corremos o risco de não deixar espaço para o resto da história.
Visita Guiada Melhor do que fazer listas é poder ver os tópicos que as compõem ao vivo. Aproveitamos uma visita guiada – uma das muitas que a quinta organiza para escolas e grupos – para desbravar alguns dos hectares plantados. “Nas três estufas que temos montadas, as culturas são muito diferentes. A terra agradece essa mudança constante.” Agradece a terra e o consumidor, acrescentamos nós, tendo assim a garantia de que é respeitado o tempo de pousio de que a terra necessita – “um privilégio que dá um prejuízo enorme”, conta Luísa –, aliado ao respeito pela época de cada alimento. Por exemplo, este inverno, nenhum dos cabazes distribuídos pela quinta tiveram tomate, pepino, pimento e curgete. “Arriscamos muito, bem sei, mas preferimos isso a ter de dar legumes produzidos em estufa.”
Agora que o biológico já passou a ser palavra corriqueira, Luísa já tem de lidar menos com as desconfianças. “No início ninguém acreditava que era possível ter legumes e fruta o ano todo sem se recorrer a químicos”, refere. No entanto, como mestre-de-cerimónias desta visita, aponta para três dos trabalhadores que substituem os herbicidas. “É um trabalho penoso, tenho noção disso, mas aqui as ervas são arrancadas à mão”, conta. No caso das inevitáveis pragas, são usadas mezinhas e produtos naturais, como algas ou enxofre. “É como a diferença entre a medicina tradicional e a naturopatia”, explica, enquanto nos dá para a mão folhas de manjericão-roxo. “As folhas gostam de ser tocadas. Sinta lá este cheiro.” Assim o fazemos, com a certeza de não voltar a comprar ervas aromáticas embaladas em plástico.
Luísa segue caminho, sempre a dar dicas práticas sobre aquilo que a obriga a fazer ziguezagues entre as culturas. “Estes coentros, por exemplo”, e pega num raminho, “deixem espigar e ganhar flor, é a altura em que têm mais sabor.” Já as folhas dos brócolos, fique-se a saber, são ótimas para consumo e só não aparecem nos supermercados porque duram pouco tempo e tiram o bom aspeto ao vegetal.
Serviço público à parte, já é hora de almoço e a vontade de ver todo aquele verde a encher os pratos fala mais alto.
À Mesa Quando começou a produzir muito mais que pera-rocha, Luísa viu-se a braços com o problema do escoamento dos produtos. Começou pelos mercados, mais concretamente o de Cascais, onde uma cliente lhe pediu um dia para entregar um cabaz em casa. “Mal sabia eu que, aí sim, estava o meu negócio.”
Palavra puxa palavra e a Quinta do Arneiro tornou-se uma das primeiras a entregar legumes e fruta fresca em casa dos clientes, todas as semanas. Atualmente pode escolher entre três tamanhos de cabazes, a que pode acrescentar outros produtos da mercearia, também aberta ao público recentemente. Entre o colorido das frutas e legumes, há molho de tomate caseiro, húmus, pesto caseiro, compota de abóbora e tomate, frutos secos, granola e azeite. “Ah, e temos ainda o pão feito no nosso forno e os ovos das nossas galinhas”, acrescenta.
Com tanta conversa sobre comida, está dado o mote para passarmos ao mais recente espaço da quinta, o restaurante. Entre a comida saudável e a chamada “comida de quinta”, Luísa optou pela segunda, apesar de não haver prato que saia da cozinha aberta ao público que não seja preparado com produtos biológicos.
À mesa vai chegando aquilo de que ouvimos falar toda a manhã. A broa de milho parece perfeita para molhar no prato de azeite caseiro e o pão de centeio serve de base à pasta de húmus, que vem servida ao mesmo tempo que o prato de legumes em caril e do nabo em molho de manteiga de amêndoa. O repasto fica completo com a sopa de abóbora e o risoto de funcho.
Quando se pensava que estava terminado, vem a pergunta que abre o apetite, mesmo para um estômago cheio de biológico. “Querem sobremesa?” A resposta vem em forma de cheesecake de abóbora e uma musse rosa de maçã e iogurte.
“Os legumes sabem mesmo a legumes, não é”, comenta o fotógrafo que nos acompanha. Luísa, que não consegue deixar o olho crítico de proprietária nem mesmo à hora de almoço, comenta: “É por isso que, quando me perguntam o porquê de fazer agricultura biológica, a resposta me parece óbvia: é a maneira certa de fazer agricultura.”