Ainda há muita gente a passear-se de mangas de camisa pelas cidades. Os mais afoitos ainda saem de casa de manhã, pela fresquinha, sem o conforto do casaco. Mas depois já vamos dando de caras com outras pessoas mais abotoadas e conformadas com as folhas caídas e a ditadura do calendário. Aí vamos nós, todos juntos – pelo menos no hemisfério norte – a navegar outono dentro.
Há os que adoram e há os que odeiam. Mas custa a todos ver partir o sol às 18h e é disso que a maior parte se queixa: os dias com menos luz até meados de março que nos vão apagando as memórias à flor da pele de um verão de idas à praia, de mergulhos na piscina, dos fatos de banho que nos ficavam tão bem ou das sardinhas assadas comidas em tronco nu no quintal. Dos gins que se beberam naquela esplanada com uma vista desarmante e até das noites mal dormidas por causa do calor.
Mas não vale a pena estar com lamúrias porque é assim todos os anos. O “ciclo eterno das mudáveis coisas”, como escreveu o poeta Ricardo Reis: “Novo inverno após novo outono volve à diferente terra com a mesma maneira.” Já sabe que vem aí chuva e frio, com uma previsão de descida das temperaturas máximas e mínimas? Deixe lá, não se incomode. Haja saúde e coza o forno, já diziam os nossos avós. Mais vale ser como os conformados dos casacos da manhã e abraçar aquilo que as estações frias do ano têm para nos dar.
Turismo mais barato
Se, por acaso, ainda tem dias de férias para gozar, certamente já deverá ter pensado que o turismo fora da época alta torna-se bem mais barato. Os dias parecem mais curtos, mas os fins de semana continuam a começar à sexta–feira à tarde e a terminar ao domingo à noite. Então porque não aproveitar para as chamadas escapadinhas? Pegue no calendário e assinale, dentro do possível, aqueles que permitem deixar a casa fechada por duas noites. Depois é começar a pensar em destinos.
Em Portugal, já se sabe que o extenso interior alentejano costuma ser sempre uma boa opção. O Minho? Idem. Quer dizer: podíamos estar aqui o dia todo a dizer que temos um país com o tamanho quase perfeito para as escapadas de três dias. Já conhece bem o que temos por cá? Uma viagem a Madrid, Roma ou Paris, comprada em antecipação, torna-se uma verdadeira pechincha – é questão de ficarmos atentos aos motores de busca para encontrar as melhores propostas para o nosso bolso.
O regresso das travessas opíparas
Não haverá pior tortura do que comer um cozido à portuguesa quando o calor aperta. Fugimos da travessa cheia de carnes, enchidos e couves como o diabo foge da cruz. Mas mal o tempo começa a arrefecer volta a disponibilidade física para ter um prato cheio com uma tacinha de tinto quando nos sentamos à mesa.
Aqui deste lado está já confirmado um regresso ao cozido à portuguesa no almoço de família de sábado. Mas há muitos restaurantes de norte a sul que têm este prato na ementa ao sábado. É o caso da Tasquinha do Lagarto, em Campolide, o Rosa da Rua, no Bairro Alto (este com uma ginga cabo-verdiana). Se andar pelo Porto, a Casa Inês, em Campanhã, serve aos sábados umas valentes doses de tripas à moda do Porto e ao domingo pode matar as saudades do cozido.
Castanhas assadas, vinho novo e água-pé
Nas ruas já vamos avistando lá ao longe as fumaradas provocadas pelos carrinhos de vendedores de “quentes e boas”. Nos supermercados, juntamente com os dióspiros e romãs, as prateleiras já vão acolhendo o regresso das castanhas. Num domingo de outono/inverno, há poucas coisas que consigam ser melhores do que uma maratona de televisão e um forno a assar um tabuleiro de castanhas. O dia de São Martinho, em que se cumpre a tradição do magusto, celebra-se anualmente a 11 de novembro – este ano calha a uma sexta-feira. Então porque não marcar já um jantar de amigos com tudo aquilo a que têm direito? Castanhas, vinho, água-pé e um par de chouriços a assar. E ainda há quem diga que não gosta do frio.
Bebidas sem álcool que aquecem o coração
Fica a promessa de que esta é a última sugestão relacionada com comida. Caso contrário, teremos de terminar este trabalho a dizer que os corpos de verão começam a construir-se no inverno e a sugerir exercícios calisténicos para controlar o perímetro abdominal. Tudo é possível, desde que não se exagere. Mas nesta altura do ano é impossível esquecer que temos uma justificação para parar na Casa Grande, na Rua Ferreira Borges, no Porto; ou no Brick Café, no cruzamento da Rua de Moçambique com a Rua do Forno do Tijolo, em Lisboa, para mandar vir um chocolate quente para aquecer o corpo e a alma. Ainda na categoria das bebidas sem álcool que aquecem o coração, o outono traz de volta uma especialidade da cadeia Starbucks, o Pumpkin Spice Latte.
Voltar às roupas quentes
A mudança da estação quente para a fria – ou da fria para a quente – é sempre boa altura para repensar o guarda–roupa. É inevitável pôr de lado os tecidos mais leves, eventualmente até dispensar peças já gastas pelo sal no corpo, ruças do sol ou então, porque não dizê-lo, démodés. É altura de espreitar catálogos e ficar a par de novas tendências. Há quem diga que a mudança de visual costuma ser um bom placebo para ultrapassar momentos menos bons. A verdade é que ir às compras é bom para tudo menos para a carteira. Mas também só se vive uma vez e só se muda de estação quatro vezes por ano. Feitas bem as contas, vá lá buscar aquelas botas que tanto gostou de ver na montra, ou aquele casaco príncipe-de-gales que lhe vai dar uma sofisticação invernal quando desfilar na Baixa de guarda-chuva aberto.
Cinema, televisão e lençóis de flanela
No verão pode não haver tanto tempo para ir ao cinema. Ou para pôr a lista de séries em dia – até porque “A Guerra dos Tronos” acaba lá para o meio de junho. Temos mais desculpas para não nos sentarmos a olhar para ecrãs.
Com as folhas caídas, voltam os desafios para darmos um salto até ao cinema, onde esperamos que o ar condicionado esteja bem ajustado. E com o tempo frio regressa a vontade de abusar do sofá. As mantinhas, que – verdade seja dita – as senhoras gostam de usar o ano inteiro, são agora partilhadas com os senhores que já celebram o regresso às pantufas de pelo. As camas voltam a receber cobertores e edredões, e os lençóis de linho são trocados pelos de flanela (ou pelas modernices dos tecidos polares). Alegremo-nos porque, se o calor consegue ser desconfortável, o frio faz-nos ir à procura de aconchegos.