São poucos os que não se recordam de Mariana Mortágua durante a comissão de inquérito ao BES em 2015. Uma cara desconhecida para os menos atentos, mas firme, direta e – como se diz em bom português – sem papas na língua para pôr em xeque «o dono disto tudo». Choveram elogios, tanto a nível nacional – da esquerda à direita – como internacional, à performance da deputada do Bloco de Esquerda. Esta jovem alentejana, que na altura ainda não tinham completado 30 anos, era uma estrela em ascensão. Até agora.
Nos últimos tempos, Mariana Mortágua deixou de ser o que foi durante a Comissão do BES – quase consensual. O anúncio de um novo imposto sobre o património (a que vários dirigentes da direita chamaram «imposto Mortágua») e as declarações na Conferência Socialista 2016, no mês de setembro, onde defendeu que «só a esquerda radical pode salvar o capitalismo» e que «é preciso perder a vergonha de ir buscar a quem está a acumular» valeram-lhe críticas não só do PSD e do CDS como também de comunistas, socialistas – especialmente daqueles que condenam esta solução governativa de maioria esquerda – e até de pessoas ligadas ao Bloco de Esquerda.
«Nem sempre acho que as intervenções de Mariana Mortágua ajudem os objetivos que ela própria apresenta como seus. Acho até que, não raras vezes, a vontade de brilhar desajuda. Mas neste caso, só não percebeu quem não quis perceber», escreveu o Daniel Oliveira, ex-dirigente do BE, na sua página de Facebook no dia 19 de setembro.
Estaremos efetivamente a assistir a uma mudança de opinião em relação a Mariana Mortágua? João Semedo, ex-coordenador do Bloco de Esquerda, garante que, tal como ele, «os portugueses gostam cada vez mais» da deputada. «Essa unanimidade contra a Mariana não existe, é uma invenção. Não vejo um só reformado a criticar a Mariana. O país não é o circo dos comentadores que, muito amestradinhos e indignados, se ergueram contra a proposta de uma taxa sobre os imóveis de luxo e em defesa da riqueza dos milionários», afirma o ex-coordenador do BE ao SOL.
A cara do combate às desigualdades
Para o bloquista, estas críticas tinham como objetivo «criar tensões» entre os partidos que apoiam o PS na Assembleia da República e recusa a ideia de a deputada ser o alvo das apreciações negativas dirigidas ao Governo. «Se a Mariana é símbolo de alguma coisa é do que de melhor este Governo tem feito, a recuperação dos rendimentos e das pensões, o combate às desigualdades».
Já o antigo deputado bloquista João Teixeira Lopes considera que a deputada tornou-se «um alvo mais apetecível» das críticas graças ao seu protagonismo, que vem desde o tempo do BES, e pela sua «imagem nova», contrastante com a dos «políticos mais desgastados».
O facto de ter dado «a cara por uma medida de combate às desigualdades» fez também com que se criassem «anticorpos», levando-a perder aquela imagem unânime que tinha arrecadado na comissão de inquérito. Mas isso não é necessariamente negativo, sublinha o ex-dirigente bloquista. «Tirando o Presidente da República, em política é impossível ter um lugar de destaque e não criar anticorpos. Eu diria mesmo que seria muito mau sinal se a Mariana continuasse a ser adorada e não criasse oposições».
Teixeira Lopes identifica ainda «uma tática de combate político» nesta onda de críticas. «Por parte dos partidos da direita, atacar a Mariana significa retirar a atenção ao PS».
Oportunismo e mito urbano
O socialista João Galamba fala num «oportunismo» do PSD e do CDS. «A direita gosta muito de elogiar pessoas do PCP e do BE quando não as considera uma ameaça», tal como aconteceu na comissão do BES e até «durante a campanha eleitoral». Situação que mudou quando o BE passou a apoiar um governo de maioria esquerda. «A partir do momento em que o papel tradicional do Bloco e do PCP já não é fazer oposição ao PS, essas mesmas pessoas que diziam maravilhas da Mariana Mortágua agora subitamente dizem coisas horríveis da mesma pessoa», diz o porta-voz do PS ao SOL.
E se toda esta situação tivesse sido criada a partir de uma ideia destorcida? Carlos Zorrinho diz ao SOL que se criou «um mito urbano a partir de declarações que lidas no seu contexto original são perfeitamente normais para a pessoa que é e para a forma como a pessoa pensa e perfeitamente fundamentadas». O eurodeputado socialista acrescenta que há «uma estratégia de ataque» à bloquista feita «em função de uma construção sobre aquilo que ela disse».
Criticar ideias e o BE
Para o social-democrata Duarte Marques, as críticas não são dirigidas especificamente a Mariana Mortágua, mas às ideias apregoadas pela bloquista. «Não tem a ver com a personalidade, mas sim com o que cada um pensa e com as ideias que defende», refere o deputado do PSD ao SOL.
O social-democrata, que esteve com Mariana Mortágua na comissão do BES, recorda o ambiente de entreajuda entre os deputados dos vários partidos. «Era muito habitual um partido começar com perguntas de um género e não ter tempo de acabar e os deputados que vinham a seguir continuar a mesma linha de raciocínio sem ciúmes, sem invejas, sem preconceito». Nessa altura, ressalva Duarte Marques, a deputada «destoou do rumo tradicional do Bloco e agora vestiu outra vez a pele do BE».
Sérgio Azevedo diz não ter ficado surpreendido com as afirmações de Mariana Mortágua, pois considera que «fazem parte da sua doutrina político-ideológica». Admite, contudo, que as suas declarações possam agora ficar «condicionadas pela forma como defendeu o imposto sobre o património». Declarações que levaram a que perdesse essa imagem consensual que adquiriu na comissão de inquérito, acrescenta o social-democrata.
Nuno Magalhães vai mais longe. «O país ficou a saber aquilo que a deputada Mariana Mortágua sempre pensou e provavelmente a deputada ficou a saber aquilo que o país pensa daquilo que a deputada Mariana Mortágua pensa», diz o líder parlamentar do CDS ao SOL. Isto é, o país que só tinha visto o seu «lado positivo» – a sua «capacidade de trabalho» e competência – ficou agora a conhecer aquilo que a deputada e o BE pensam «sobre poupança, património e riqueza». E acrescenta: «O BE está a aperceber-se que governar não é a arte daquilo que queremos, mas do que podemos».
Também Nuno Melo acha que se tratam «de avaliações críticas ao BE» e não à deputada. Ainda assim, não estranha que esta seja visada, pois tem sido o rosto do partido no setor bancário e nos impostos. «Quando medidas polémicas do BE são protagonizadas por um dirigente em concreto, é normal que o dirigente seja invocado da mesma forma que foi o dirigente que deu a cara pelo partido em si mesmo».
O SOL contactou o PCP, mas os comunistas não quiseram fazer considerações sobre o assunto.
Não é demais, no entanto, recordar o editorial do líder parlamentar do PCP no Avante!, na sequência do anúncio do novo imposto sobre património. «O saldo do que aconteceu na última semana, depois do apressado anúncio feito pelo BE e confirmado pelo PS a propósito do imposto sobre o património imobiliário de valor elevado, confirma que posturas e critérios errados não se limitam apenas a criar dificuldades a boas medidas que podem ser tomadas, oferecem ainda de bandeja a outros (neste caso, a PSD e CDS) a oportunidade de branquearem as suas opções», lê-se no texto escrito por João Oliveira, onde o líder parlamentar considera ainda que alguns partidos de esquerda – leia-se PCP e Os Verdes – andam a «juntar com o bico» e o BE a «espalhar com as patas».
O SOL tentou também contactar Mariana Mortágua, mas sem sucesso.