Woody Allen: um tipo normal que é genial

1.É sempre uma excelente notícia o regresso de um génio como Woody Allen. Um ano sem um filme do realizador nova-iorquino é certamente um ano mais pobre – nós todos, a humanidade, ressentimos a falta do talento ímpar, da criatividade singular e da normalidade anormal de Woody. Ao contrário do que alguns já escreveram, não…

1.É sempre uma excelente notícia o regresso de um génio como Woody Allen. Um ano sem um filme do realizador nova-iorquino é certamente um ano mais pobre – nós todos, a humanidade, ressentimos a falta do talento ímpar, da criatividade singular e da normalidade anormal de Woody.

Ao contrário do que alguns já escreveram, não há filmes maus filmados por Woody Allen – há filmes geniais; há filmes fantásticos; há filmes bons. Um filme abaixo da média de Woody – é sempre um filme acima da média geral. Num mundo cada vez mais sombrio, o realizador nova-iorquina ilumina.

É um verdadeiro liberal: desconfia das “vanguardas”, dos “iluminados”, confiando no indivíduo, nas suas capacidades de superação, de pensamento, de sacrifício, de auto-reflexão. Woody Allen tem a característica de ser sério provocando risos – e de se rir (e fazer rir!) falando de assuntos sérios.

2.Atentando apenas nos seus últimos três filmes, constatamos uma linha de continuidade, um padrão de referência nas obras – “ Meia-Noite em Paris” é deslumbrante e um hino ao cinema; “Homem irracional” é um filme intelectualmente estimulante, magnificamente interpretado e melhor realizado; “ Café Society” (que acaba de estrear nas salas de cinema portuguesas) é a confluência dos dois filmes anteriores. Nos dois primeiros filmes, temos o Woody Allen virtual, ideal, o Woody que “poderia ter sido” – em “Café Society”, temos o Woody que é. O Woody que vive. E a sociedade em que vive – e viveu – Woody.

2.1.De facto, em “Meia-noite em Paris”, temos o realismo pessimista de Allen esbatido, quase colorido  – sem alterar o seu crónico cepticismo sobre o destino e fim inexorável de cada ser, Woody Allen quer acreditar no romantismo, no poder transformador do amor (ou, pelo menos da paixão) e na força do homem para se livrar do seu fado, do seu destino – ou seja, na chamada “virtude” de cada pessoa.

2.2.Neste filme protagonizado por Owen Wilson (um actor subestimado pela crítica, apenas pela circunstância de aceitar participar em filmes comerciais; que pecado!), Woody Allen expõe o seu lado menos racional (que não irracional!), mais propenso à crença no romantismo, nos sentimentos, apesar da omnipresente inquietação da humanidade. Tendemos não poucas vezes a sobrevalorizar o passado, a recear e conjecturar o presente – e desprezamos o único momento tangível: o hoje, o agora, o presente.

Logo após esta obra-prima cinematográfica, o realizador nova-iorquino regressa às suas inquietações antropológicas, a revelar um implacável pessimismo dubitativo (na verdade, Woody descrê no futuro, na força libertadora do homem face ao “fado” – mas quer crer): primeiro, com “Blue Jasmine”, com uma magnífica interpretação de Cate Blanchett; depois com “Homem Irracional”, com Javier Bardem e Emma Stone.

Neste último, Allen confronta-nos com o seu “eu” perverso – Bardem é um professor de Filosofia, intelectual com uma tendência para entrar em jogos de sedução com as suas alunas, um génio que aplicar as suas teses radicais sobre Deus e o livre-arbítrio. Daí que o protagonista assuma o papel de “senhor do destino”, decidindo substituir-se ao próprio “destino” (ou, para os crentes como nós, Deus), antecipando o julgamento final de um juiz corrupto.

Ou seja, o Professor de Filosofia, interpretado por Javier Bardem, assassina o juiz, concretizando o desejo da aluna com quem namora (Emma Stone – a encarnação feminina de Woody Allen) e criando uma história (uma “narrativa”, como diria alguém) para mostrar que foi terceiro a cometer o homicídio.

Tudo isto, concretizando a sua tese académica de que o homem está destinado à condenação definitiva, mas poderá, ele próprio, assumir a condução do seu destino – vivendo, pois, as suas ideias e não simplesmente idealizando sobre a sua vida. No fundo, a personagem de Bardem quer, como Deus, escrever direito por linhas tortas.

3.Chegamos, pois, ao filme, em exibição nas salas de cinema nacionais, “Café Society”. Woody regressa ao seu optimismo (ou pessimismo mais disfarçado) expresso em “Meia-Noite em Paris” quanto à bondade do destino e ao livre-arbítrio do ser humano. Propõe-nos regressar Nova Iorque e a Los Angeles dos anos 30 do século passado, sendo uma sessão de terapia colectiva que Allen vive e nos faz viver.

Isto porque o filme tem nitidamente traços biográficos: Jess Eisenberg é um jovem que se quer libertar da sorte da sua família, conquistar uma oportunidade em Los Angeles, subir na hierarquia social – e uma mulher que possa amar. Sempre desajeitado, socialmente ansioso. Sempre tramado pelo destino (que ele tenta contrariar), sempre recorrendo ao humor para desenvencilhar das dificuldades e embaraços da vida – tal como o próprio Woody Allen.

Após se apaixonar pela amante do seu tio e patrão, Phill Stern (brilhantemente interpretado por Steve Carell, um actor magnífico, quer no drama, quer na comédia), Bobby Stern regressa a Nova-Iorque, onde, ao lado do seu irmão criminoso, encontra o seu caminho – e a mulher com quem se casa. Chama-se Veronica (interpretada por Blake Lively, sempre majestosa), curiosamente, o mesmo nome que a mulher do seu tio e ex-namorada (Kristen Stewart, com uma interpretação inspiradora).

4.Curiosidade: ao contrário de filmes anteriores, desta feita, Woody Allen deixa-nos com um final aberto. É inconclusivo, depois de as suas personagens centrais – Bobby e Veronica, casada com Phill Stern – se reencontrarem.

Ou seja: Woody Allen, em “Café Society”, insiste no determinismo como essência da vida humana – todavia, não absolve, nem condena o destino. O fado. Antes, deixa tal julgamento no arbítrio de cada um de nós. Afinal, é a nossa “society” que é retratada no “café” de Woody Allen – o génio que é um homem normal. Ou o homem normal que quis ser genial…

P.S  -Sobre a vida de Woody Allen e como se reflectiu na obra cinematográfica, é ler, com muito interesse, o livro escrito por Natalio Grueso, “Woody Allen – O Último Génio”, editado pela Objectiva.

joaolemosesteves@gmail.com