Porta de entrada para a Europa. Foi desta forma que o primeiro-ministro promoveu Portugal para atrair investimento chinês na viagem que fez à China na semana passada. Aos empresários chineses António Costa garantiu que estar em Portugal é o mesmo que estar em todo o espaço da União Europeia.
Para Costa, com o investimento chinês «há uma contrapartida da valorização da nossa economia, com criação de emprego, estabilização do nosso sistema financeiro e potenciação da capacidade de produção industrial».
E dá como exemplo – além da banca e da energia – outras áreas para explorar, como a indústria automóvel. Sobre este setor, o primeiro-ministro referiu mesmo que o país tem já uma tradição de produção e desenvolveu um cluster ao nível do mercado de componentes na sequência da instalação em Portugal de fábricas alemãs, francesas e japonesas.
Mas as oportunidades não ficam por aqui. Foram também destacados os setores dos têxteis, do calçado (que disse ser o segundo mais caro do mundo em valor), o agroalimentar (desde a carne à fruta, passando pelo azeite e vinho) e ainda o turismo.
Mais reticente tem sido o Presidente da República. Apesar de reconhecer a importância estratégica das relações entre Portugal e a China, Marcelo Rebelo de Sousa já deixou um alerta: «É evidente que não há almoços grátis e estas escolhas estratégicas têm contrapartidas a prazo».
A verdade é que o investimento chinês em Portugal tem vindo a ser reforçado nos últimos anos. Os setores da energia, banca, seguros e saúde estão em destaque, mas os media também são alvo de interesse. E, à ‘boleia’ das privatizações, as empresas chinesas reforçaram a sua presença no mercado nacional e surgem como um dos dos principais investidores externos em Portugal, com um investimento acumulado de 1,2 mil milhões de euros até final do ano passado.
Do lado dos empresários chineses, o interesse por Portugal não representa qualquer novidade. Recentemente, a Associação de Empresários de Xangai – que conta com duas mil das empresas mais fortes da China – admitiu que tinha 10 mil milhões de euros para investir no mercado nacional. O facto de o «povo português estar muito aberto ao investimento estrangeiro» e de os chineses serem bem recebidos pelas entidades oficiais portuguesas são as principais razões apontadas por estes empresários para investirem no nosso país.
O primeiro passo foi dado em dezembro de 2011, com a primeira privatização do Governo de Pedro Passos Coelho, a EDP. 21,35% da elétrica portuguesa foi adquirido pela China Three Gorges, por 2,69 mil milhões de euros. Mas há muito mais.
Energia
A privatização da EDP foi a primeira paragem de uma viagem que já vai longa, no que diz respeito às relações comerciais entre Portugal e a China. A venda à China Three Gorges foi feita no início do mandato do anterior governo e no arranque do programa da troika, quando a perceção de país resgatado se impunha nos mercados financeiros.
O país vivia com juros elevados e com dinheiro do FMI e dos fundos de resgate europeus, e a venda da empresa serviu também para o ministro das Finanças, Vítor Gaspar, frisar que Portugal era «atrativo para o investimento estrangeiro». Lu Chun é o presidente do maior acionista da EDP. Está no cargo desde 2014, indicado pelo governo chinês em substituição de Cao Guangjing. A mudança ocorreu depois de terem sido detetadas suspeitas de favorecimento em contratos da empresa na China e de o plano anticorrupção das autoridades ter começado a ser mais notado.
Lu Chun tem chamado a atenção do Governo para a importância da venda da elétrica portuguesa, não só para a empresa, que ganhou músculo financeiro, mas também para Portugal.
Em fevereiro de 2012, foi a vez da venda da REN, com os chineses da State Grid a ficarem com 25% do capital, pagando 387 milhões de euros pela posição na empresa gestora das redes energéticas nacionais. A empresa liderada por Liu Zhenya, que já é a maior acionista da REN, é três vezes mais ‘rica’ do que Portugal, de acordo com o ranking da Global Justice Now que cruza as receitas das grandes multinacionais com as dos países. O grupo chinês gera 293 mil milhões de euros anuais, o que faz dele a 14.º maior potentado económico do mundo, enquanto o nosso país ocupa o 97.º lugar, com proventos de 80 mil milhões de euros.
Os objetivos são claros para a empresa que gere a distribuição de energia elétrica em Portugal: expansão para os países de língua portuguesa em África e para a América do Sul.
Seguros
A estreia dos chineses da Fosun em Portugal foi feita através do mercado segurador. Guo Guangchang, um dos homens mais ricos da China – aos 49 anos, estava na 11.ª posição na lista da Forbes – pagou mil milhões de euros por 30% do mercado segurador português (Fidelidade e Multicare), mas o encaixe total ascendeu a quase 1209 milhões de euros, em resultado da distribuição prévia de dividendos de 208,9 milhões de euros.
Esta venda representou a terceira privatização realizada pelo Executivo liderado por Pedro Passos Coelho. E na base desta decisão esteve o facto de os chineses se mostrarem mais flexíveis para serem parceiros da CGD na Caixa Seguros, dado que o banco público português se mantém, com uma posição de 15%, no capital da holding dominada pela Fosun. Aliás, uma das imposições do contrato que esteve a ser negociado dava ao adquirente da Caixa Seguros (e ao vendedor, a CGD) exclusividade mútua, por 25 anos, na comercialização dos produtos da Fidelidade, aos balcões do banco estatal. A Fosun prometeu também que o grupo chinês iria expandir as operações da Caixa Seguros na China e em outros mercados asiáticos.
O grupo pretende agora comprar até 30% do BCP (ver página seguinte), mas deixa de fora qualquer ligação com a companhia de seguros Fidelidade. Ou seja, a concretizar-se a compra de parte do banco de Nuno Amado, o conglomerado liderado por Guo Guangchang promete manter as operações distintas, já que considera que o BCP e a companhia de seguros Fidelidade são negócios diferentes. E é assim que devem ser tratados. Neste momento, a Fidelidade já tem uma parceria, no que toca à distribuição de seguros com outro banco nacional, a Caixa Geral de Depósitos – instituição responsável pela comercialização de uma grande parte dos produtos da seguradora.
Saúde
O setor da saúde foi o segundo passo de reforço do grupo Fosun em Portugal ao adquirir o grupo Espírito Santo Saúde – do qual o Hospital da Luz é um dos principais cartões-de-visita. A marca ES Saúde chegou ao fim com o processo de venda à Fidelidade e passou a designar-se por Luz Saúde.
A seguradora detida pela chinesa Fosun comprou 96% da empresa na sequência da oferta pública de aquisição (OPA) que lançou à dona do Hospital da Luz. Com este negócio, a seguradora pretendia ter uma visão mais integrada, mais global dos clientes e, ao mesmo tempo, alargar as soluções, pois detinha a Multicare e isso iria permitir aumentar o número de clientes abrangidos.
Por outro lado, aumentava as expectativas do grupo ao criar condições para competir noutros mercados e noutras geografias.
Aviação
A chinesa HNA, a maior companhia aérea privada chinesa, é acionista da companhia aérea Azul, que é controlada pelo empresário David Neeleman – um dos donos da TAP, através do consórcio Atlantic Gateway, que integra também o empresário português Humberto Pedrosa.
Chen Feng, presidente do grupo, é um dos homens mais ricos da China. O economista e fundador da HNA garantiu que um dos seus maiores objetivos é que a Hainan Airlines esteja no top 100 das companhias aéreas em 2020.
Ainda na semana passada, a TAP anunciou um acordo de partilha de voos com o grupo HNA, que a partir de junho terá a primeira ligação direta entre a China e Portugal, à semelhança do que faz com três dezenas de outras companhias.
Imobiliário
O setor imobiliário é sem dúvida uma das maiores apostas da China, com os chineses a liderarem, por nacionalidades, os vistos gold em Portugal. Desde que o programa dos vistos dourados arrancou, a 8 de outubro de 2012, até final de agosto, 2.835 investidores chineses tinham obtido Autorização de Residência para atividade de Investimento (ARI), segundo dados do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).
Exemplo disso são também os projetos turísticos que vão sendo anunciados. É o caso do mega projeto imobiliário que vai nascer em Setúbal, pela mão do empresário chinês David Chow. O Clube Naval Setubalense será transformado num resort de luxo com marina, dois hotéis, apartamentos, um mercado e muito mais num investimento total de 250 milhões de euros.
As obras do empreendimento deverão arrancar em 2017, sendo este o primeiro investimento da Macau Legend em Portugal e na Europa. Um dos objetivos deste empreendimento imobiliário é reforçar a aproximação entre Setúbal e Tróia. De forma a facilitar ainda mais a ligação entre ambas, está prevista a construção de um terminal de ferries e de táxis marítimos.
Mas as apostas não ficam por aqui. Mais uma vez, a Fosun – que detém o Club Med e um empreendimento em Albufeira – anunciou que pretende investir cerca de 100 milhões de euros num novo empreendimento. Há quatro projetos na zona de Grândola que podem interessar ao grupo chinês: o empreendimento Costa Terra, que pertence a Pedro Queirós Pereira, a Herdade do Pinheirinho, lançada pela imobiliária Pelicano, que está em processo de insolvência, a Herdade da Comporta, que está no mercado desde a queda do Grupo Espírito Santo, e o Comporta Dunes, que foi lançado em 2013.
Comunicação
Vários empresários chineses de Macau mostraram já interesse em investir na área da comunicação em Portugal. O primeiro passo foi dado pelo grupo KNJ Investment Limited, sediado em Macau – e liderado pelo empresário Kevin Ho, sobrinho do ex-chefe do Executivo em Macau, Edmund Ho – ao tornar-se o maior acionista da Global Media, com 30% do capital, proprietário de meios como o Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF. Esta operação é feita através de um aumento de capital.
O objetivo do negócio é criar plataformas comunicacionais que permitem ligar Portugal e Macau a países de língua portuguesa e também a expansão da sua atividade nos mercados digital e online, no âmbito da sua estratégia internacional.
Outros projetos
A empresa de telecomunicações Huawei inaugurou, em fevereiro de 2012, o seu centro tecnológico em Lisboa, o que representou um investimento de 10 milhões de euros, que se juntaram assim aos 40 milhões de euros que a multinacional chinesa tinha investido no mercado português. Mas a aposta poderá não ficar por aqui, já que um dos principais objetivos da visita do primeiro-ministro à China foi captar para Portugal o novo pólo tecnológico da marca chinesa.
Já o segundo maior banco de investimento na China, o grupo Haitong – também detentor em Portugal do ex-Espírito Santo Investimento (ver página seguinte) – assinou este mês com o Governo português um acordo para investir em toda a zona logística de Sines. São mais de mil hectares em causa onde os chineses vão investir. Para este grupo, o porto de Sines tem uma posição estratégica quer para a exportação, quer para a importação.
Na mira
Com a saída dos norte-americanos, a Base das Lajes, na ilha Terceira, poderá interessar os investidores chineses para a área da investigação científica. Este interesse foi anunciado pelo próprio primeiro-ministro. António Costa disse, no entanto, que Portugal vai continuar a honrar os seus compromissos como membro fundador da NATO mas quer que os Açores sejam melhor aproveitados. Uma série de oficiais chineses, incluindo o presidente e o primeiro-ministro já usaram a ilha Terceira como stop over, para reabastecimento, em viagens para a América Latina, numa altura em que a China está a tentar expandir os seus interesses além-fronteiras.
Já a consultora EY admite que os empresários chineses têm outros interesses, como as vinhas do Douro e, até mesmo, marcas próprias em setores como o azeite ou o vinho e na indústria de maquinaria.