João Lobo Antunes morreu hoje aos 72 anos, vítima de doença prolongada. O neurocirurgião presidia atualmente ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. Deixou de exercer em junho do ano passado por motivos de saúde, depois de em 2014 ter reunido centenas de pessoas na sua última lição na Faculdade de Medicina de Lisboa. Deixa quatro filhas – a mais conhecida do grande público a atriz Paula Lobo Antunes – e nove netos.
Cinquenta anos de carreira
João Lobo Antunes nasceu em Benfica em 1944 e licenciou-se em Medicina pela Universidade de Lisboa em 1968. Herdou o nome e a vocação do pai, também neurologista e um dos colaboradores mais próximos de Egas Moniz, herança que sempre fez questão de cultivar e o levou a publicar em 2010 uma biografia do primeiro prémio Nobel português.
O tio-avô fez também história na medicina portuguesa e foi outra das suas grandes influências: Pedro Almeida Lima colaborou também com Egas Moniz e é considerado o pai da neurocirurgia portuguesa, a área em que João Lobo Antunes viria a especializar-se nos Estados Unidos. Entre 1971 e 1984 trabalhou no Instituto Neurológico da Universidade de Columbia, em Nova Iorque.
O regresso a Portugal aconteceu em 1984, altura em que passou a dirigir o serviço de neurocirurgia do Hospital de Santa Maria. Discreto na vida pública mas próximo dos círculos de influência, foi mandatário das candidaturas de Jorge Sampaio e Cavaco Silva à Presidência da República e membro do Conselho de Estado até ao início deste ano.
Homem das letras
Além da Medicina, Lobo Antunes tinha uma enorme paixão pela escrita e pelos livros, que também herdou do pai e partilhava com o irmão mais velho, o escritor António Lobo Antunes.
Publicou no final do ano passado o seu último livro de ensaios “Ouvir Com Outros Olhos” e estava a trabalhar nas suas memórias. Deixou reflexões sobre a profissão médica e a natureza do homem. Exigente consigo próprio, perfeccionista, numa entrevista ao “Expresso” no final de 2015 dizia que a sua maior qualidade foi ter sido sempre um bom aluno e reforçava o papel central que atribuía à educação e ao esforço individual. “A medicina fez-me médico. Nós aprendemos o básico, a parte artesanal da profissão. É onde muitas vezes falhamos, embora eu tenha sido muito bem-educado. Aquilo em que me tornei é uma demonstração brilhante da virtude da educação, do que chamo o ‘currículo silencioso’, que passa por osmose, informalmente, em sítios tão diversos como o restaurante do hospital ou o serviço de urgência.”
João Lobo Antunes foi distinguido com o Prémio Pessoa em 1996 e recebeu no ano passado o Prémio Nacional de Saúde. Foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique, com a Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago de Espada e com a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade.
Na primeira pessoa
Outubro de 2015
Qual o momento mais marcante da sua vida?
O dia em que nasci, o começo de tudo.
Um livro?
Os “Ensaios” de Michel Montaigne e “Os Maias”.
O que gostava de ter sido?
Professor de Literatura ou Filosofia, mas levando comigo a experiência de ser médico.
O melhor da vida?
As crianças, como dizia o poeta.
Leia aqui o perfil do neurocirurgião publicado no ano passado no jornal i